Samy Adghirniirã – Samy Adghirni http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br Um brasileiro no Irã Tue, 15 Jul 2014 23:37:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A maior rua do Oriente Médio http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/28/a-maior-rua-do-oriente-medio/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/28/a-maior-rua-do-oriente-medio/#comments Wed, 28 Mar 2012 12:30:59 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=166 Continue lendo →]]>  

Um dos raros pontos em que a rua Valiasr é mão dupla

Teerã é cortada de sul a norte pela rua Valiasr, a mais extensa em todo o Oriente Médio e um dos principais pontos de comércio e lazer na capital iraniana.

A Valiasr, ou Vali Asr, traduz a alma e a diversidade desta megalópole de 12 milhões de habitantes, como pude comprovar dia desses ao percorrer de ônibus seus 17 km de comprimento. O trajeto entre a planície do sul popular-conservador e as ladeiras íngremes do norte abastado-moderninho durou 55 minutos graças ao corredor exclusivo. De carro levaria até três horas, dependendo do trânsito.

Embarquei no início da linha, na estação ferroviária central. Ônibus vazio e razoavelmente confortável. Sentei na janela, bela luz de fim de tarde. Os primeiros quilômetros parecem uma rua qualquer em alguma cidade decadente do interior. Dos dois lados da pista, prédios decrépitos com no máximo dois andares. As lojas são em sua maioria pequenas e toscas _quinquilharias, verdureiros, padarias, vendinhas de eletrônicos etc. Há algumas lanchonetes com aspecto insalubre. As montanhas Alborz erguem-se distantes ao horizonte.

A pista tem quatro faixas: duas em sentido oposto para os ônibus e duas em mão única para os demais veículos. Em quase toda a sua extensão, a rua sobe numa elevação suave mas constante. Calmo nos primeiros quarteirões, o tráfego se intensifica na medida em que nos aproximamos do centro. O ônibus também aos poucos se enche. O comércio nesta zona ainda tem ares populares, mas as lojas já são um pouco maiores. Há muitas vendas de roupa barata e material esportivo. Bastante gente na calçada. A maioria das mulheres usa chador, o véu geralmente preto que cobre todo o corpo, predominante nos meios religiosos. Muitos homens ostentam a barba rala típica de quem é devoto e/ou apoia o regime.

O centrão é um formigueiro humano, com espécimes de todos os tipos circulando entre bancos, lojas de roupa, agências de viagem e shoppings de eletrônicos. Os prédios são mais modernos e mais altos. A Valiasr atravessa duas das principais artérias da capital : a sempre abarrotada Enghelab Eslami e a Taleghani _onde fica a antiga embaixada americana cuja invasão, em 1979, por estudantes furiosos com o asilo dado pelos EUA ao xá recém deposto levou à ruptura entre Teerã e Washington. No barulhento coração de Teerã também há mesquitas, cinemas multiplex e hospitais de vários tipos.

O marco para o início do norte de Teerã é a praça Vanak, um balão caótico onde quatro ruas se cruzam. O lugar é cheio de shoppings e escritórios. Muitos passageiros descem do ônibus aqui. A partir de Vanak a capital vira um lugar opulento e arrumado. Quanto mais ao norte, mais luxo. Há grandes lojas: Rolex, Chopard, Mercedes-Benz… A Valiasr em sua reta final tem fileiras de árvores nos dois lados da pista, além de restaurantes cheios de pompa e alguns dos melhores hotéis na cidade. As calçadas são bem mais vazias do que no centro, e a maioria das mulheres se veste à moda ocidental, com véu jogado de forma displicente por cima do cabelo. Só o trânsito que continua um horror para quem está de carro. A Valiasr termina na praça Tajrish, onde há um mercadão incontornável para turistas. As montanhas Alborz, que alguns quilômetros atrás eram apenas um quadro no horizonte, agora formam uma parede majestosa que se ergue algumas ruas acima da praça Tajrish.

A rua foi construída pelo xá Reza Pahlevi (1877-1944) e mudou de nome após a Revolução Islâmica de 1979. Passou a se chamar rua Mossadegh, em homenagem ao premiê secular democraticamente eleito que nos anos 50 foi derrubado por um golpe americano-britânico. Virou Valiasr anos depois da revolução, adotando o nome de um personagem central na mitologia xiita.

O site da Prefeitura de Teerã diz que autoridades estão preparando a papelada para pedir à Unesco o reconhecimento da Valiasr como patrimônio cultural da humanidade.

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Ano Novo e sincretismo no Irã http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/17/ano-novo-e-sincretismo-no-ira/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/17/ano-novo-e-sincretismo-no-ira/#comments Sat, 17 Mar 2012 20:24:20 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=129 Continue lendo →]]> O Irã está mergulhado num clima de alegria, cordialidade e compaixão. O país vive a efervescência que antecede o dia mais esperado pela população: o Ano Novo Persa, conhecido como Nowruz. A virada ocorre na próxima terça-feira (20.mar), quando começam ao mesmo tempo o ano persa de 1391, a primavera e as férias escolares.

A celebração do Nowruz revela muita coisa sobre a complexidade cultural dos iranianos, mostrando inclusive o quanto eles formam um povo com pouca ou nenhuma semelhança com os vizinhos árabes, turcos, curdos etc.

Primeiro, é curioso notar que esta maneira de contar os anos praticamente só existe no Irã, que tem população e governo islâmicos mas não segue o calendário muçulmano tradicional (atualmente em 1433). O ponto de partida é o mesmo: o ano de 622 D.C, quando o profeta Maomé migra da Meca para Medina. Mas os persas adotaram em seguida um calendário solar, enquanto os árabes mantiveram e espalharam ao longo dos avanços islâmicos na Ásia e na África uma contagem lunar, com anos mais curtos. Daí a discrepância nas contas.

Mais curioso ainda é constatar a prática até hoje generalizada de rituais e tradições que remontam ao zoroastrismo, fé local monoteísta e multimilenar que não tem nada a ver com o islã. Dois hábitos com jeito de mandinga me deixaram atônito. Na noite da última quarta-feira do ano persa, as pessoas fazem fogueiras nas ruas e pulam por cima dizendo algo como: “minha palidez amarela é tua, tua ardente luz vermelha é minha”. Praticamente um culto ao fogo em pleno país muçulmano.

Iraniana pula fogueira durante a celebração do “chaharshanbe suri” (última quarta-feira do ano persa) em Teerã (Vahid Salemi – 14.mar.12/Associated Press)

Outra prática meio pagã é o Haft Sin, que significa literalmente os “sete S” e visa trazer sorte no Ano Novo. Consiste em montar em casa antes do Nowruz uma mesa com sete produtos cujo nome começa com o equivalente da letra “S” no idioma farsi. A lista padrão inclui maçãs para simbolizar saúde e beleza e um frasco de vinagre que representa paciência e sabedoria, entre outros objetos. Nada disso consta no Corão ou nos Hadiths, os relatos dos companheiros de Maomé.

Alguns clérigos mais conservadores abominam tudo isso dizendo que se trata de superstição, algo incompatível com o islã. Mas um amigo iraniano fotógrafo de uma agência de notícias gringa, sujeito xiita devoto, me explicou que a maioria dos iranianos não vê esses costumes como algo religioso. “Pular a fogueira e montar uma mesa com os sete S é tradição ancestral, faz parte da nossa cultura. Não é porque veio antes do islã que é incompatível com o Corão”.

Bem resolvidos com suas raízes sincretistas, os iranianos ficam eufóricos com o Nowruz. Teerã vibra num clima idêntico ao do Natal ocidental, com lojas e shoppings abarrotados de gente comprando presentes para amigos e parentes. Logo mais a cidade ficará esvaziada, com quase todo mundo viajando. As estradas já estão atoladas de engarrafamentos. Rodoviárias e aeroportos viraram formigueiros de gente.

Quando o movimento das partidas estiver encerrado, talvez já neste domingo (18.mar), Teerã se transformará numa agradável cidade sem trânsito.

O cenário já melhorou muito com a repentina chegada dos dias de sol. Há uma semana a neve ainda batia na janela da minha casa. Hoje já saio sem o casacão de inverno que eu usava desde minha chegada por estas bandas, em dezembro. Chamam isso de “milagre de Nowruz”. Me disseram que nos próximos dias as flores cobrirão parques, jardins e canteiros.

A mania tão iraniana de dar presentes atinge extremos nesta época. Tenho ganhado brindes de vários comerciantes, inclusive do doleiro, que me deu uma agenda com capa de couro. Até o regime me mandou um bonito calendário com delicados votos de felicidade. Minha assistente também recebeu. Colegas jornalistas veteranos no Irã dizem que eu preciso retribuir, no mínimo, com uma caixa de chocolates às moças que servem de interface entre o governo e a mídia estrangeira. 

As pessoas também costumam ficar mais genorosas com os necessitados, para que todo mundo possa desfrutar de uma passagem de ano digna.

Nowruz é ainda sinônimo de 13º salário, e nessa eu fui pego de surpresa. Tive que reorganizar minhas contas para pagar o devido mês adicional para a assistente, a professora de farsi e a diarista, que também ganham folga.

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Publicidade ou provocação? http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/02/27/publicidade-ou-provocacao/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/02/27/publicidade-ou-provocacao/#comments Mon, 27 Feb 2012 12:23:22 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=62 Continue lendo →]]> Um comercial israelense divulgado recentemente no Youtube (link abaixo) enfureceu o governo iraniano. O anúncio é da HOT, uma empresa de TV a cabo, mas quem quase pagou o pato foi a Samsung, que escapou por pouco de ser banida do Irã, um de seus principais mercados.

O vídeo narra em tom de paródia a seguinte historinha: quatro agentes do Mossad, o temido serviço secreto de Israel, recebem a ordem de ir a Isfahan, cidade iraniana que abriga uma importante central nuclear. Ao chegarem, disfarçados de mulher com véu, encontram o chefe espião, que se instalara no Irã com antecedência para preparar a missão. Após breves cumprimentos, o patrão conta que os espera em Isfahan há dois meses. “Um inferno de tédio”, queixa-se. Ele diz só ter conseguido matar o tempo graças ao tablet Samsung, equipado com aplicativo graças ao qual não perdeu nenhum capítulo de um famoso seriado israelense. O chefe enumera outros recursos do tablet para assistir aos programas da HOT quando um dos subordinados, impressionado, mexe na tela do objeto e, sem querer, detona uma enorme explosão na central nuclear. O agente trapalhão rebate o olhar de reprovação dos colegas dizendo: “mais uma explosão misteriosa no Irã” _referência explícita a atos inexplicados que nos últimos meses têm causado mortes e destruição em complexos industriais iranianos. Muitos analistas dizem que são atos de sabotagem orquestrados pelo Mossad para minar o programa nuclear do Irã.

O vídeo é engraçado, mas tem mesmo tudo para desagradar os iranianos.

Primeiro, o Irã é retratado no comercial como um lugar sujo, inóspito e subdesenvolvido.

Segundo, o anúncio faz piada com as tais explosões misteriosas amplamente atribuídas ao Mossad, que já mataram ao menos 20 iranianos. Até os militantes antirregime de Teerã rejeitam ataques externos, vistos como terrorismo de Estado.

A terceira razão talvez seja a mais ofensiva. Na cena final do anúncio, um dos agentes mata com um tapa um inseto que pousara na sua nuca. Após esmagar o bicho, o espião se exclama: “Khomeini” _um trocadilho entre o apelido de um besouro em hebraico e o nome do fundador da República Islâmica, aiatolá Ruhollah Khomeini, tido como santo pelo xiismo iraniano. Com santidade não se brinca, muito menos em países muçulmanos.

Um internauta comentou no Youtube que o nome do inseto em hebraico é khumeni, não Khomeini. A palavra seria um derivado do termo “khum”, que significa marrom, e não haveria portanto nenhuma intenção jocosa. Difícil de engolir…

Difícil acreditar também que a Samsung, cujo logo e nome aparecem em destaque várias vezes no vídeo, não teve nenhuma participação. Mas a marca sul-coreana jura ter sido pega de surpresa. Mesmo assim, teve que pedir desculpas oficialmente para tentar acalmar as autoridades de Teerã. O Parlamento iraniano chegou a preparar uma lei para expulsar a Samsung do país, o que seria um desastre para o fabricante de eletrônicos, líder no mercado iraniano. Por coincidência, o publicitário responsável pela conta da marca no Irã integra meu grupo de novos amigos em Teerã. Ele conta que os esforços dos sul-coreanos funcionaram, e a poeira baixou. A Samsung continuará no Irã.

O comercial, legendado em inglês, com introdução para ajudar a entender as piadas:

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