Um adeus e um livro
15/07/14 18:41Desembarquei em Teerã numa madrugada de 2011, sob temperatura negativa e sem entender uma palavra de farsi.
Nos primeiros dias como correspondente da Folha no Irã, fui devorado por uma ansiedade de apertar a garganta. Que lugar é esse? Como faço para trabalhar aqui? Por onde começar?
Dois anos e oito meses depois, este é o texto que encerra minha missão iraniana.
Desde aquela gélida madrugada, me ambientei, aprendi a me virar na língua e fiz grandes amigos. Teerã, gigante e carrancuda, se tornou meu lar doce lar. Dicas, passeios, bons endereços e até atalhos para chegar onde for, é comigo mesmo. Percorri o Irã dos cânions do Oeste às montanhas do Nordeste, das planícies do Sul às lindas cidades de Yazd e Isfahan.
Acima de tudo, me esforcei a cada dia para trazer ao leitor da Folha a informação mais abrangente, precisa e isenta sobre tudo que envolve o Irã.
Nas páginas do jornal, contei como vivem os judeus iranianos, relatei um enforcamento em praça pública e me alonguei sobre as contradições da condição feminina na teocracia dos aiatolás.
Tratei de temas tabus, como as operações de troca de sexo impostas aos gays e o comércio de rins, o maior do mundo. O regime ficou furioso quando meu colega do “New York Times” e eu embarcamos numa lancha de contrabandistas e fomos até o meio do golfo Pérsico para revelar a existência de dezenas de petroleiros iranianos ancorados em alto mar por falta de atividade, escancarando o efeito dramático das sanções.
Entrevistei viúvas dos cientistas nucleares assassinados (presumivelmente por Israel), um dos sequestradores da embaixada americana em 1979 e o homem que muitos consideram ser porta-voz do aiatolá Khamenei, capo di tutti i capi no complexo da rua Pasteur, sede do regime.
Foi fascinante ver como o país saiu das trevas da era Ahmadinejad para a explosão de euforia com a eleição de Rowhani, há pouco mais de um ano. Saio com a amarga impressão de que forças ultraconservadoras estão conseguindo aos poucos empurrar o Irã de volta à escuridão.
Mergulhei fundo nas dinâmicas Brasil-Irã. Ouvi um assessor de Ahmadinejad disparar barbaridades contra Dilma, contei das retaliações comerciais iranianas ao distanciamento do Brasil pós-Lula e cobri visitas do então chanceler Antonio Patriota e de um grupo de parlamentares que teve Eduardo Suplicy e Valdir Raupp. Contei que o mesmo cidadão que havia se tornado o primeiro clérigo xiita brasileiro da história acabou deportado do Irã meses depois, por razões até hoje não esclarecidas.
Estive num seleto grupo de jornalistas recebidos pelo aiatolá Khamenei, mas nunca consegui entrevistar membros do alto escalão do governo – prova de que o regime não se importa tanto assim com o Brasil.
Em paralelo às publicações na versão impressa e no site noticioso da Folha, toquei a coluna “Um Brasileiro no Irã”, que comecei a escrever no início de 2012. Foram 106 posts, 2.568 comentários e milhares de curtidas acumuladas.
Minha proposta neste espaço sempre foi apresentar curiosidades e aspectos inusitados da vida no Irã, dos costumes às paisagens, das religiões à gastronomia. A ideia era retratar com originalidade um país sobre o qual ninguém sabe nada, mas todo mundo palpita. Tentei trazer o Irã para mais perto do leitor. Para isso, procurei escrever de forma livre e subjetiva, fugindo do óbvio como a peste. Nem todo mundo gostou. Faz parte do jogo. Como moderador da coluna, aprovei muitos comentários extremamente agressivos. Só vetei os que continham insultos – contra outros leitores ou contra mim.
Curioso constatar que as razões que determinaram o sucesso ou a indiferença acerca de um post continuam uma incógnita. Escrevi sobre o genro iraniano de John Kerry achando que o texto viraria hit. Acabou sendo um dos índices de leitura mais baixos já registrados. E quando divaguei sobre minhas impressões do Brasil, após passar o fim do ano no litoral paulista, nunca imaginei que o texto se tornaria um dos mais lidos e curtidos.
No fim das contas, a interação com você, leitor, foi a melhor parte de produzir “Um brasileiro no Irã.” Essa troca, apesar das ocasionais rusgas, me enriqueceu um monte. Não teria o mesmo sentido se a coluna não permitisse uma “conversa” com vocês. Agradeço a todos pela atenção e, em especial, àqueles que se tornaram seguidores fieis, inquietos e exigentes. Parto agora para nova missão a serviço da Folha.
Fecho esta coluna apresentando o livro “Os Iranianos”, que escrevi pela editora Contexto. Ao longo das 220 e poucas páginas, me estendo sobre muito do que vivi e aprendi no universo tão peculiar da república islâmica. Além de mergulhar na realidade social e cultural iraniana, também trato de política, história, economia e artes, conforme o formato da coleção que já teve “Os Indianos”, “Os Chineses” e “Os Argentinos”, entre outros.
Haverá dois coquetéis para o lançamento de « Os Iranianos » – o primeiro em São Paulo, na quinta-feira 24 de julho, às 18h30, na Livraria da Vila, alameda Lorena, Jardins ; o segundo na minha Brasília, na quarta-feira 30 de julho, às 19h, na Livraria Cultura do Casa Park. Estão todos convidados!