Paulo Coelho - amor e ódio no Irã
29/05/12 09:34Paulo Coelho, o escritor brasileiro que mais vende no mundo, tem uma relação de amor e ódio com o Irã.
Coelho é sucesso de público na terra dos aiatolás desde os anos 90. Seus livros eram impressos e reimpressos aos milhões, mas sem a menor regulamentação sobre cópias e traduções _e portanto, sem os lucros devidos e merecidos. A ausência de direitos autorais para obras estrangeiras foi decretada pelo próprio imã Khomeini, fundador da República Islâmica, em 1979. Aos poucos foi ficando claro para Coelho que era imprescindível botar ordem no mercado iraniano para transformá-lo em mina de ouro de fato.
A anarquia começou a ser combatida quando o brasileiro se aproximou do editor Arash Hejazi, um médico de formação e amante de literatura que acabou apontado como o único tradutor reconhecido. A parceria ganhou carimbo oficial em 2000, quando o regime convidou e estendeu o tapete vermelho para Coelho, que se tornou o primeiro escritor não muçulmano a ser recebido pelo governo teocrático. O todo poderoso Ministério da Cultura e Orientação Islâmica decretou então que Hejazi e sua editora, Caravan Publishing, eram os únicos formalmente autorizados a traduzir, distribuir e vender os livros de Coelho no país. O autor carioca originou, portanto, a primeira lei de direitos autorais da República Islâmica. O escritor conhecido como mago, visto por alguns como bruxo, conseguira o impossível: a benção de um regime que, anos antes, emitira um decreto condenando a morte o escritor indiano-britânico Salman Rushdie, por seu polêmico “Versos Satânicos”.
A relação ficou estremecida quando, na véspera da eleição presidencial de 2005, agentes do regime confiscaram todas as cópias do então recém-lançado “O Zahir” disponíveis na Feira do Livro de Teerã, um dos maiores eventos literários do Oriente Médio. Não houve justificativa formal. O editor Herash Hejazi, próximo dos reformistas, enxergou sinais de perseguição política por parte da ala conservadora que, semanas depois, levaria à Presidência um certo Mahmoud Ahmadinejad.
Nos anos seguintes, Coelho e Hejazi continuaram faturando no Irã, mas adotaram perfil baixo. O governo por sua vez também não voltou a incomodá-los, talvez porque Ahmadinejad tenha buscado desde o início do mandato aproximar-se do Brasil de Lula.
Mas a coisa desandou a partir de 2009, quando o regime esmagou megaprotestos contra a reeleição supostamente fraudulenta de Ahmadinejad. Num incrível acaso, Hejazi acabou sendo associado a um dos momentos mais marcantes da repressão: a morte da bela Neda Agha Soltan, 26, registrada em imagens chocantes disponíveis para quem quiser ver na internet.
Hejazi participava de um protesto numa rua a oeste de Teerã no momento em que Neda foi atingida por um tiro no peito, que acredita-se ter sido disparado por um basiji, miliciano voluntário pró-regime. Os vídeos no Youtube mostram claramente Hejazi (afinal, médico de carreira) tentando acudir Neda, que revira os olhos em sua agonia.
O “flagra” custou caro a Hejazi. Ele foi obrigado a se refugiar no Reino Unido e teve a sua licença de editor e tradutor cassada. Sobrou para Paulo Coelho, que não somente perdeu o amparo oficial como também acabou associado a Hejazi e, portanto, à oposição reformista. O brasileiro só soube do veto a seus livros no ano passado, quando publicou em seu blog um email do editor avisando da proibição. O caso preocupou até o governo Dilma, que criticou o Irã pela suposta medida. O regime de Teerã, preocupado em manter boas relações com o Brasil, negou qualquer medida contra Coelho.
Três semanas atrás fui à Feira do Livro de Teerã, promovida de cabo a rabo pelo regime, para checar se os livros de Paulo Coelho estavam disponíveis um ano e meio após a polêmica. E como em quase tudo no misterioso Irã, não encontrei resposta clara. A moça num dos balcões de informações da feira achou rapidinho no sistema as referências pedidas. Saí de lá com indicações de três estandes que vendiam livros do brasileiro.
O gerente do primeiro estande mostrou exemplares de “O Alquimista” e “O Zahir” e disse, orgulhoso, que sua editora era a única autorizada a traduzir Paulo Coelho após o fim da licença à Caravan _o que era mentira pois vi várias outras editoras reproduzindo as obras. Uma mulher no segundo estande apavorou-se com meu pedido e contou que agentes do governo vetaram categoricamente a venda dos livros do brasileiro, a quem que teriam chamado de “satanista”. Mesmo assim, ela sussurrou: “se você quiser, eu posso descolar qualquer livro do Coelho, mas a gente precisa fazer isso na surdina”. O dono da editora no terceiro estande me explicou que, sim, Paulo Coelho está proibido, mas o governo faz vista grossa. De qualquer maneira, me disse o empresário-editor, “a moda passou”, e as vendas do autor brasileiro hoje são irrisórias perto do que já foram.