A arte do piquenique iraniano
22/03/12 17:29Com a chegada do sol e temperaturas mais amenas, os iranianos acabam de iniciar a temporada do piquenique, prática na qual parecem imbatíveis.
O fenômeno ainda não está ocorrendo na escala do verão, depois de junho, quando vira febre nacional. Mas a coincidência das férias escolares pelo Ano Novo persa com a chegada da primavera já está levando muita gente a estender toalhas ou cobertores na grama dos parques e recantos de natureza em Teerã e demais cidades.
Há rodas de todos os tamanhos com gente de todos os tipos. Já vi grupos de estudantes com visual moderninho que parecem usar o piquenique como pretexto para paqueras, gargalhadas e fuxicos. Compreensível num país onde bares e discotecas são proibidos. Mas os jovens precisam conter o assanhamento porque a polícia moral dobra a vigilância nesta época em que as pessoas aproveitam o bom tempo para se divertir fora de casa. A pé ou de moto, policiais circulam entre árvores e matinhos à caça de comportamentos ilícitos, como véus femininos mal colocados ou contato físico entre homens e mulheres não casados.
Também há piqueniques de casais, uns com pinta ocidental e outros claramente mais religiosos _ele com barba e anéis de oração nos dedos da mão, ela com chador, um tipo de véu geralmente preto que cobre o corpo todo.
Mas quem realmente ergueu o piquenique ao status de arte coletiva são as famílias. Dia desses perambulei pelo bem cuidado parque Mellat, pertinho de casa, e vi uma cena que parecia conter a alma desta prática. Umas doze pessoas _entre as quais penso ter visto pai, mãe, tios, avôs e netos_ estavam sentadas na grama ao lado da alameda de caminhada, em volta de um verdadeiro banquete. Havia panelas de arroz, senti cheiro de carne e vi vasilhas de saladas, frutas e caixas de doces. Tudo espalhado em toalhas estendidas umas ao lado das outras. As pessoas comiam em pratos de vidro e com talheres de metal. Num canto estava a indispensável bandeja do chá, com copos de vidro e chaleira fumegante. Já ouvi que os iranianos ficam chocados com os sanduíches e pratos de plásticos dos piqueniques ocidentais.
Diante de certeza de que a chuva só voltará no próximo semestre, refeições ao ar livre podem durar horas e resultar às vezes em fusão momentânea de famílias. É comum os participantes oferecerem doces e frutas a quem estiver passando por perto.
Parques são a melhor opção. Ninguém paga para entrar e a grama predominante no Irã é a mais adequada para o piquenique: rasa, macia e fininha, muito semelhante à da Europa. Mas hoje mesmo vi uma família tranquilamente instalada em cima de uma rocha de montanha, num bairro de Teerã cravado na cordilheira Alborz. Adeptos mais ferrenhos às vezes viajam horas de carro para fora das cidades em busca de um cantinho discreto e sossegado de deserto ou floresta.