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Samy Adghirni

Um brasileiro no Irã

Perfil Samy Adghirni correspondente em Teerã.

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O “high five” mais polêmico do mundo

Por Samy Adghirni
12/02/13 14:53

A cena causou furor na mídia e na blogosfera da Alemanha e irritou grupos anti-Irã.

Uma câmera que filmava uma conferência sobre segurança internacional em Munique na semana passada flagrou um surpreendente “high five” _espécie de “toca aqui” feito com a mão aberta levantada e visando um sonoro impacto com a mão do interlocutor_ entre um alto diplomata iraniano e a deputada no comando do influente Partido Verde alemão, ambos risonhos e cúmplices. A cena, registrada num auditório cheio de VIPs, é inusitada por várias razões.


Primeiro, porque a lei do Irã proíbe qualquer contato físico entre pessoas do sexo oposto que não sejam casadas ou parentes próximos. Se um homem iraniano qualquer não pode apertar a mão de uma mulher em público, o que dirá quem é encarregado de representar oficialmente o regime no exterior. O mais engraçado é que quem toma iniciativa é o diplomata, cuja mão fica no ar por alguns segundos. A deputada responde com tanta empolgação que ela chega a fazer uma paradinha antes de bater, com gosto, na mão do iraniano. Um “high five” daqueles.

Segundo, porque o “high five” é um cumprimento tão tipicamente americano que há nos EUA uma turma mobilizada para transformar a terceira quinta-feira do mês de abril em “Dia Nacional do High Five”. Vindo de um diplomata iraniano, um aperto de mão, algo tão universal, não surpreenderia tanto.

Terceiro, porque o diplomata e a deputada têm, em tese, tudo para ser inimigos. Ele é ninguém menos que Ali Reza Sheikh Attar, 61, embaixador do Irã em Berlim, homem de confiança de um regime que a Alemanha e demais países da União Europeia pressionam e criticam por seu programa nuclear e violações de direitos humanos. Sheikh Attar já foi vice-chanceler de 2007 a 2008 e governador do Curdistão iraniano nos anos 80, quando foi acusado de cumplicidade no massacre de oposicionistas curdos, o que ele sempre negou. Ela é Claudia Roth, 58, líder de partido e de bancada, ex-deputada no Parlamento europeu e veterana política com longa trajetória de militância em favor de mulheres, minorias e artistas.

Desde que o vídeo vazou, Claudia Roth vem sendo duramente atacada por veículos de imprensa, políticos rivais, movimentos pró-Israel e dissidentes iranianos. O jornalão populista “Bild” lhe concedeu o título de “perdedora do dia”, seção que visa punir comportamentos supostamente condenáveis. A ONG judaica Honestly Concerned criticou a deputada por ostentar proximidade com um regime que “nega o Holocausto e ameaça a existência de Israel.” Todos os críticos lembram que ela visitou o Irã em 2010.

A imprensa iraniana tem sido até agora mais clemente com Ali Reza Sheikh Attar. Alguns sites dizem que ele deveria ter recorrido ao gesto padrão usado por diplomatas iranianos para saudar mulheres: juntar as palmas das mãos na altura do peito e curvar-se ligeiramente, no estilo indiano zen. Mas tudo aqui vem com algum delay. E é possível que do fragmentado círculo de poder em Teerã surjam vozes pedindo a cabeça do diplomata.

Por meio de assessores, a deputada e o embaixador vêm se responsabilizando mutuamente pelo cumprimento, argumentando ter sido “pegos de surpresa” pela iniciativa do outro. Chegaram a negar que tenha sido um “high five”, contrariando a evidência mais cristalina.

Eu já entrevistei pessoalmente Sheik Attar, em março de 2008, quando ele fez visita oficial a Brasília na condição de número dois do Ministério das Relações Exteriores do Irã. Conversamos por cerca de 40 minutos na embaixada iraniana sobre as relações Brasil-Irã, naquela época em plena ascensão. Não faço ideia se Sheikh Attar é culpado pelas atrocidades que oposicionistas lhe atribuem, mas me pareceu simpático e articulado. Ele topou falar em inglês, algo raro entre funcionários do governo iraniano, que geralmente se abstêm de pronunciamentos públicos no idioma do inimigo.

Minha humilde opinião é que o embaixador e a líder do Partido Verde se conhecem provavelmente há tempo e nutrem um pelo outro uma simpatia que transcende seus respectivos cargos. Ninguém faz “high five” sem se sentir à vontade para isso, muito menos adultos maduros submetidos às agruras da política. Naquela hora, eram Ali Reza e Claudia que pareciam se reencontrar, despidos de seus sobrenomes e rótulos. Seres humanos que compartilham afinidade e sintonia natural, mas cuja espontaneidade flagrada pode lhes custar caro.

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Zoroastrismo, a religião ancestral do Irã

Por Samy Adghirni
04/02/13 14:40

O Irã abriga uma das últimas comunidades nativas remanescentes do zoroastrismo, que já foi uma grande religião na antiguidade. Os zoroastras hoje não passam de 190 mil, dos quais 25 mil vivem no Irã, parte da pequena parcela não islâmica da população iraniana (além de cristãos, judeus e baha’aís). Na semana passada, os zoroastras de Teerã se reuniram para celebrar o Sadeh, uma tradicional comemoração anual que marca a metade do inverno.

O zoroastrismo se considera a primeira religião a ter decretado a existência de um Deus único e todo poderoso. A revelação monoteísta teria vindo do profeta Zaratustra, que foi tema do famoso livro “Assim falou Zaratustra”, do filósofo alemão Nietzsche. Zaratustra nasceu na Pérsia, em algum lugar entre o que é hoje o nordeste do Irã e o sudoeste do Afeganistão, mas não se sabe exatamente quando. Alguns estudiosos dizem que ele viveu há muitos milênios, talvez até 4.000 anos atrás. Outros historiadores sustentam que Zaratustra não é tão antigo e situam sua revelação ao redor do século 7 antes de Cristo. Difícil saber qual dos dois, o zoroastrismo ou o judaísmo, foi pioneiro na crença de um criador único mestre dos mundos.

E o que falou Zaratustra?

Falou que a entidade divina absoluta chama-se Ahura Mazda, e que sua criação é pura e exige ser tratada com respeito e carinho. Daí o esforço constante dos zoroastras para preservar a natureza. Há quem diga até que o zoroastrismo originou a ideia de consciência ambiental. Zaratustra é autor do Gathas, primeiro conjunto de escrituras sagradas da crença. O profeta sustenta que o mundo é palco de uma luta constante entre, de um lado, a ordem e a verdade que emanam do paraíso atemporal onde se encontra Ahura Mazda, e, do outro, o caos e a mentira que tentam arrastar a virtude para as profundezas do inferno. Esse dualismo influenciou as religiões abraâmicas, que incorporaram essa ideia central do bem contra o mal.

Em foto do último dia 29 de janeiro, zoroastras realizam cerimônia para marcar os 50 dias antes do Ano Novo iraniano (Abedin Taherkenareh-29.jan.13/Efe)

O lema do zoroastrismo é: “bons pensamentos, boas palavras, boas ações”.

Zoroastras defendem a ideia de que Ahura Mazda está por trás de todas coisas boas do mundo e, por isso, não deve ser temido. Os fiéis consideram que sua fé, por não impor obrigações nem proselitismo, é mais tolerante e menos dogmática que judaísmo, cristianismo e islã. Reza quem quiser, quando quiser. Os zoroastras fazem orações com o rosto voltado para o sol ou para chamas, o que lhes rendeu o rótulo de adoradores do fogo, categoricamente rejeitado pelos fiéis. O fogo é o elemento que traz luz e purifica, complementando as virtudes dos outros componentes do mundo: água, terra e ar.

Entre os rituais zoroastras mais curiosos estão as cerimônias fúnebres. Os fiéis consideram que o corpo se torna impuro imediatamente após o último sopro de vida. Nem pensar em enterrar os mortos, pois isso contaminaria a terra. Na tradição zoroastra, os cadáveres são levados até o topo de construções chamadas torres de silêncio, onde são deixados à ação do sol e das aves carniceiras. Mas a prática só se mantém na Índia, onde vive a maior comunidade zoroastra. No resto do mundo, leis proíbem deixar corpos em decomposição ao ar livre, obrigando os zoroastras a optarem geralmente pela cremação.

O desaparecimento das torres de silêncio é sintomático do declínio do zoroastrismo. O auge da religião foi durante o império persa-aquemênida, alguns poucos séculos antes de Cristo. Grandes reis da Pérsia, como Ciro e Dario, eram devotos zoroastras. Havia até 50 milhões de fiéis no império que se estendia da Grécia até a Índia, segundo estimativas. A tranquilidade acabou com a invasão da Pérsia pelo Exército do conquistador macedônio, Alexandre, o Grande, que levou o império ao colapso, no ano 330 A.C. Desde então, zoroastras foram perseguidos e discriminados, tanto por cristãos como por muçulmanos no rastro das invasões e reconquistas que moldaram o Oriente Médio e a Ásia.

Não bastassem os massacres e as conversões forçadas a outras religiões, a pulverização da comunidade e a facilidade de casamento interreligioso selaram a queda dos efetivos. Há quem diga que o liberalismo do zoroastrismo contribuiu para sua queda, já que mulheres zoroastras são estimuladas a sair de casa e trabalhar, o que teria afetado os índices de reprodução necessários à sobrevivência da comunidade. A fé está dividida acerca das conversões: aceitar ou não novos fiéis?

Antes da revolução islâmica, em 1979, havia cerca de 300 mil zoroastras no Irã. Boa parte fugiu para os EUA temendo perseguição. Três décadas após esse tumultuado período, os zoroastras iranianos hoje praticam sua fé em razoável liberdade e têm um deputado eleito no Parlamento.

 

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Em Teerã, um imenso outdoor anti-Obama

Por Samy Adghirni
22/01/13 10:30

Enquanto os EUA estão no clima da segunda posse de Barack Obama, o governo iraniano cravou um enorme cartaz no centro de Teerã para deixar claro o que pensa a respeito do presidente americano.

Cobrindo a lateral inteira de um prédio de dez andares na praça Valiasr, formigueiro humano no coração comercial da capital, a imagem mostra Obama em pé, cara meio séria meio amigável, mão direita estendida para frente. Ao lado dele há um sujeito vestido com algo semelhante a uma fantasia de guerreiro medieval, segurando um rolo de papel que parece ser uma carta fechada à moda antiga. Na parte inferior do outdoor, a frase “venham conosco, e estarão a salvo” está escrita em farsi três vezes: uma, com fonte maior cravada logo abaixo dos pés de Obama e do guerreiro esquisitão; outra com a data 61 no calendário islâmico lunar; e a terceira com o ano de 2012. Aos olhos ocidentais, essa montagem não diz nada. Mas qualquer iraniano sabe muito bem do que se trata.

O sujeito da fantasia com penas no capacete representa Shemr, o personagem mais sanguinário, maldoso e imoral na história do islã xiita, ramo predominante no Irã. Foram os crimes de Shemr que moldaram a ideologia de martírio e dor do xiismo, essa dissidência que rachou para sempre os muçulmanos.

A história de Shemr é a seguinte.

No ano de 680, quando o islã estava apenas no seu 61º aniversário pela contagem lunar (a data no cartaz, lembra?), reinava uma constante disputa pelo comando dos crentes muçulmanos. Maomé já havia morrido de doença, e seu primo, genro e sucessor, Ali, havia sido assassinado por uma facção inimiga. Coube então a um dos filhos de Ali e neto de Maomé, o valente Hussein, a tarefa de lutar para que o islã continuasse comandado por parentes de sangue do profeta. Mas uma outra turma muçulmana, ligada à poderosa dinastia Umíada, não reconhecia a liderança de Hussein e mandou tropas para acabar com essa história de governar sob pretexto da legitimidade pelo sangue. Assim consolidou-se de vez o racha entre xiitas, partidários de uma sucessão por laços familiares, e sunitas, que defendem confiança e credenciais religiosas como critério de escolha.

Shemr era aliado do clã de Hussein até mudar de lado. Seus novos chefes umíadas o encarregaram de executar um plano sorrateiro, que consistia em cooptar soldados de Hussein para isolar e derrotar o neto do profeta. Na surdina, Shemr então apresentou uma carta aos companheiros de Hussein com a famosa frase: “venham conosco, e estarão a salvo”. Os companheiros rejeitaram a oferta, mas os umíadas lançaram em seguida um ataque que dizimou Hussein e todos os seus seguidores. Shemr é quem cortou a cabeça de Hussein com uma espada.

Por que, então, a comparação com Obama?

Porque o presidente americano, na visão do regime, se faz de amigo para esconder intenções maléficas. Igualzinho a Shemr, Obama estende a mão e oferece amparo. Igualzinho a Shemr, seu verdadeiro objetivo é derrotar os justos e espalhar mal e arrogância. “Venham conosco, e estarão a salvo”, no ano islâmico 61 e em 2012.

Montado para coincidir com a reeleição e segunda posse de Obama, o cartaz é uma maneira de acusar o presidente democrata de ter descumprido a promessa feita no momento de sua primeira posse, há exatos quatro anos, de mudar a atitude dos EUA em relação ao Irã. Obama havia anunciado que estenderia a mão a Teerã e gravado um vídeo parabenizando a república islâmica pelo seu ano novo, o nowruz. Muitos iranianos tinham genuína esperança de que tudo mudaria com a chegada à Casa Branca de um negro democrata cujo nome completo é Barack HUSSEIN Obama. Aqui proliferou, por um bom tempo, o infundado rumor de que Hussein Obama é um muçulmano que não pode revelar sua fé sob risco de ser politicamente enfraquecido junto ao seu eleitorado cristão e judeu.

Mas Teerã avalia que Obama acabou impondo as piores sanções já sofridas pela república islâmica e falhou em respeitar a demanda iraniana fundamental: o direito de enriquecer urânio para fins energéticos e medicinais. Já para os americanos a coisa só não andou por causa da intransigência do Irã, que se recusa a cumprir com resoluções da ONU que determinam a suspensão de seu programa nuclear até que sejam levantadas todas as suspeitas de fins militares.

É o que eu sempre digo: o maior obstáculo para a normalização das relações entre Irã e EUA talvez não seja a agenda geopolítica em si, mas a mágoa e a desconfiança acumuladas após décadas de hostilidade.

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Assisti a "Argo" em Teerã

Por Samy Adghirni
14/01/13 18:40

Finalmente consegui ver “Argo”, a tão falada superprodução de Hollywood sobre um grupo de diplomatas americanos que, graças a uma engenhosa manobra da CIA, consegue fugir do Irã durante o sequestro à embaixada dos EUA em Teerã, em 1979. O longa é obviamente proibido pelo governo da república islâmica, como quase todos os demais filmes ocidentais. Recorri então a vendedores de DVD pirata, que costumam ter acervos surpreendentes, mas desta vez não achei o que queria. Por acaso alguém tinha e me emprestou.

Foi um tanto surreal assistir a “Argo” de dentro de Teerã e conhecendo pessoalmente todos os lugares mostrados. Apesar de o filme NÃO ter sido rodado no Irã, mas na Turquia, a semelhança com o cenário da capital iraniana é impressionante. Tudo está lá – a cidade enorme e densa cercada por montanhas enevoadas; a muvuca apertada no bazar; o sisudo saguão do aeroporto Mehrabad, hoje relegado a voos domésticos, e até as árvores ressecadas pelo frio de novembro nas ruas planas do centro. O mais incrível é a reconstituição da embaixada americana, absolutamente idêntica ao gigantesco complexo que permanece, intacto, na esquina das ruas Taleghani e Moffateh, onde fica uma movimentada estação de metrô.

O complexo abriga um imponente prédio central de dois andares com janelas altas e estreitas, cercado por um jardim com estacionamento. Há um prédio menor na lateral oeste, que imagino ser o antigo consulado. É lá que estavam os seis diplomatas que conseguiram escapar no momento em que a embaixada era invadida. A portinha metálica que eu deduzo ter sido usada para a fuga continua lá, dando para uma ruazinha discreta.

Os muros em tijolo vermelho, dominados por uma grade metálica, se estendem ao longo do quarteirão inteiro. Andando rápido, leva 20 minutos até dar a volta. O portão principal ainda guarda a placa com o desenho, esculpido na pedra, da águia americana _símbolo cravado na entrada das representações dos EUA pelo mundo. Apesar do desgaste, é possível distinguir com todas as letras: United States of America. Mas os muros na lateral do portão foram cobertos com pinturas antiamericanas. Há desde estátuas da liberdade com cara de caveira até pistolas com as cores americanas, passando por uma bandeira de Israel desenhada sobre o domo do capitólio de Washington. Algumas inscrições estão em farsi, outras em inglês, como “Down with the USA”, tradução eufemística da expressão original em farsi, “Marg Bár Amricá”, que significa morte aos EUA.

A embaixada abriga um “centro cultural da juventude” e um “Museu da Espionagem”, repleto de documentos que supostamente provam como os EUA usavam sua representação em Teerã para vigiar e controlar o Irã e sua população. Mas o museu vive fechado. A embaixada vive guardada por militares e milicianos, geralmente pouco amáveis. É um desses lugares que não fazem jus ao restante dos iranianos, quase sempre afáveis com estrangeiros. Mesmo assim, passar na frente da embaixada é um dos pontos altos do roteiro que ofereço às pessoas queridas que vêm visitar o amigo jornalista radicado em terras persas. O mais engraçado é que hoje há panfletos de propaganda para aulas de inglês colados nos muros da embaixada.

Mulher iraniana passa diante de grafite anti-EUA em muro da antiga embaixada americana em Teerã (Behrouz Mehri-04.fev.04/AFP)

Pois bem, voltemos ao filme em si.

Ben Affleck convence tanto na atuação como na direção. O longa é bem contado e editado, criando um suspense progressivo para lá de eficiente. Difícil não torcer pelos mocinhos. Mas aí entra o problema. “Argo” é maniqueísta, como quase todo filme americano. O bem vence o mal. Tudo muito simplista e raso. Ok, a introdução mostra o xá Mohamad Reza Pahlevi, ditador que acabaria varrido do poder pela revolução iraniana, zombando de um entrevistador que pergunta sobre torturas no país. Sim, também há uma menção ao golpe anglo-americano que derrubou em 1953 o premiê nacionalista democraticamente eleito Mohamed Mossadegh. Tudo bem, é Hollywood, não Discovery Channel.

Além disso, é evidente que os estudantes iranianos que invadiram a embaixada estavam errados. Não se viola, sob hipótese alguma, a soberania das representações diplomáticas. Mais errado ainda foi manter sob cativeiro desumano 52 pessoas durante mais de um ano. O sequestro acabou se tornando o ato fundador da péssima imagem que gruda até hoje no Irã. Mas o filme é impiedoso com os iranianos. Todos aparecem como maus e feios. Só se salva a empregada da residência oficial canadense, onde os americanos encontram abrigo antes de ser exfiltrados do país. Mulher, bonitinha e esperta só podia mesmo ajudar o bem a triunfar.

A cena do bazar, quando os americanos escapam de ser linchados simplesmente por ter tirado fotos, é a que mais justifica, ao meu ver, a reação furiosa do regime iraniano. A mídia estatal disse que o filme mostra os iranianos como “irracionais [xingamento seríssimo por aqui], insanos e diabólicos”. Ben Affleck é tachado nos veículos prórregime de islamofóbico. O ministro da Cultura e Orientação Islâmica, Mohammad Hosseini, afirmou que “Argo” foi feito com base em “motivações maléficas.” Autoridades iranianas já anunciaram preparativos para uma superprodução que contará a história sob a visão iraniana. Teerã deve ter ficado ainda mais contrariado depois que Affleck comemorou o fato de “ter provocado” o governo do Irã”, a quem acusou de ser um “regime stalinista.”

Um dos mais conhecidos jornalistas ingleses, o veteraníssimo repórter Robert Fisk, relata no livro “A Grande Guerra pela Civilização” (título irônico para uma crítica devastadora da ingerência ocidental no Oriente Médio) que o clima em Teerã naqueles tempos revolucionários era mesmo de hostilidade aos EUA. Mas o que muitos historiadores ressaltam é que: 1) havia, sim, uma mágoa generalizada contra americanos, mas a violência e a agitação foram perpetrados por uma minoria barulhenta, enquanto uma maioria silenciosa e impotente sempre se opôs ao sequestro; 2) o próprio governo islâmico estava rachado quanto à tomada da embaixada, e muitos líderes revolucionários perderam espaço para sempre depois de se oporem ao sequestro. Nada disso está no filme, conforme denunciado no site Al Monitor por Mohsen Milani, um cientista político iraniano que dá aula nos EUA.

O curioso é que essa discussão toda embala cineastas, políticos e estudiosos, mas os iranianos comuns não parecem dar muita bola. Meus conhecidos aqui só mencionaram o filme depois que eu perguntei. Muitos dos que viram, gostaram. Não vi debates nem discussões sobre o tema. Talvez no fundo todo mundo saiba que uma produção hollywoodiana, por mais premiada e destacada, não vai mudar nada _nem no quintal de casa nem na esfera das grandes decisões globais.

P.S: cinco dias depois de escrever este post percebo que está cada vez mais fácil encontrar “Argo” em Teerã. Quase todos os vendedores de DVD pirata já têm. Alguns ambulantes de rua até exibem as cópias, sem complexo, junto à mercadoria espalhada pelo chão à espera dos clientes.

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"Qual a senha do seu cartão de crédito?"

Por Samy Adghirni
07/01/13 14:28

O Irã é o único país que eu conheça onde são os vendedores, não os clientes, que digitam a senha para pagamentos eletrônicos. A conta do restaurante chega e você pede para pagar com cartão. O garçom estende a mão para pegar o valioso objeto de plástico e, com desconcertante naturalidade, pergunta quais os quatro dígitos confidenciais para acessar sua conta. Instantes depois, ele volta trazendo a fatura. Mesmo quando a maquininha portátil é trazida, o funcionário é quem digita o número, como se estivesse fazendo um agrado ao cliente.

Em várias lojas e mercados, a máquina do cartão fica afastada do caixa, o que leva o atendente a lhe perguntar sua senha quase aos gritos, diante de todos os outros clientes e funcionários. Você não tem escolha a não ser responder alto o suficiente para que ele consiga ouvir. Do mesmo modo, vivo ouvindo senhas alheias. No restaurante, “4-4-3-1”, diz a senhorinha na mesa ao lado. Na agência de viagens, a senha do rapaz na minha frente é “8-6-9-1”.

Os iranianos não entendem porque me espanto com essa prática, que não é sistemática, mas muito comum. Para eles, trata-se de um procedimento padrão aceitável e seguro. O único que se recusa a fornecer sua senha a desconhecidos é um amigo com dupla cidadania de país ocidental. Quando lhe pedem o número, ele simplesmente diz que prefere digitá-lo ele mesmo, o que geralmente lhe vale olhares incrédulos e pouco amistosos. Deixar claro que o funcionário não é confiável é uma grave afronta à honra e dignidade, valores ainda levados a sério pelas bandas de cá.

Confesso não ter conseguido entender porque pagamentos com cartão são feitos assim no Irã. A baixa criminalidade, fruto da combinação de uma repressão implacável e do temor a Alá, não basta como explicação _embora o aparato de segurança local permita rastrear e encontrar golpistas facil e rapidamente. Dubai é ainda mais seguro que o Irã, mas ninguém se mete na senha dos outros. Também pensei que pudesse estar relacionado com o fato de haver apenas bancos iranianos no país, onde, devido às sanções financeiras, não funcionam cartões internacionais, como Visa e Mastercard. A margem de ação de quem rouba um cartão dos bancos Parsian ou Pasargad é infinitamente menor que a de um larápio que tiver em mãos um cartão do HSBC ou do Santander. Mesmo assim, seria muito fácil aproveitar-se do descuido dos clientes. E o Irã é um país abarrotado de dinheiro.

Talvez haja mesmo no Irã um pacto de confiança diferente entre comerciante e cliente. Aqui um vendedor de tapete é capaz de lhe entregar uma peça de milhares de dólares sem receber um tostão em mãos, confiando apenas que você, ao voltar para o seu país, irá transferir o valor da compra para a conta de algum parente dele na Europa ou nos EUA. Nossa mente é capaz de achar isso uma ingenuidade irresponsável, mas o esquema funciona. Há quem diga, no entanto, que isso só é feito com clientes estrangeiros, o que tira metade do brilho desse tal contrato de honra.

No fundo, me parece que esse destemor em relação a senhas bancárias reflete a facilidade com que as pessoas perguntam coisas íntimas no Irã. Com freqûencia desconhecidos querem saber meu salário ou quanto pago de aluguel. Também vivem me interrogando sobre minha vida amorosa e escolhas pessoais. O difícil é chutar para escanteio sem ofender o interlocutor. Estou aprendendo a arte de desconversar com leveza e humor.

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Da neve ao calorão: as quatro estações no Irã

Por Samy Adghirni
27/12/12 11:31

Lá se vai mais de um ano desde que me instalei em Teerã. Nesse período, umas das coisas que mais me cativaram é o clima, mais precisamente a maneira como ele evolui e se transforma ao longo dos meses. A capital iraniana é um desses lugares onde há quatro estações claramente marcadas e definidas, cada uma moldando paisagens e vidas. Inverno com neve, primavera florida, verão sufocante, outono cor de ferrugem, igualzinho ao que a gente aprende na escola. Nunca estive num lugar com tantos contrastes meteorológicos.

Rua ao norte de Teerã coberta de neve na semana passada

Fazia um frio pavoroso na madrugada em que desembarquei em Teerã com mala e cuia. Os poucos metros entre a porta do terminal e a fila do táxi pareciam uma distância sem fim. Entrei no carro tremendo o queixo. Como eu não tinha roupa apropriada para tal clima, uma das primeiras coisas que fiz foi comprar um casacão forrado daqueles que mal existem em lojas no Brasil.

No inverno as montanhas que se erguem ao norte de Teerã ficam cobertas de neve, formando uma colossal e majestosa parede branca logo ali, a poucos quilômetros da minha casa. As pistas de esqui nos arredores da capital são fantásticas, garantem amigos gringos especialistas no assunto. Quem tem dinheiro aluga chalés e passa finais de semana inteiros curtindo lareira e aconchego. Também há neve em abundância cobrindo os parques e canteiros de Teerã. É curioso constatar que essa neve arrefece à medida em que se desce rumo ao sul da capital, onde a temperatura é alguns graus mais elevada. No inverno as árvores perdem toda folhagem, reforçando a melancolia nessa cidade sisuda e quadrada. Há dias em que o sol aparece e as nuvens somem, desvendando uma luz invernal de indescritível pureza. Dura pouco, pois começa a escurecer logo depois das 16h. Nem pensar em desligar a calefação.

No fim de março os dias já são bem mais longos e menos frios, prenunciando a estação seguinte, a mais bonita na minha opinião. Basta um par de semanas para Teerã mudar de cara por completo. O verde ressurge, os parques lotam. Há tantas flores brotando em tantos lugares que a cidade fica até colorida. O casacão torna-se dispensável, mas convém guardar um pulôver ao alcance. A primavera coincide com as férias do Nowruz, o Ano Novo persa. Todo mundo troca presentes, muita gente viaja e os engarrafamentos monstruosos dão uma trégua. O problema é que a chegada do sol abre a alta temporada da repressão contra mulheres vestidas de maneira imprópria aos olhos do regime. Vans da polícia moral tomam conta das praças e esquinas para lembrar a todas as moças e senhoras que os dias de crescente calor não justificam descuidar do hijab (véu sobre o cabelo) e do mantô (peça de roupa que deve descer até a coxa para esconder as formas) obrigatórios.

Em junho a disparada do termômetro já pesa sobre as cabeças. O calor é seco, desses em que é mais difícil ficar empapado de suor. Haja chuveiro e bebida gelada. Nunca gostei de ar condicionado, mas sem ele eu não conseguiria trabalhar. Durmo com a janela da sala aberta, desde que a grade antimosquito esteja devidamente instalada. A poluição atinge seu pico nesta época do ano, tornando o ar sufocante em Teerã. A neve derreteu nas montanhas, mas lá no alto a temperatura continua bem mais amena. A melhor maneira de se refrescar ao ar livre é aventurar-se nas trilhas que sobem até 4.000 metros. O verão tam chuvas ocasionais, fortes e efêmeras como no Brasil.

Quando as chuvas se tornam mais frequentes, significa que o outono se aproxima. Em setembro já fica evidente o encurtamento dos dias. O verde das árvores e parques escurece até deixar a cidade toda ruiva. Daí em diante as folhas começam a cair, cobrindo calçadas e canteiros durante semanas. Minha assistente acha que esse período, não a primavera, é o mais bonito do ano. No dia 14 de outubro voltei a fechar a janela da sala. Pouco depois passei a usar um casaquinho, e passadas algumas semanas, ressuscitei o casacão.

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O efeito das sanções no dia a dia

Por Samy Adghirni
13/12/12 15:09

Está cada vez mais difícil encontrar água com gás Perrier, que eu adoro tomar ao escrever. Os mercadinhos do bairro onde moro não estão mais recebendo cereais importados. Há tempos não encontro molho de tomate Barilla. Dia desses paguei o equivalente a mais de R$ 20 por quatro lâminas de barbear (sei que o preço no Brasil é ainda mais alto, mas, no contexto econômico iraniano, esse valor é um ultraje). A antena parabólica do meu prédio já não pega a Press TV, o canal noticioso iraniano internacional em inglês. A TV estatal síria também está fora do ar. Meu salário em moeda estrangeira vive na gangorra devido às oscilações do rial, divisa nacional. Há meses em que fico até 20% mais rico, outros em que volto ao padrão médio. Aliás, preciso sair do Irã para receber o saldo já que tornou-se impossível fazer remessas a bancos iranianos.

Tudo isso é efeito direto das sanções comerciais e financeiras impostas ao Irã. Mas o impacto no meu dia a dia é mínimo comparado ao que sofre a população do país.

Os iranianos viram seu poder de compra despencar um terço em um ano, já que a inflação conjugada à desvalorização da moeda não foi acompanhada de um aumento nos salários. Preços de alguns alimentos dobraram no intervalo de semanas. Produtos importados, até mesmo desodorantes, tornaram-se inacessíveis para muita gente, assim como viagens internacionais. Ainda por causa do câmbio, pais que não conseguem mais sustentar filhos estudantes no exterior estão pedindo que voltem, interrompendo muitas trajetórias acadêmicas bem sucedidas. Está cada vez mais difícil para os iranianos conseguir vistos para ir a países ocidentais.

Os empresários também estão duramente afetados, já que as contas externas são negociadas em dólar ou euro. A isso somam-se um comércio deprimido e transações em queda. Demissões proliferam, algumas em massa, como no setor industrial. O desemprego está em ao menos 25%.

Nem os ricos escapam. Um amigo playboy abastado decidiu largar tudo para ir morar em Dubai. Lojas de alto luxo em Teerã andam desesperadamente vazias.

Comerciante conta cédulas da volátil moeda iraniana em mercado da capital Teerã (Raheb Homavandi/Reuters)

O governo também sofre, já que as punições dificultam a venda de petróleo e barram qualquer negócio com o Banco Central, receptor do dinheiro das exportações e epicentro da economia. Com entrada de capitais em queda, o Estado teve que cortar subsídios a transportes e serviços, agravando ainda mais a disparada da inflação. Analistas dizem que os cerca de US$ 27 mensais em cash que o regime passou a fornecer em troca a cada adulto não compensam a perda.

Por causa das sanções, o Irã não consegue modernizar e aumentar sua capacidade de refinar o petróleo que produz e acaba obrigado a importar gasolina. Mas como o preço do combustível importado disparou nos últimos anos, muita gente passou a recorrer à refinarias artesanais que produzem uma gasolina de péssima qualidade. O resultado é a constante nuvem de poluição que envolve as grandes cidades iranianas. Dia desses a prefeitura de Teerã teve que decretar feriado por causa da toxicidade no ar.

Há também riscos à própria vida dos cidadãos. Alguns remédios e equipamentos que só existem no exterior não estão mais chegando aos hospitais, e já houve mortes diretamente causadas por essa escassez. Já as empresas áreas, impedidas de renovar a velha frota e obrigadas a comprar peças de reposição no mercado negro, estão entre as mais perigosas do mundo.

Há mais de três décadas que os iranianos vivem sob sanções econômicas.

Primeiro foram os EUA que impuseram punições comerciais em represália à tomada de reféns da embaixada americana em Teerã em 1979 (tema hoje na moda por causa do filme “Argo”, em cartaz no Brasil). Os dois países estão totalmente rompidos desde então. Washington apertou o cerco ao Irã nos anos 80 para favorecer a ditadura secular do iraquiano Saddam Hussein em sua guerra contra o rival persa liderado pelo aiatolá Khomeini. Mesmo após o fim da guerra, a Casa Branca continuou intensificando as medidas, inclusive sob Bill Clinton. Nos anos 2000 estourou a crise pelo programa nuclear iraniano, e os EUA não só aumentaram as sanções como pressionaram aliados europeus e a ONU a também adotar medidas para prejudicar o Irã.

Até o ano passado o cerco mais atrapalhava do que doía, e muitos ocidentais ainda faziam bons negócios com a República Islâmica. Aí veio 2012, com uma nova leva de sanções que deixou o país de joelhos. As medidas atingiram a espinha dorsal da economia iraniana ao impor o já mencionado embargo europeu ao petróleo iraniano e ao Banco Central. Para piorar, o Irã foi banido do Swift, a rede que conecta bancos no mundo inteiro. Isso significa principalmente uma queda brutal na entrada de dólares e euros no país. 

Novas sanções visam até mesmo barrar sinais de satélite usados por emissoras do Irã e aliados. Sem falar no risco de ser atacado por Israel e/ou EUA. Muitos iranianos culpam o regime, muitos outros dizem que é o Ocidente quem prejudica suas vidas.

Então por que o Irã não cede às exigências para suspender seu programa nuclear, que motivou as piores pressões?

O país persa diz que se trata de uma questão de legalidade internacional. Teerã argumenta que sua condição de membro signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) lhe dá pleno direito de enriquecer urânio para produzir medicamentos e energia elétrica, desde que se submeta às inspeções nucleares da ONU. Boa parte do problema gira em torno da interpretação do que é definido pelas convenções internacionais.

Se por um lado o Ocidente e Israel alegam ter razões de sobra para não confiar no Irã, como o apoio a grupos armados e a retórica hostil incendiária, Teerã também aponta para os precedentes históricos para mostrar que os inimigos sempre jogaram sujo. A lista dos traumas iranianos é grande: golpe da CIA contra o premiê nacionalista Mossadegh em 1953; apoio à ditadura do xá nos 60 e 70; apoio ao Iraque quando Saddam Hussein atacou o Irã nos anos 80, inclusive com armas químicas; míssil lançado contra um avião da Iran Air que matou 290 pessoas em 1988; vista grossa para os assassinatos de cientistas nucleares nos últimos anos e por aí vai.

O governo iraniano desconfia que, no fundo, o Ocidente não quer negociar, mas, sim, derrubar o regime islâmico que se opõe à sua agenda estratégica regional. Na lógica de Teerã, qualquer concessão pode ser um passo rumo à capitulação. Há claros sinais de que o regime iraniano está dividido entre, de um lado, os que acham que a República Islâmica deve adotar uma atitude pragmática e fazer concessões em nome da autosobrevivência e, do outro, aqueles para quem o regime ideológico se sustenta justamente pela resistência às pressões.

Fala-se em um novo e decisivo ciclo de conversas, desta vez diretamente entre Teerã e Washington para resolver o impasse. A reeleição de Barack Obama tornaria tudo mais fácil, segundo a visão otimista. A versão oposta diz que nem a melhor das intenções seria suficiente para levantar as sanções americanas já que isso depende da aprovação do Congresso, que é amplamente pró-Israel e não quer saber de aliviar a pressão contra Teerã. Reviravoltas inesperadas são sempre possíveis, mas por enquanto a situação permanece ruim para todo mundo. Principalmente para os iranianos.

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A amizade forçada entre Irã e Síria

Por Samy Adghirni
04/12/12 13:06

O maior e mais fiel aliado do governo sírio na guerra contra rebeldes que se arrasta há 20 meses e deixou 40 mil mortos é o Irã. Há quem diga que Bashar Assad já teria caído não fossem as armas, o dinheiro e a tecnologia fornecidas por Teerã a Damasco. Tudo em nome do plano comum para resistir à agenda que Turquia, monarquias árabes e potências ocidentais querem impor na região. Mas o curioso é que Irã e Síria, apesar da parceria estratégica, não têm nada em comum. São regimes, povos e culturas que quase tudo opõe, como pude comprovar nos sete dias de reportagem que acabo de passar na Síria.

A Síria é árabe e o Irã, persa. São línguas e culturas completamente diferentes. Os sírios são predominantemente sunitas enquanto os iranianos seguem o islã xiita. O Irã é uma potência econômica movida a petrodólares. Até hoje, apesar de inúmeras rodadas de sanções, o país está entre os 30 mais ricos do mundo. A Síria também tem petróleo, mas em quantidade muito menor. Apesar do impressionante desenvolvimento sob Bashar Assad, o país continua com um longo caminho a percorrer. Paradoxalmente, a Síria tem uma economia muito mais aberta que o Irã. Marcas ocidentais são onipresentes em Damasco. Em Teerã, são raras.

Os dois regimes são autoritários, mas com ideologias distintas. A República Árabe Síria tem um governo secular fundado no início dos anos 70 por um golpe de Estado perpetrado pelo pai de Bashar, Hafez Assad, um general marxista que acreditava na união de todos os povos árabes. Já a República Islâmica do Irã, como o nome sugere, é uma teocracia. Além de governar por meio de leis pretensamente divinas, seus dirigentes cultivam a ideia da excepcionalidade do povo persa. Altos funcionários iranianos usam terno sem gravata e ostentam barba rala e anéis de oração nos dedos. Na Síria, ministros e afins andam sem barba e usam gravata.

Ou seja que a Síria, ao contrário do Irã, é um país liberal em termos morais e sociais. Em Damasco e muitas outras cidades sírias é possível comprar bebida alcoólica em cada esquina. Casais namoram na rua sem ser incomodados ou inquiridos sobre seu estado civil. Há cinema e música ocidental, assim como casas noturnas, algumas das quais ainda operam nesses tristes tempos de guerra. Tudo isso é banido no Irã. Na Síria o uso do véu não é obrigatório, e fiquei com a impressão que a maioria não usa. No Irã as mulheres só podem sair de casa com cabelo coberto. A internet também é muito mais aberta na Síria, onde redes sociais e sites como Youtube podem ser acessados livremente, o que não acontece na rede iraniana.

O sagrado na Síria de Bashar Assad não é a religião, mas a liberdade para praticá-la. Há sunitas, xiitas, drusos, alauítas, ismaelitas, cristãos e até alguns poucos judeus. É verdade que o judaísmo é mais livre no Irã, mas as minorias iranianas em geral se sentem mais confortáveis levando uma vida espiritual discreta.

Síria e Irã são dois Estados unidos por puro pragmatismo estratégico. Ambos enxergam-se como países independentes e soberanos e os únicos verdadeiros defensores da resistência palestina contra a ocupação israelense. A aliança remonta aos tempos de Assad pai, quando a Síria contrariou o mundo inteiro ao apoiar o Irã contra o Iraque de Saddam Hussein, até então amigo das potências. A amizade se manteve quando Bashar assumiu o poder, em 2000. Seis anos depois, os aliados assinaram um acordo de parceria militar de contornos vagos. O comércio bilateral nunca decolou, mas a revolta síria, deflagrada em março de 2011, levou os dois aliados a ser mais importantes do que nunca um para o outro. Damasco precisa de apoio forte, e Teerã teme ficar sem aliados regionais (e, portanto, estrategicamente enfraquecido) se Bashar Assad cair.

No meu voo de Teerã até Damasco, muitos dos passageiros eram claramente funcionários dos dois governos. Na chegada, a fila destinada aos portadores de passaportes diplomáticos era maior que a dos passageiros com passaporte comum. Um grupo de iranianos com visual governista foi recebido efusivamente no desembarque por funcionários sírios. Houve beijinhos no rosto e abraços. Tendo a achar que os iranianos eram membros da Guarda Revolucionária, a elite das forças de Teerã que admitiu em público estar ajudando o Exército de Bashar Assad. Mas é impossível decretar com certeza quem os homens de barba realmente eram.

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad (à esq.), e o ditador da Síria, Bashar Assad, durante encontro em Damasco (Khaled al Hariri/Reuters)

O fato é que existem sinais de que a aliança perde fôlego. O Irã desde o início da crise parece mais disposto do que a própria Síria a encontrar uma solução política para o conflito. Teerã acolheu há três semanas um encontro no qual oposicionistas sírios fizeram críticas públicas a Bashar Assad. Relatos de imprensa dizem que Teerã está irritado porque parte do dinheiro enviado ao Exército sírio teria ido parar no bolso de generais. Autoridades iranianas também sentem-se desconfortáveis com a enorme quantidade de civis mortos nos combates. Um quadro do regime disse a um dos meus amigos: “Não estamos gostando dessa escalada de violência, queremos que isso pare”. O Irã sabe que boa parte da opinião pública mundial está contra Assad.

A questão central talvez não esteja na aliança Damasco-Teerã, mas no pacto entre a Síria e a Rússia, a grande potência geopolítica que bloqueia movimentações anti-Assad no Conselho de Segurança da ONU. Dias atrás, o presidente russo, Vladimir Putin, reuniu-se com Recep Tayyep Erdogan, premiê da Turquia e hoje arqui-inimigo de Assad. Putin deixou claro que se opõe a qualquer intervenção externa contra a Síria, mas saiu da conversa dizendo: “Não somos os defensores do governo sírio, não somos os advogados do governo sírio”. Isso foi visto como um sinal de que Moscou talvez esteja reavaliando seu apoio incondicional ao governo Assad.

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Papo existencialista com taxistas iranianos

Por Samy Adghirni
13/11/12 13:04

Passo muito tempo em táxis, indo a entrevistas em bairros distantes ou preso nos engarrafamentos monstruosos de Teerã. Até meses atrás, matava o tédio observando a paisagem e organizando emails no smartphone. Tudo mudou depois que as aulas de farsi começaram a surtir efeito, graças ao empenho de Sara, minha implacável professora. Hoje o que ouço faz sentido, às vezes entendo bem e, melhor de tudo, já consigo construir frases completas, usando diferentes tempos verbais. Falo truncado e devagar, mas o suficiente para aproveitar cada corrida de táxi como exercício prático. As conversas quase sempre giram em torno de política (tema tratado sem tabu) e futebol.

No entanto, o mais interessante é que, para além de minhas intenções meramente utilitárias, essas conversas muitas vezes acabam se transformando numa incrível experiência humana. Há taxistas de todos as idades, origens e opiniões. E as histórias pessoais que compartilham comigo, com suas alegrias e tragédias, formam um recorte de realidade que ajuda a entender o Irã de hoje.

Saïd, por exemplo, um grandalhão na faixa dos 50 anos, é formado em arquitetura e fala italiano, inglês e algo de francês. Morou oito anos em Turim, onde tinha uma loja de tapetes, e já viajou a Mônaco, França, Tunísia e vários outros lugares a passeio e a trabalho. De volta ao Irã, comandou até pouco tempo atrás uma empresa que fabricava embalagens especiais para a indústria petroleira. Mas as sanções econômicas o levaram à falência, e Saïd virou taxista. “Perdi milhões, e hoje sou obrigado a contar trocados”, me disse. “O táxi me distrai, penso menos nos problemas”. Saïd, que diz viver um casamento fracassado, se despediu perguntando se eu não queria comprar tapetes de um estoque guardado na casa da irmã.

Bahram, com 40 e poucos anos, também morou no exterior. Ele cresceu em Paris, onde acompanhava os tios, funcionários da embaixada iraniana. Voltou ao Irã nos anos 90 falando francês perfeito, inclusive com carregado sotaque parisiense. Mas tudo que achou em Teerã foi um cargo de tradutor na mídia estatal. Como o dinheiro não dá para sustentar a família, Bahram também teve que virar taxista. Seu principal cliente é um gringo, feliz da vida por ter à disposição alguém tão distinto. Há alguns meses, Bahram candidatou-se a uma vaga para ser motorista da Embaixada da França em Teerã, mas não conseguiu o emprego porque mora numa periferia muito distante. “Sinto muita saudade da França, mas não sei quando poderei dar uma volta por lá”.

O sessentão Amir é um homem posudo e amargo, com a cara deformada pela tristeza e pelo cigarro. Ele foi um oficial da Aeronáutica na época do xá Reza Pahlevi, que jura ter conhecido pessoalmente. Amir chegou a fazer treinamento técnico nos EUA, com quem o Irã tinha ótimas relações naquela época. O poder e o status do oficial evaporaram-se com a Revolução Islâmica, em 1979, que o empurrou para a reserva. Desde então, luta pela sobrevivência da família. Como é de se esperar, Amir detesta o governo dos “mulás” e acha que os iranianos são “burros” por ter derrubado o regime do xá.

Também amargo, Behrooz, 29, formou-se em engenharia, mas nunca encontrou emprego. Ele gostaria de casar-se, mas diz não ter condições de sustentar uma família. Por isso vive com os pais, como boa parte dos iranianos não casados. Mehrdad, um moleque de 23 anos com cabelo espetado de gel, só pensa em emigrar para a Suécia, onde vivem parentes. Ele me perguntou o que eu achava da ideia. Desconcertado com a responsabilidade de responder uma questão existencial tão profunda, só conseguiu dizer algo bastante tolo: “Faz muito frio lá”.

Mohamad, um tiozinho nos seus 50 anos, parece mais feliz com a vida. Suas crianças cresceram, estudaram e hoje são adultos com bons empregos. Um dos filhos mora na Europa e já bancou várias viagens do pai ao Velho Continente. Mohamad achou os franceses “muito frios”, mas adorou a Itália. “As pessoas de lá são afetuosas e brincalhonas, como os iranianos”. Ele morre de rir ao contar como ficou bêbado num voo internacional depois de descobrir que não precisava pagar pela cerveja.

Outro pai orgulhoso é Ahmad, um homem sisudo e de bigode branco, que tem uma filha médica e um filho engenheiro. Andei um bocado com o senhor Ahmad, que trabalha na agência de táxi do lado do prédio onde moro. Uma figura. Com cerca de 60 anos de idade, é um dos mais fervorosos simpatizantes do governo iraniano que conheci. Ele sempre começa o papo perguntando sobre o Brasil. “Tem muito problema com drogas?”. “Por que essa senhora presidente [Dilma] se afastou do Irã?”. E a conversa invariavelmente ruma para os inimigos da República Islâmica. Ahmad sempre dá um jeito de dizer “Morte aos EUA” e “Morte a Israel”. Às vezes pinta também um “Morte a Saddam”, resquício do ódio pelo fato de o então ditador iraquiano ter invadido o Irã e gerado uma guerra atroz nos anos 80. Mas como Saddam já morreu, a frase não é pronunciada com a mesma ênfase. Religioso devoto, o tiozinho Ahmad coloca Deus em praticamente cada frase. “Graças a Deus”. “Se Deus quiser”. “Glória a Deus”. Confesso que essa conversa já me cansou, e prefiro andar com outros motoristas.

A cada corrida, uma história. Já vi um motorista defender com unhas e dentes, no longo trajeto do aeroporto internacional de Teerã até a minha casa, que o islã xiita é a única salvação do mundo e que a Pérsia é o epicentro intelectual, moral e científico da humanidade. Outro jurava ser o único iraniano a possuir um título de treinador de futebol da UEFA, a poderosa federação europeia. Falava alemão e dizia ter condições de ser técnico de qualquer time. Reclamou por não ter chance no razoavelmente rico campeonato iraniano, que só “funciona na base do apadrinhamento”. Mas no fim da corrida, admitiu que o passado de militância antirregime dificultava qualquer contratação. Acabou perguntando se eu tinha contatos no futebol brasileiro.

Quase sempre, a experiência com os taxistas é cordial, desde que se aplique a regra de combinar o preço antes de entrar no carro. Certa vez, um motorista fedido e mal encarado resolveu aumentar o preço no meio da corrida “por causa do trânsito”. Bati o pé e jurei que não pagaria um centavo além do combinado. O sujeito ficou agressivo, e o único jeito foi descer antes do previsto e terminar a corrida a pé, sem pagar o adicional que ele exigia.

Mas há também casos de extrema gentileza. Uma vez um senhor foi até minha casa para dar um pote de geleia de limão feita pela esposa.

PS: Alguns nomes foram alterados para preservar a identidade das pessoas citadas.

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Obama x Irã: melhores inimigos

Por Samy Adghirni
07/11/12 20:45

Por mais que dissessem que não estavam nem aí, que Obama e Romney eram farinha do mesmo saco, os dirigentes iranianos andavam para lá de apreensivos com a eleição americana. Ninguém está soltando rojões em Teerã pela vitória do democrata, que afinal de contas não somente impôs as sanções mais duras contra o Irã como também pressionou a Europa a fazer o mesmo. Ainda assim, há uma clara sensação de alívio na cúpula do regime. E é fácil entender por que.

Enquanto Romney amplificava os tambores da guerra, endossando abertamente planos israelenses de atacar o Irã para destruir suas centrais nucleares suspeitas de fabricar a bomba, Obama sempre deixou claro que não gostava dessa ideia. Para o comandante em chefe das tropas americanas, que recebe diariamente relatórios de inteligência sobre o Irã e muito mais, bombardear a República Islâmica era uma operação sem objetivo estratégico claro (destruir todas as instalações ou só as de enriquecimento de urânio? atacar também alguns centros de poder em Teerã? fazer “apenas” uma demonstração de força ou ir até o fim e derrubar o regime?) e potencialmente muito arriscado. Além das incógnitas militares e diplomáticas acarretadas por um bombardeio, uma disparada do preço do barril de petróleo em caso de guerra poderia minar de vez qualquer retomada sustentável da economia americana.

Obama obviamente não quer uma bomba nuclear nas mãos do regime que é a maior pedra no sapato dos EUA no Oriente Médio. Mas ele também não compartilha o sentimento de Israel em relação ao Irã, o que lhe valeu inimizade eterna de muitos israelenses, a começar pelo premiê Netanyahu. O Estado judaico, apesar de ser o único país na região a ter a bomba atômica, diz encarar o programa nuclear iraniano como ameaça existencial e aponta a seu favor para o evidente ódio antisionista dos líderes iranianos. Obama e sua equipe acham que não só Teerã não decidiu fabricar a bomba como também levaria uns bons anos até alcançar esse objetivo caso optasse por ele. Aí entra a famosa divergência entre Israel e EUA sobre qual a linha vermelha a não ser ultrapassada por Teerã sob pena de levar chumbo:

– Obama considera aceitar que o Irã enriqueça urânio a níveis baixos para gerar energia e produzir tratamentos contra o câncer (o que Teerã tem direito de fazer por ser membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear), mas ai dos aiatolás se eles claramente optarem pela bomba -o que, caro leitor, ainda não foi provado, apesar de incontáveis inspeções e do monitoramento das centrais iranianas 24h por dia por câmeras conectadas diretamente à ONU. Suspeitas, por mais afiadas, não constituem provas.

– Para Israel, o Irã é um regime tão pouco confiável que ninguém deveria permitir que tivesse qualquer tipo de programa nuclear. Aos olhos de Netanyahu, ou Teerã encerra tudo de vez ou os hípertreinados pilotos de caças israelenses se encarregarão dessa missão.

Embora nunca tenha em tese descartado a hipótese de ajudar Israel num eventual ataque, Obama claramente priorizou outro tipo de ferramenta contra o Irã: a pressão econômica total e absoluta.

As sanções impostas pelo americano e seus aliados europeus neste ano baniram as vendas de petróleo iraniano à Europa e excluíram o Irã do sistema financeiro internacional, tornando cada vez mais difícil a entrada de dólares e euros nos cofres de Teerã. Aí também não está claro se o objetivo é derrubar o regime ou forçá-lo a aceitar algum tipo de compromisso. Mas o fato inegável é que a economia iraniana está sufocando, e eu vejo isso diariamente _queda vertiginosa da moeda nacional, inflação incontrolável, salários atrasados, desemprego em alta, esfriamento geral do comércio etc. O astral anda péssimo por aqui, inclusive entre os ricos do norte de Teerã.

O Irã, como era de se esperar, amaldiçoa a Casa Branca por tudo isso. Alguns dias atrás uma multidão juntou-se em frente ao prédio que abrigava a embaixada americana para comemorar o 33º aniversário da tomada de reféns que durou um ano e meio e selou o fim das relações entre Teerã e Washington, até então grandes amigos. Ouviram-se o clássico berro coletivo de “Morte à América” (pronuncia-se márg bár amriká) e os mesmos discursos habituais anti-EUA por parte de alguns clérigos e militares. Mas quem acompanha de perto o noticiário iraniano notou, por trás da aparente tensão de sempre, vários sinais apaziguadores vindos dos dois lados.

Primeiro foi o furo de reportagem do “New York Times” revelando a existência de encontros secretos entre Irã e EUA. O jornal cita fontes do governo Obama contando que essas conversas já resultaram em planos de negociações formais e diretas entre os dois arqui-inimigos. Todo mundo depois negou, mas após o desmentido fontes dos dois lados disseram que não enxergavam nenhum problema no princípio.

Em seguida, quando o furacão Sandy arrasou o nordeste dos EUA, o Crescente Vermelho do Irã, ligado ao regime, prontificou-se a mandar imediatamente socorristas e equipamentos para ajudar colegas americanos, que responderam com uma gentil carta de agradecimento, argumentando que estavam dando conta sozinhos e elogiando a expertise iraniana no amparo a vítimas de desastres naturais.

Na semana passada, agências de notícia internacionais relataram que o Irã estava disposto a parar de enriquecer urânio a 20% (nível de pureza que preocupa os inimigos) caso algumas sanções fossem levantadas. Um gesto amplamente visto como aceno apaziguador para favorecer Obama na eleição que viria dias depois.

Outro sinal de boa vontade partiu de um ex-embaixador do Irã em Paris e na ONU, que divulgou num site acadêmico um artigo de opinião elogiando o democrata, que alguns cidadãos iranianos curiosamente enxergam como um muçulmano que não pode se dar ao luxo de sair do armário por causa da população americana supostamente reacionária.

Para completar, no dia da eleição americana o todo-poderoso Ministério da Inteligência divulgou em seu site um comunicado de apoio implícito a Obama.

As reações pós-pleito aqui em Teerã foram discretas, mas os resmungos da vez são eloquentes. O chefe do Conselho de Direitos Humanos do Irã, Mohammed-Javad Larijani, disse que “conversas com os EUA não são tabu nem proibidas”. “Se for em nosso benefício, podemos conversar com a América até no fundo do inferno”, insistiu Larijani, um linha-dura membro da família mais poderosa do país, que tem três irmãos em altos cargos do regime. Um desses irmãos, Sadeq Larijani, chefe do Judiciário, foi mais cético e preferiu criticar Obama por não ter cumprido a promessa de abertura ao Irã feita no início do seu primeiro mandato.

Ou seja que Obama é melhor, sim, para o Irã – apesar de alguns analistas jurarem que uma vitória de Romney beneficiaria Teerã já que presidentes americanos com agendas externas muito agressivas correm o risco de alienar aliados europeus e reduzir o apoio a Washington, a exemplo do que aconteceu sob George W. Bush. E vamos combinar que o democrata marcaria um gol de placa se conseguisse algum desfecho pacífico para o dossiê iraniano.

De qualquer maneira, é preciso ser realista: Irã e EUA não estão nem perto da normalização ou até mesmo de um apaziguamento sincero e sustentável. Há muita desconfiança acumulada e qualquer concessão esbarraria em resistência interna. Um exemplo é o fato de as sanções americanas só poderem ser levantadas por votação no Congresso, que é esmagadoramente pró-Israel. No lado iraniano, especula-se que um dos mais céticos em relação a um possível acordo com Washington seja justamente o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, detentor da palavra final em temas estratégicos do país.

O caminho, se caminho houver, é longo e incerto. E a janela para eventuais discussões é apertada, pois logo mais será a vez de o Irã entrar em campanha para a eleição presidencial, com voto marcado para 14 de junho. Não há até agora nenhum candidato declarado, mas um dos cotados é o pragmático ex-presidente e aiatolá Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ao mesmo tempo líder religioso e empresário bilionário, que vem defendendo abertamente algum tipo de acordo com os EUA.

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