Samy AdghirniSamy Adghirni http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br Um brasileiro no Irã Tue, 15 Jul 2014 23:37:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Um adeus e um livro http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/07/15/um-adeus-e-um-livro/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/07/15/um-adeus-e-um-livro/#comments Tue, 15 Jul 2014 21:41:50 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1551 Continue lendo →]]> Desembarquei em Teerã numa madrugada de 2011, sob temperatura negativa e sem entender uma palavra de farsi.

Nos primeiros dias como correspondente da Folha no Irã, fui devorado por uma ansiedade de apertar a garganta. Que lugar é esse? Como faço para trabalhar aqui? Por onde começar?

Dois anos e oito meses depois, este é o texto que encerra minha missão iraniana.

Desde aquela gélida madrugada, me ambientei, aprendi a me virar na língua e fiz grandes amigos. Teerã, gigante e carrancuda, se tornou meu lar doce lar. Dicas, passeios, bons endereços e até atalhos para chegar onde for, é comigo mesmo. Percorri o Irã dos cânions do Oeste às montanhas do Nordeste, das planícies do Sul às lindas cidades de Yazd e Isfahan.

Acima de tudo, me esforcei a cada dia para trazer ao leitor da Folha a informação mais abrangente, precisa e isenta sobre tudo que envolve o Irã.

Nas páginas do jornal, contei como vivem os judeus iranianos, relatei um enforcamento em praça pública e me alonguei sobre as contradições da condição feminina na teocracia dos aiatolás.

Tratei de temas tabus, como as operações de troca de sexo impostas aos gays e o comércio de rins, o maior do mundo. O regime ficou furioso quando meu colega do “New York Times” e eu embarcamos numa lancha de contrabandistas e fomos até o meio do golfo Pérsico para revelar a existência de dezenas de petroleiros iranianos ancorados em alto mar por falta de atividade, escancarando o efeito dramático das sanções.

Entrevistei viúvas dos cientistas nucleares assassinados (presumivelmente por Israel), um dos sequestradores da embaixada americana em 1979 e o homem que muitos consideram ser porta-voz do aiatolá Khamenei, capo di tutti i capi no complexo da rua Pasteur, sede do regime.

Foi fascinante ver como o país saiu das trevas da era Ahmadinejad para a explosão de euforia com a eleição de Rowhani, há pouco mais de um ano. Saio com a amarga impressão de que forças ultraconservadoras estão conseguindo aos poucos empurrar o Irã de volta à escuridão.

Mergulhei fundo nas dinâmicas Brasil-Irã. Ouvi um assessor de Ahmadinejad disparar barbaridades contra Dilma, contei das retaliações comerciais iranianas ao distanciamento do Brasil pós-Lula e cobri visitas do então chanceler Antonio Patriota e de um grupo de parlamentares que teve Eduardo Suplicy e Valdir Raupp. Contei que o mesmo cidadão que havia se tornado o primeiro clérigo xiita brasileiro da história acabou deportado do Irã meses depois, por razões até hoje não esclarecidas.

Estive num seleto grupo de jornalistas recebidos pelo aiatolá Khamenei, mas nunca consegui entrevistar membros do alto escalão do governo – prova de que o regime não se importa tanto assim com o Brasil.

Em paralelo às publicações na versão impressa e no site noticioso da Folha, toquei a coluna “Um Brasileiro no Irã”, que comecei a escrever no início de 2012. Foram 106 posts, 2.568 comentários e milhares de curtidas acumuladas.

Minha proposta neste espaço sempre foi apresentar curiosidades e aspectos inusitados da vida no Irã, dos costumes às paisagens, das religiões à gastronomia. A ideia era retratar com originalidade um país sobre o qual ninguém sabe nada, mas todo mundo palpita. Tentei trazer o Irã para mais perto do leitor. Para isso, procurei escrever de forma livre e subjetiva, fugindo do óbvio como a peste. Nem todo mundo gostou. Faz parte do jogo. Como moderador da coluna, aprovei muitos comentários extremamente agressivos. Só vetei os que continham insultos – contra outros leitores ou contra mim.

Curioso constatar que as razões que determinaram o sucesso ou a indiferença acerca de um post continuam uma incógnita. Escrevi sobre o genro iraniano de John Kerry achando que o texto viraria hit. Acabou sendo um dos índices de leitura mais baixos já registrados. E quando divaguei sobre minhas impressões do Brasil, após passar o fim do ano no litoral paulista, nunca imaginei que o texto se tornaria um dos mais lidos e curtidos.

No fim das contas, a interação com você, leitor, foi a melhor parte de produzir “Um brasileiro no Irã.” Essa troca, apesar das ocasionais rusgas, me enriqueceu um monte. Não teria o mesmo sentido se a coluna não permitisse uma “conversa” com vocês. Agradeço a todos pela atenção e, em especial, àqueles que se tornaram seguidores fieis, inquietos e exigentes. Parto agora para nova missão a serviço da Folha.

Fecho esta coluna apresentando o livro “Os Iranianos”, que escrevi pela editora Contexto. Ao longo das 220 e poucas páginas, me estendo sobre muito do que vivi e aprendi no universo tão peculiar da república islâmica. Além de mergulhar na realidade social e cultural iraniana, também trato de política, história, economia e artes, conforme o formato da coleção que já teve “Os Indianos”, “Os Chineses” e “Os Argentinos”, entre outros.

Haverá dois coquetéis para o lançamento de « Os Iranianos » – o primeiro em São Paulo, na quinta-feira 24 de julho, às 18h30, na Livraria da Vila, alameda Lorena, Jardins ; o segundo na minha Brasília, na quarta-feira 30 de julho, às 19h, na Livraria Cultura do Casa Park. Estão todos convidados!

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Googoosh, a diva do pop persa http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/07/01/googoosh-a-diva-do-pop-persa/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/07/01/googoosh-a-diva-do-pop-persa/#comments Tue, 01 Jul 2014 15:08:57 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1543 Continue lendo →]]> “Você mora no Irã, não é mesmo? Pois diga aos iranianos que nós também adoramos a Googoosh”, lançou o tradutor iraquiano, dentro do carro, enquanto circulávamos pelas ruas de Bagdá para fins de reportagem, na semana passada.

Foi naquele momento que eu entendi a verdadeira dimensão de Googoosh, a maior e mais querida cantora na história do Irã. Sabia de sua popularidade em vários países do Oriente Médio, mas não imaginava que o sucesso se estendia até o Iraque, onde a maioria das pessoas geralmente desconfia de tudo que vem do vizinho persa.

Faegheh Atashin, conhecida pelo nom de scène Googoosh, é artista à moda antiga. Daquelas que juntam talento, carisma e uma boa dose de drama pessoal. A voz é afiada e poderosa. Googoosh não apenas canta, mas interpreta com intensidade, chorando junto com o público nas músicas mais tristes. Mesmo com 64 anos de idade, continua “rainha do palco.”

“Ela é fabulosa. Tem uma vozerão, é linda e elegante”, derrete-se o administrador de empresas Ahmad, 32.

Googoosh não pisa no Irã há 14 anos porque o regime a detesta. Isso não abalou em nada seu prestígio junto a fãs de todas as idades e categorias sociais. Entre os meus amigos iranianos de Facebook que seguem a página oficial da cantora há um banqueiro pró-Ahmadinejad, um jornalista gay e uma estudante afegã, entre outros. Na hora em que postei esta coluna, a página oficial da cantora tinha 1,6 milhão de seguidores.

Tenho a impressão de que muitos iranianos amam Googoosh não só pela sua arte, mas também porque ela remete à ideia de um Irã aberto, amoroso e bem sucedido. Imaginem o contraste entre o estilo da cantora e a imagem da mulher que facções mais conservadoras do regime tentam impor.

https://www.youtube.com/watch?v=GBKNr7MqEvw

Além disso, Googoosh estourou bem antes da Revolução Islâmica de 1979, e, por isso, sempre será associada a esta época mais gloriosa para a imagem do país. Eram os tempos do chiquérrimo casal imperial, Mohammad Reza Pahlavi e Farah Diba, cujos palácios Googoosh muito frequentou. Há alguns anos, uma iraniana foi a público dizer que era filha do xá com Googoosh. Ninguém deu bola.

Aqui, Googoosh aparece cantando na festa de aniversário de Reza Pahlavi, filho do xá.

https://www.youtube.com/watch?v=TQH4OG_5ckQ

Outra razão por trás do sucesso de Googoosh, a meu ver, é sua excepcional empatia com o público. Os iranianos sentem-se próximos não só porque ela tem imagem de estrela humana e afetuosa, mas também porque as agruras na vida da cantora levam muita gente a se identificar com ela.

Googoosh sofreu e brilhou quase na mesma medida desde criança. Aos dois anos de idade, seus pais se separaram, e ela ficou com o pai, um acrobata a serviço de baladas e casas de boêmia. A madrasta a tratava mal, e a pobre criança passava noites fazendo malabarismos na noite. A pequena artista começou a ganhar fama ao aparecer em programas infantis na TV. Após atuar em várias filmes, ficou evidente que seu maior talento era o canto. Nos anos 1970, sua carreira nos palcos decolou. Googoosh cantou no mundo todo e fez duetos com superastros do naype de Ray Charles, Tina Turner e Charles Aznavour.

Espécie de Madonna antes da hora, Googoosh também se destacou pelo senso de vanguarda estética. Ícone fashion, Googoosh foi uma das primeiras celebridades no Irã a aparecer de cabelo curtinho, num estilo imediatamente copiado pelas fãs. Na mesma época começava a sucessão de casamentos e relacionamentos fadados ao fracasso.

A Revolução Islâmica, em 1979, selou duro golpe na vida de Googoosh. Primeiro, ela passou meses na cadeia por morar com um homem com quem não era casada. Depois, ela parou de cantar, atendendo à proibição imposta pelo novo regime. Googoosh preferia continuar morando no Irã. Matava o tempo lendo e cuidando de sua suntuosa casa, no norte de Teerã, ao lado do palácio que servia de casa para o xá deposto.

Em 2000, Googoosh decidiu relançar a carreira com uma turnê internacional. Ela saiu do Irã para nunca mais voltar. Desde então, a diva decidiu bater de frente com o regime. Em 2009, ela endossou protestos contra supostas fraudes na reeleição de Ahmadinejad. Há alguns meses, ela iniciou campanha em defesa dos gays iranianos, forçados à clandestinidade para não ser presos ou mortos.Curioso constatar que, apesar de tudo, o regime que bloqueia incontáveis sites vistos como subversivos ainda libera acesso à página da cantora no Wikipedia.

Seus shows, cada vez mais raros, continuam atraindo multidões de iranianos. Há gente que se endivida para vê-la cantando no exterior. Em 2010, preparativos para uma apresentação em Erbil, capital da vizinha Província iraquiana do Curdistão, drenavam tantos iranianos que as autoridades de Teerã fecharam a fronteira. Muita gente não conseguiu chegar no show. Desde então, o Irã pressiona os curdos a nunca mais permitir um show de Googoosh.

Ultimamente, a diva dá sinais de esgotamento, apesar de lutar para continuar brilhando. Sua voz perdeu força. As músicas mais recentes não agradam tanto. O site oficial está parado.

https://www.youtube.com/watch?v=6LnRVlamIlw

“Gosto das velhas canções e acho que ela faria melhor em não voltar a cantar. Seu comportamento não convem para uma senhora de sua idade”, lamenta a professora de matemática Maryam, 45.

A estudante Afsaneh pensa diferente. “Eu a amo. Um dos meus sonhos é vê-la cantando ao vivo antes que ela fique velha demais para isso.”

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"Essa gente" no poder http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/25/essa-gente-no-poder/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/25/essa-gente-no-poder/#comments Wed, 25 Jun 2014 14:41:02 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1536 Continue lendo →]]> Dia desses, um amigo embaixador ocidental traçou um paralelo interessante entre os atuais governos de Brasil, Iraque e Irã. Feitas as devidas ressalvas em matéria de contexto e diferença de sistemas politicos, achei a avaliação do diplomata digna de registro e reflexão.

Os governos em questão são comandados por grupos que se construiram politicamente graças a uma longa trajetória de oposição ao poder central. O PT passou a maior parte de sua existência tentando chegar ao Planalto. Os líderes iraquianos de hoje são todos veteranos dissidentes da era Saddam Hussein. Muitos dos aiatolás no poder no Irã, inclusive o líder supremo Ali Khamenei, foram presos e torturados pelo regime do xá.

Os três governos também têm características comuns na maneira de administrar o país: onipresença do Estado na economia, fartas políticas sociais (chamadas de assistencialistas pelos críticos) e certa propensão à demagogia. O apelo emocional das propagandas do governo Dilma não é tão diferente da ideia do “nós contra eles” martelada pela TV estatal iraquiana.

Em Brasília, Bagdá e Teerã, os líderes se dizem orgulhosos representantes da gente simples e trabalhadora que passou a maior parte da história supostamente oprimida pelo elitismo hereditário dos poderosos. Verdade seja dita, há mesmo algo em comum entre simpatizantes dos três governos, que são bem mais numerosos do que gostariam os opositores. Lideranças brasileira, iraquiana e iraniana têm ampla base de apoio entre os mais pobres. O problema é que os políticos usam esta realidade para tachar qualquer crítica de resposta reacionária da burguesia.

Não é de se estranhar, portanto, que os três governos também se aproximem na maneira como são percebidos por suas respectivas oposições.

A Jordânia e os Emirados Árabes Unidos estão cheios de exilados que eram integrantes do regime de Saddam Hussein. Bem nascidos, sunitas e relativamente seculares, olham com desdém para os devotos xiitas hoje no poder, que supostamente obrigam suas mulheres e filhas a usar véu e cheiram a água de rosa, perfume característico das mesquitas xiitas. Para os nostálgicos de Saddam, inclusive os que continuaram no país, os xiitas são uma gente sem modos que envergonha a outrora gloriosa nação iraquiana. Imaginem só, embaixadores que não falam inglês, o horror! Esse discurso não soa familiar com críticas feitas a um certo ex-presidente brasileiro?

Boa parte da oposição ao regime xiita iraniano abandonou esse tipo de argumento, mas a mídia nos EUA e na Europa ainda abre espaço para remanescentes da monarquia Pahlavi, que, impecavelmente vestidos e falando inglês perfeito, vivem reclamando dos “barbudos” no poder em Teerã.

Hoje, os três governos estão sob pressão. No Irã, economia devastada por sanções e ranço popular agem como lento veneno. No Iraque, jihadistas ultrarradicais parcialmente apoiados pela minoria sunita tomaram cidades importantes e ameaçam chegar a Bagdá. A crise é tamanha que o premiê Nuri al-Maliki está na corda bamba. Já Dilma se prepara para encarar uma eleição duríssima, num clima de marasmo econômico e vasta insatisfação popular, por ora camuflada pela euforia da copa.
Regozijam-se os que querem tirar “essa gente” do poder.

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O caos eficiente do transporte urbano em Teerã http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/17/o-caos-eficiente-do-transporte-urbano-em-teera/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/17/o-caos-eficiente-do-transporte-urbano-em-teera/#comments Tue, 17 Jun 2014 14:45:25 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1529 Continue lendo →]]> “Como você sabe que é um táxi?”, espantou-se a visitante brasileira, acompanhada do marido, ao ver um carro qualquer atender meu sinal de mão e parar na nossa frente.

Tranquilizei o casal e dei ao motorista o endereço do hotel que hospedava os turistas.

No Irã, qualquer um pode transformar seu carro em táxi. Os maiores adeptos desta prática são, obviamente, pessoas que precisam reforçar a renda.

Para saber se o veículo é um táxi sem registro, muitas vezes basta olhar o tipo de carro. Se for Pride, um modelo popular nacional horroroso e de péssima qualidade, as chances são maiores. Pride cinza, então, é batata. Para não deixar dúvida de que estão disponíveis, alguns motoristas acenam com sinal de luz alta ao enxergar quem parece estar buscando transporte.

Há dois tipos de corrida: individual e coletiva. Ao parar um táxi sem registro, diga onde quer ir, se quer fazer o trajeto em modo “dar bast” (portas fechadas) e combine o preço. Baratíssimo para os padrões brasileiros. Conte cerca de US$ 5 para atravessar Teerã de norte a sul. Se quiser pagar menos, entre no carro e prepare-se para dividir espaço com desconhecidos. Cada passageiro entrega até US$ 0,50 em função do trajeto. Homem e mulher juntos, ninguém liga.

O problema é que os táxis informais são carros comuns e, portanto, sujeitos ao rodízio, que barra acesso ao centro.

Para andar livremente, é preciso recorrer aos táxis regulares, que podem ser amarelos, verdes ou identificados apenas com uma plaquinha no teto. Eles ficam circulando ou parados em ponto. Combine o preço antes, se não você será obrigado a pagar o que o motorista determinar ao chegar no destino.

Esses motoristas profissionais costumam ser amargos e rabugentos de tanto ficar sentados em carros ruins num trânsito insano. Sem falar na poluição pesada que deixa o céu acinzentado. Muitos falam ao telefone e fumam dentro dos carros sem se importar com o passageiro. Mas eles também são politizados e lúcidos. É a velha máxima do jornalismo internacional: para medir a temperatura de um país, fale com taxistas. Já vi motorista dissertando sobre assuntos tão diversos quanto as dificuldades econômicas do governo Dilma e a queda dos czares na Rússia. Já ouvi taxistas xingando todo o regime. Outros me explicaram que a teocracia iraniana não reflete o verdadeiro islã. Um dia, um motorista queria porque queria me levar a um bordel. Quanto mais eu declinava, mais ele explodia em risos.

Já andei com taxistas mulheres. Inclusive de madrugada.

Os melhores táxis são os que ficam em agências de bairro, conhecidas em farsi como “a-jáns.” Os carros são geralmente mais novos e confortáveis. Os motoristas são referenciados e, por isso, costumam ser mais honestos e educados. O problema é o preço – 20% a 30% mais alto do que em táxis comuns.

Apesar desta fartura de táxis, que facilita a vida e atende necessidades do mercado, minha primeira opção costuma ser o ônibus. Muitos veículos são velhos e barulhentos. Alguns não têm ar condicionado, o que torna o ambiente interno irrespirável nesta época de dias quentes e longos. Pior mesmo é a irresponsabilidade dos motoristas que fazem ultrapassagens aterradoras nos corredores de uso exclusivo. Apesar disso, acho o sistema de ônibus melhor do que no Brasil.

Mesmo nos feriados, dificilmente se espera mais de alguns minutos no ponto. A rede de linhas abrange todas as áreas da cidade e o preço é irrisório – US$ 0,16. Fica ainda mais barato para quem usar bilhete eletrônico. Ah, homens e mulheres ficam em áreas separadas. Nos ônibus mais modernos, reluzentes veículos vermelhos com paineis digitais, as mulheres ocupam a parte da frente. Nos modelos mais antigos, a disposição é oposta. Nos últimos anos, a segregação ficou mais light. Uma mulher acompanhada de um homem pode ficar na ala masculina. Mas no dia em que inventei de me sentar na parte feminina, duas mulheres se levantaram e desceram.

Iranianos aguardam em área especifica para embarcar em ônibus do transporte público de Teerã (Foto: Apu Gomes/Folhapress)

O metro impressiona pela limpeza e boa sinalização – em farsi e inglês. Mesmo preço do ônibus, aproximadamente. Há quarto linhas urbanas, mas elas são incrivelmente longas. Ruim mesmo, só a lotação. Ao menos 2 milhões de passageiros por dia. É menos que os 3,4 milhões de São Paulo, mas o suficiente para tornar a experiência potencialmente desagradável. Mulheres têm vagões exclusivos.
O resultado é um sistema de transporte público que, apesar das falhas, consegue dar conta do recado de maneira barata e eficiente.

É por essas e outras que jamais pensei em ter carro em Teerã. Os grã finos (iranianos e gringos) com quem esbarro de vez em quando não entendem como eu, um estrangeiro “respeitável”, me disponho a encarar o coletivo. “Ônibus? Você anda de ônibus?”, engasgou-se um diplomata europeu durante um coquetel, ao me ouvir conversando com outro diplomata – que, por sinal, anda de ônibus, como eu.

O lado sombrio da história é a mão pesada das autoridades, que mantêm sob seu controle tudo que envolve o transporte público, inclusive eventuais lucros. Ai de quem fizer greve. Sindicalistas são constantemente monitorados pelo aparato de segurança. Protestar por melhores condições pode levar à cadeia.

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Algo de podre no ambiente pré-copa http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/10/algo-de-podre-no-ambiente-pre-copa/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/10/algo-de-podre-no-ambiente-pre-copa/#comments Tue, 10 Jun 2014 20:37:37 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1523 Continue lendo →]]> Antes da copa de 2006, última participação do Irã em mundiais, Teerã vivia clima de euforia e paixão pela seleção, me contou um amigo veterano correspondente estrangeiro por aqui. Bandeiras nacionais tremulavam na lataria dos carros, cartazes comemorativos enfeitavam esquinas e o então presidente Mahmoud Ahmadinejad só não foi assistir aos jogos porque a Alemanha barrou seu pedido de visto.

Ausente em 2010, o Irã garantiu presença para a Copa do Mundo no Brasil na última rodada das eliminatórias, num ambiente de transe popular pela vitória contra a Coreia do Sul surgida apenas três dias após outra vitória comovente, a do conciliador Hasan Rowhani na eleição presidencial.

Mas, em vez de intensificar-se com a chegada da copa, a alegria cedeu lugar a uma estranha apatia.

Às vésperas da estreia iraniana, contra a Nigéria, em Curitiba, não se vêem enfeites, adesivos ou cartazes. Nas ruas de Teerã, o único lembrete de que o país está na copa são os outdoors promovendo TVs da Sony e da Samsung.

Sim, o assunto Copa do Mundo domina capas de jornais e o espaço nas rádios e TVs.  Fissurados em consumo de notícias, iranianos acompanham com atenção a rotina de sua seleção, instalada em Guarulhos. O assunto está nas conversas, mas de maneira burocrática, xoxa, tratado sem o menor tesão.

O símbolo mais gritante deste desânimo foi a cerimônia de despedida da seleção. Ao sentir que o comparecimento popular não seria suficiente para encher o megaestádio Azadi, no sudoeste de Teerã, a Federação de Futebol do Irã optou por um ginásio coberto. Em vez das 12 mil pessoas esperadas, apareceram mil e poucas. Em sua maioria, amigos e parentes dos jogadores. O presidente Hasan Rowhani havia sido anunciado dias antes, mas acabou não dando as caras. Ele também não vai ao Brasil, apesar de ter sido convidado, na condição de chefe de governo de país participante.

Por que o clima acerca da seleção está diferente em relação à copa de 2006?

Vejo vários fatores – e admito que minha explicação é fruto de pura especulação.

O primeiro tem a ver com futebol em si. O Irã caiu num grupo de adversários barra pesada: Nigéria e Argentina, além das mais modesta Bósnia-Herzegovina. Quase ninguém se atreve a pensar num salto rumo às oitavas, apesar de a equipe conhecida como “time mê-lí” (time nacional, em farsi) liderar o ranking da FIFA entre seleções asiáticas. Na copa da Alemanha, os rivais eram México, Portugal e Angola. A composição da chave de 2006 permitia à torcida iraniana sonhar com uma classificação para a segunda fase, que acabou não rolando.

Além disso, o nível dos jogadores do “time mê-lí” deixa a desejar, segundo me disse o técnico português Carlos Queiroz, que treinou Portugal no mundial de 2010, em entrevista exclusiva. Falta um craque, um fora de série ou até mesmo um líder. O melhor do time é o meia Javad Nekounam, que fez bonito nas seis temporadas no Osasuna, mas que já sente o peso da idade (33) e hoje vegeta no Kuwait. Na reta final da preparação para a copa, o time emendou empates contra Belarus, Montenegro e Angola. O goleiro titular, Daniel Davari, nasceu na Alemanha e fala farsi tão mal que não consegue se comunicar com a defesa. Em 2006, a seleção ainda tinha dois dos maiores craques da história iraniana: o meia Ali Karimi e o centroavante Ali Daei, recordista mundial da FIFA em gols marcados em partidas oficiais internacionais.

O segundo fator por trás da apatia é, a meu ver, a nuvem negra de problemas que paira sobre a seleção. O técnico acusa a federação de não investir em infraestrutura e de não ter desembolsado o cachê necessário para fazer amistosos de preparação contra times de qualidade. Fontes da federação alegam que foi Queiroz quem não quis enfrentar boas equipes. Uma fonte próxima da federação me disse que Argélia, Chile e até Espanha estavam dispostas a jogar contra o Irã.

Também há uma disputa constrangedora por causa dos uniformes. Queiroz diz que o material fornecido pela Uhlsport é de péssima qualidade e se queixa que a federação vetou troca de camisas após os jogos por falta de estoque suficiente. A federação bota panos quentes, mas não nega o problema.

O fator número três é ainda mais distante das preocupações esportivas. A copa no Brasil será a primeira do Irã após os fatídicos acontecimentos de 2009. Naquele ano, o regime esmagou megaprotestos contra supostas fraudes no reeleição de Ahmadinejad. Muitos iranianos ficaram tão desgostos com o nível de repressão e a quantidade abissal de prisões e atos de torturas que acabaram se afastando de tudo que diz respeito ao Estado. Isso inclui a federação de futebol e até a TV, monopólio do regime. Há quem jure que até a média de público da liga de futebol professional, incluindo a do superclássico entre os gigantes de Teerã (Esteghlal x Perspolis), caiu desde 2009.

A quarta razão é mais difusa. Vejo um sentimento generalizado de desilusão e cinismo. Reflexo, talvez, da crise econômica causada pelas sanções ocidentais, que esvaziou os bolsos e azedou os ânimos. Some-se a isso uma crescente dose de impaciência com Rowhani, alavancado à Presidência em junho de 2013 graças à promessas até agora não transformadas em realidade. A economia não melhorou. O preço da gasolina aumentou 70%. Rowhani também até agora não peitou os linha dura do Judiciário e do aparato de segurança, que continuam oprimindo, executando e prendendo a esmo.

Mas os iranianos são grandes procrastinadores. E é possível que eles, a exemplo do ocorrido na eleição presidencial de 2013, se empolguem na última hora. A vida aqui às vezes brota onde e quando menos se espera. O consulado brasileiro em Teerã, como já escrevi aqui, pena para dar conta de tanto pedido de visto para assistir aos jogos (e dar uma curtida em terras mais livres). E todo mundo vai assistir aos jogos.

Quem sabe uma participação honrosa, ou até mesmo uma vitória contra a Argentina, não ressuscita a chama adormecida de uma nação apaixonada por futebol?

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Como anda a negociação nuclear? http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/03/como-anda-a-negociacao-nuclear/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/06/03/como-anda-a-negociacao-nuclear/#comments Tue, 03 Jun 2014 21:33:57 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1512 Continue lendo →]]> Nunca se chegou tão perto de um acordo nuclear entre o Irã e as grandes potências (EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha).

Se tudo der certo, e ainda pode dar, o domingo 20 de julho entrará para a história como o dia em que as partes resolveram assumir por escrito os sacrifícios necessários para pôr fim a mais de uma década de impasse.

O problema é que estar perto não garante final feliz. O fracasso das conversas, um cenário apocalíptico que interessa a uma influente turma do contra no tabuleiro geopolítico, continua sendo possibilidade real. Mas tudo indica que o Irã e as potências entendem a urgência de aproveitar a oportunidade extraordinária criada pela concomitância das presidências de Hasan Rowhani, no Irã, e Barack Obama, nos EUA.

O dia 20 de julho sela o fim do prazo definido pelos negociadores para redigir um acordo que visa conciliar duas ideias potencialmente antagônicas – a continuação do programa nuclear iraniano; e garantias de que este mesmo programa não irá gerar uma bomba atômica.

Nesta data expira a validade de um acordo preliminar, em vigor desde janeiro, que vem servindo como teste de intenções mútuas.

O teste de confiança até agora funcionou direitinho.

Cumprindo sua parte, o Irã reduziu seu programa de enriquecimento urânio, um procedimento para lá de técnico que pode servir tanto para fins pacíficos como militares. Teerã diminui não só o número das centrífugas operacionais como também o grau de pureza do urânio enriquecido. Antes da atual rodada de negociações, os iranianos enriqueciam urânio a 20%, nível que supõe a superação das maiores dificuldades no caminho rumo aos 90% necessários à bomba. Agora, Teerã mantem um patamar de enriquecimento bem abaixo.

O Irã também anda cooperando de forma mais transparente com os inspetores nucleares da ONU que visitam regularmente centrais iranianas.

Os ocidentais, verdadeiros protagonistas pelo lado das potências, também mostraram boa fé. Levantaram sanções à aviação civil iraniana e restrições a transações comerciais em ouro com a república islâmica. Americanos e europeus também permitiram que Teerã recupere alguns bilhões de dólares confiscados no exterior. Dinheiro vivo, fruto das exportações de petróleo, que os iranianos sonhavam em poder usar para aliviar o aperto causado pelo isolamento ocidental.

Apesar de eventuais resmungos, todo mundo parece satisfeito com o cumprimento do acordo preliminar. Mas as questões de fundo continuam em aberto, à espera do tal documento que precisa estar pronto até 20 de julho.

As dificuldades giram em torno de dois pontos: o tamanho do programa nuclear que o Irã poderá conservar após um entendimento final e o futuro das sanções financeiras e petroleiras, as mais duras contra Teerã.

Rompendo com uma série de reuniões amplamente vistas como positivas, nas quais todo mundo concordou com temas, modalidades e prazos a seguir, o último encontro entre Irã e potências terminou num clima de irritação. É que a rodada, mês passado, em Viena, deveria ter servido para o início formal dos trabalhos para redigir o tal acordo. Três dias de conversas intensas não foram suficientes para chegar um denominador comum sobre o que escrever.

Na hora H, não há boa vontade que resista a divergências profundas e fundamentais. E essas divergências são numerosas.

A primeira envolve diferenças sobre a capacidade do Irã de enriquecer urânio após um acordo final. O Irã diz precisar de 100 mil centrífugas para transformar urânio em combustível para abastecer um reator nuclear em Teerã que produz isótopos usados para fins medicinais. O país, que nega planos de ter a bomba atômica, possui atualmente 19 mil centrífugas, metade das quais em operação. Os EUA, que dão o tom dominante pelo lado das potências, querem limitar o número de centrífugas iranianas a alguns milhares.

Outro fator de discórdia é um reator de água pesada que o Irã está construído no sul do país. Quando completado, dará aos iranianos a capacidade técnica de produzir plutônio, material usado para um tipo alternativo de bomba atômica. Os iranianos dizem que o equipamento visa substituir o reator de Teerã, uma velharia só. O Irã admite fazer ajustes, mas descarta interromper a obra, como querem diplomatas ocidentais.

Por fim, Teerã exige que sanções mais severas, contra sua indústria petroleira e seus bancos, sejam suspensas rapidamente, ideia que os americanos rejeitam.

No dia 16 de junho haverá nova rodada de conversas. A partir daí ficará mais claro avaliar as chances de um acordo até 20 de julho. Se o pacto não sair, as partes têm a opção de prolongar o entendimento preliminar por mais umas semanas, mas não muito mais do que isso.

Em novembro, Obama e seus aliados democratas correm risco de perder o Senado para a oposição republicana nas eleições parlamentares, o que aumentaria ainda mais a resistência do Legislativo americano a um acordo com o inimigo. O apoio a Israel é quase incondicional entre deputados e senadores em Washington, que também são próximos da Arábia Saudita, inimiga número um do Irã entre países de maioria islâmica.

Em 2016, Obama deixa a Presidência. Entre os cotados para substitui-lo há dois notórios anti-Irã: Hillary Clinton e Jeb Bush, irmão do famigerado George Walker.

O Irã também tem seus radicais. Em Teerã, clérigos, militares e deputados formam uma frente ultraconservadora que, por se beneficiar economicamente do regime de sanções ou por pura convicção ideológica, rejeita concessões nucleares. O presidente Rowhani está sob ataque constante de rivais internos cada vez mais agressivos. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, deixou claro que apoia as negociações, mas não se sabe por quanto tempo ele está disposto a segurar a fúria dos linha dura.

Irã e potências precisam de um acordo. Teerã sofreu demais com as sanções, que travam até a modernização da indústria petroleira. Além disso, a república islâmica já conseguiu o que queria: dominar a tecnologia nuclear de A a Z, deixando em aberto a opção de fazer a bomba, caso queira. Espiões americanos e israelenses concordam em que esta decisão não foi tomada.

Para os ocidentais, apaziguar tensões com o Irã permitiria reorientar atenções em direção a problemas potencialmente mais complicados, como a relação com Rússia e China. Os mais otimistas acham que um acordo daria ao Irã razões para se agarrar com menos vigor à Síria de Bashar Al-Assad. Sem falar nas imensas possibilidades de negócios num país de 77 de milhões, com população razoavelmente educada e gastona.

A crise nuclear começou em 2002, quando dissidentes iranianos ligados a um grupo terrorista revelaram a existência de instalações nucleares iranianas não comunicadas à ONU. No ano seguinte, o Irã ofereceu ao EUA uma proposta que ficou conhecida como a Grande Barganha. O plano previa o fim do apoio ao Hamas e ao Hizbollah e até mesmo o reconhecimento de Israel, em troca de um pacto de não agressão com os americanos. George W. Bush deu de ombros. Desde então, a tensão só aumentou.

Israel, única potência nuclear do Oriente Médio, ameaça se encarregar de resolver sozinho o impasse – bombardeando as centrais iranianas. Obama não quer atacar, mas também não descarta o uso da força. Teerã diz: “pode vir”. E muita gente acha que uma guerra fortaleceria o regime, como aconteceu nos anos 1980, quando Saddam Hussein invadiu o Irã. O acordo em discussão é provavelmente a melhor chance de evitar mais um conflito no Oriente Médio.

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Turistas iranianos a caminho da Copa http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/27/turistas-iranianos-a-caminho-da-copa/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/27/turistas-iranianos-a-caminho-da-copa/#comments Tue, 27 May 2014 18:27:53 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1494 Continue lendo →]]> A cada manhã, dezenas de iranianos vêm lotando a pequena sala de espera do consulado do Brasil em Teerã para dar entrada em pedidos de visto para assistir à Copa do Mundo.

Funcionários são obrigados a fazer hora extra e sacrificar feriados para dar conta do salto na demanda. Poucas vezes houve tantos iranianos querendo ir ao Brasil.

Em números absolutos, o volume ainda é irrisório comparado com outros consulados brasileiros mundo afora. Mas a equipe em Teerã é pequena e opera geralmente em escala de público muito menor.

Diplomatas da embaixada, que fica no mesmo prédio, me disseram que o número de vistos entregues no âmbito da Copa deve bater em breve na casa dos 1.000. Desde abril, já foram emitidos 872. Para se ter uma ideia do salto que isso representa, basta ver o número de vistos cedidos no ano passado entre abril e 26 de maio: 75.

A expectativa é que a Copa alavanque a conta final do número de iranianos indo ao Brasil em 2014, que andava em queda por causa da crise econômica na república islâmica, resultado das sanções e da má gestão do findo governo Ahmadinejad. Em 2011, o consulado em Teerã emitiu cerca de 3.000 vistos. No ano seguinte, 2.400, e em 2013, por volta de 2.300.

A isso somam-se os iranianos residentes no exterior ou com cidadania de países cujos cidadãos também precisam de visto para entrar no Brasil, como Estados Unidos e Canadá. No total, o Itamaraty avalia que cerca de 5.000 iranianos irão ao Brasil durante a Copa.

O visto para a Copa entra na categoria turismo. Mas quem possui ingresso está praticamente assegurado de receber o carimbo no passaporte. É que a FIFA cobra dos países anfitriões de mundiais que facilitem os trâmites de obtenção de visto para quem possuir ingresso para jogos. Alguns anexam o ticket original ao formulário de visto, outros enviam um comprovante disponibilizado pela FIFA.

O país, porém, é soberano para declinar pedidos ou investigar o perfil de casos suspeitos. Até agora, o consulado brasileiro no Irã aprovou todos os pedidos – mesmo aqueles que não possuem ingresso.

Quem não tem ticket precisa apresentar cópia da passagem aerea de ida e volta, reserva de hotel e comprovante de recursos, como conta bancária.

Iranianos, acostumados às exigências absurdas dos consulados europeus em Teerã, têm mandado documentos desnecessários como prova de boa fé. Tem gente que coloca até conta de luz na papelada do visto.

“A atitude dos funcionários [no consulado brasileiro] é muito melhor que em outras embaixadas”, disse a agente de viagens Hedyeh, 28, ao dar entrada em pedidos de visto para um grupo.

Só ouvi queixas em relação à lentidão. “Acho que o sistema informático brasileiro para vistos não é muito bom, pois falha quando há sobrecarga. “Eles não se prepararam para tantos pedidos”, especula Shaharam, 40, que vai ao Brasil após ganhar um pacote num sorteio da Sony.

Por mais que gostem do Brasil, quase todos os iranianos com quem conversei se disseram apavorados com os relatos de violência e com os protestos.

“Estou com muito medo, principalmente pela situação em Salvador, onde devo passar uma semana [o Irã enfrenta a Bósnia-Herzegovina na Fonte Nova]. Conheci brasileiros na Inglaterra, e eles me disseram para não usar joias nem relógios na rua. Ouvi que haverá 180 mil policiais fazendo segurança nos estádios e tenho medo que isso se traduza em menos policiamento nas outras áreas. Mas estou tão empolgado que nem ligo”, diz o empresário Salar, 26.

Salar é o típico iraniano que vai para a Copa: homem (só 10% de vistos foram emitidos para mulheres), jovem e rico. Num país sob sanções e com moeda valendo metade da cotação em dólar de 2012, são poucos os que podem pagar os US$ 10 mil cobrados pelas agências locais como tarifa mais barata. Há gente levando crianças e até a sogra para o Brasil.

Salar foi às últimas duas copas que tiveram participação do Irã – França 1998 e Alemanha 2006. Ele acaba de desembolsar o equivalente a US$ 15 mil por um pacote que inclui bons hotéis no Brasil. Salar pagou outra pequena fortuna por ingressos para os três jogos do Irã mais dois da Inglaterra. “Vale a pena. Eu pagaria mais se fosse preciso”, diz o rapaz, extasiado.

Salar vai com amigos e não sabe se a mulher irá junto. “Ela tem provas na Universidade. Talvez não me acompanhe. E isso não me incomoda nem um pouco”, diverte-se.  “Eu já disse a ela: ‘primeiro, o futebol, depois, você.’”

Sepehr, um quarentão ricaço que conheci por aí, está com ingressos na mão para assistir a vários jogos. Mas ele acaba de cancelar sua passagem, deixando furiosos os amigos com quem havia planejado a viagem. Sepehr explica: “Minha mulher me proibiu de ir sem ela ao Brasil.”

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A polêmica do beijo em Cannes http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/20/a-polemica-do-beijo-em-cannes/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/20/a-polemica-do-beijo-em-cannes/#comments Tue, 20 May 2014 19:11:59 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1479 Continue lendo →]]> * ver atualização ao final do texto

O assunto da vez nas rodinhas de artistas e intelectuais em Teerã é a polêmica deflagrada pelo beijinho que a mais famosa estrela do cinema iraniana deu no rosto do chefão do festival de Cannes no ultimo domingo.

Reprodução Twitter

Reprodução Twitter

Ao se apresentar formalmente no evento, sob o glorioso título de membro do júri, a atriz iraniana Leila Hatami, 41, protagonista do premiadíssimo “A Separação” (2011), estendeu a mão ao presidente do festival, o francês Gilles Jacob, 83, e o cumprimentou com um beijinho em cada bochecha. Uma cena tão banal que não mereceria sequer ser relatada.

Mas, no Irã, virou assunto de governo.

Afinal, a interpretação local da sharia (lei islâmica) não somente obriga mulheres a cobrir cabelo e formas do corpo para sair às ruas como também as proíbe de qualquer contato físico com homens que não sejam da mesma família.

O vice-ministro da Cultura, Hossein Noushabadi, foi a público para enviar furioso alerta à atriz.

“Espero que aquelas que atendem arenas internacionais na condição de mulheres iranianas tenham cuidado com a castidade e a dignidade para que a imagem de mulher iraniana não seja manchada aos olhos do mundo”, disse Noushabadi.

“Se elas respeitarem as normas islâmicas, a cultura e as crenças do Irã, é desejável que as celebridades viajem ao exterior. Mas se sua presença ignora valores sociais e critérios éticos, isso é inaceitável para a nação iraniana.”

“Nação iraniana” talvez seja uma expressão exagerada, já que boa parte dos iranianos que conheço (vários meios, várias idades) não se incomodam nem um pouco com o que faz uma atriz no exterior.

“O que há de errado em dar beijinho no rosto? Ainda mais num senhor de 83 anos!”, me disse, irritada, a médica A.J, 62.

Entre os revoltados também estava o Clube dos Jovens Jornalistas, organização ligada ao regime e cuja sede fica pertinho de onde moro. O clube criticou a atriz por ter estendido a mão a Gilles Jacob, um veterano cinéfilo que é misto de ensaísta, crítico e diretor.

Outros acusaram Leila de não ter se coberto o suficiente – ela usava apenas um lenço sobre o cabelo, deixando seu pescoço à mostra, algo também vetado pelo Estado teocrático em vigor desde 1979.

A cada dia, multidões de iranianas que vivem ou passeam no exterior dão de ombros às proibições e fazem o que bem entendem fora da terra natal. O problema de Leila Hatami é seu status de figura pública. Ela está – literalmente – sob os holofotes do cinema, uma das coisas mais globalizadas que existem.

Os ataques contra a atriz me parecem crueis e injustos. Quem critica provavelmente nunca conversou com ela, como eu tive a sorte de fazer, durante um jantar na casa de amigos em comum, no ano passado.

Se os críticos a conhecessem pessoalmente, saberiam que ela declinou vários convites para atuar no Ocidente, inclusive em Hollywood, por recusar-se a atuar sem véu.

Não que ela seja religiosa. Longe disso. Mas Leila Hatami sempre priorizou o Irã – na vida e no trabalho. Ela cresceu e estudou na Europa e fala fluentemente francês, inglês e alemão. Mas ela preferiu instalar-se em Teerã. Leila mora no centro da capital, com o marido, o excelente ator Ali Mosaffa.

Ambos poderiam ter apostado em carreiras no Ocidente, mas seu ganha pão é o cinema iraniano – o das massas locais, não aquele que é exaltado no circuito cult de Nova York a Berlim. “A Separação”, que faturou até o Oscar, em 2012, é uma exceção na sua carreira. Deem uma olhada currículo de Leila e me digam quantos dos filmes em que ela atuou vocês conhecem.

“Minha vida e minha família estão no Irã. Não pretendo mudar isso”, me disse Leila, uma mulher doce, apesar dos ares de diva.

Gritaria à parte, minha aposta é de que ela poderá voltar tranquilamente para Teerã. Seu “pecado” foi leve, ao contrário do que fez outra beldade do cinema iraniano, Golshifteh Farahani, 30, parceira de Leonardo di Caprio em “Rede de Mentiras” (2008). Há dois anos, Golshifteh pousou nua para a revista francesa “Madame Figaro” em protesto contra a condição feminina no Irã. O regime alertou a atriz a nunca mais pisar no país.

* Após dias de uma polêmica que gerou até pedidos para que recebesse chibatadas na volta ao Irã, Leila Hatami pediu desculpas por ter “ferido o sentimento de algumas pessoas” e alegou ter sido pega de surpresa pela abordagem de Gilles Jacob. “Ele é como um avô para mim”, afirmou a atriz.

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Iranianos também são felizes http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/13/iranianos-tambem-sao-felizes/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/13/iranianos-tambem-sao-felizes/#comments Tue, 13 May 2014 14:29:38 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1462 Continue lendo →]]> Iranianos estão aproveitando a onda envolvendo um clipe americano reproduzido mundo afora para quebrar estereótipos sobre a vida na república islâmica.

O clipe em questão é “Happy”, do rapper americano Pharrell Williams, produzido para o filme “Meu Malvado Favorito 2” (2013). O vídeo, como o nome indica, é uma ode à alegria de viver. Personagens de todos os tipos e idades aparecem dançando como bem entendem, enquanto cantam uma musica cheia de funk e soul cujo refrão diz “Por que eu sou feliz/Bata palma conosco se você sente que a felicidade é a verdade.”

Mais uma bobagem comercial, sem dúvida. Mas devo admitir que o clipe, talhado sob expertise hollywoodiana, é incrivelmente contagiante. Me peguei sorrindo feito paspalho ao ver pessoas normais, como você e eu, requebrando de qualquer jeito no meio da rua, inebriadas de euforia.

A música é tão inspiradora que a ONU a escolheu como trilha sonora oficial do Dia Mundial da Felicidade, comemorado em 20 de março. Desde então, pessoas do mundo inteiro são convidadas a filmar sua própria versão de “Happy” e postá-la na internet.

A resposta foi imediata e avassaladora. Pessoas de quase todos os países do mundo, do Sudão ao Brasil, cantaram e dançaram ao som de Pharrell Williams. Curioso constatar que, apesar do formato padronizado em função do clipe original, as reproduções dizem muito sobre o país onde foram produzidas. Um dos vídeos feitos na Arábia Saudita, por exemplo, não traz nenhuma imagem de mulher.

Já os clipes filmados no Irã (links abaixo) estão cheios de mulheres, umas com véu, outras sem _ o que contraria a lei, mas revela a faceta liberal de amplos segmentos da população.

Pela experiência adquirida nestes dois anos e meio morando no Irã, posso garantir que os clipes “Happy” produzidos por aqui refletem bem a juventude moderna, conectada e descolada de Teerã.

O perfil dominante parece ser de classe media, mas, pelos bairros e trajes, identifico também gente com renda mais modesta. Me deu a impressão de conhecer cada uma das pessoas que aparecem nas versões iranianas do “Happy” – marombados da academia, nerds, jovens “pode crer”, estudantes gatinhas, “manos” boa pinta, gordinhos desinibidos, uns mexendo a bundinha, outros fazendo estripulias nos matos ao redor de Teerã. Claro, nem toda a sociedade está retratada ali, mas tampouco esta a era a intenção de quem filmou.

Ficam claras as limitações dos iranianos. Mulheres nos vídeos só tiram o véu em lugares fechados ou na natureza, e ninguém ousa se esbaldar numa rua movimentada. A polícia moral está aí para impedir essas coisas.

Mesmo assim, me parece evidente a vontade dos iranianos de querer mostrar que seu país não se resume a programa nuclear, barbudos extremistas e enforcamentos em praça pública.

Obviamente, a mídia estatal silencia sobre os clipes da moçada feliz.

Deem uma olhada. O primeiro vídeo é o mais bem produzido, mas os outros dois também são eloquentes.

Irã 1

Irã 2

Irã 3

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Irã x Iraque http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/06/ira-x-iraque/ http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2014/05/06/ira-x-iraque/#comments Tue, 06 May 2014 19:42:03 +0000 http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/?p=1434 Continue lendo →]]> Voltei há pouco de Bagdá, onde fui cobrir a eleição parlamentar. Foi minha primeira ida ao Iraque desde que estou instalado no Irã – por isso, minha “lente” mental esteve bastante focada no que une e separa os dois vizinhos.

Primeiro, as diferenças óbvias entre os países, que travaram nos anos 1980 uma das guerras mais bárbaras e mortíferas do século 20.

O Iraque é predominantemente árabe, e o Irã, persa. O Iraque é fragmentado em clivagens confessionais (muçulmanos xiitas, muçulmanos sunitas, cristãos) e étnicas (árabes, curdos e assírios) enquanto minorias no Irã (país majoritariamente xiita e persa) são muito menos expressivas em tamanho e influência. O Iraque tem origem na antiga Mesopotâmia. O Irã até 1935 era conhecido como Pérsia.

O governo iraquiano é uma república parlamentar, enquanto o Irã é uma teocracia. A guerra com o vizinho foi a única que o Irã protagonizou na era contemporânea. Já o Iraque viveu dois outros grandes conflitos, ambos contra EUA e aliados, em 1991 e 2003.

Irã e Iraque estão montados num oceano de petróleo. Mas iranianos vivem sob sanções duríssimas que os impedem de arrecadar o que poderiam com exportações de óleo bruto. Iraquianos se livraram das sanções depois da queda de Saddam Hussein, mas têm sua capacidade petroleira abalada pela violência sectária e pelas ameaças separatistas dos curdos ao norte.

Paisagem e ambiente também opõem os dois países. O Iraque é um grande deserto, enquanto o Irã é cortado de norte a sul, leste a oeste, por montanhas. Teerã tem trânsito enlouquecedor e poluição que deixa a de São Paulo no chinelo. Mas é uma cidade extremamente limpa, bem cuidada e moderna. Serviços são desorganizados, mas funcionam. Em dois anos e meio aqui, só vivi três ou quarto blecautes, causados por obras na rua onde moro. Em matéria de segurança, ouço aqui e ali histórias de pequenos furtos. Mas não conheço uma pessoa sequer que tenha sofrido violência física na mão de criminosos no Irã. A pior história na minha volta é de uma conhecido que teve o iPhone roubado por assaltantes armados com faca.

Já Bagdá é tomada por pobreza, sujeira e destruição. Não só por causa das guerras nos tempos de Saddam, mas também pela violência que não dá trégua e pela corrupção endêmica. A energia elétrica funciona só por algumas horas por dia, obrigando todo mundo a usar geradores a combustível que, além de custarem uma nota, poluem o ar e fazem um barulho insano. Karada, um dos bairros mais caros de Bagdá, não passa de uma favela com fachadas de lojas mais arrumadas que no resto da cidade.

Atentados com carros bomba ou camicases podem ocorrer a toda instante e em todo lugar. Na noite da minha chegada, fui parar por acaso no escritório-residência de uma agência de notícias internacional, onde o chefe oferecia comes e bebes a colegas estrangeiros para festejar seu casamento (a noiva, obviamente, estava no exterior). Enquanto conversávamos num terraço, ouviu-se o eco distante de uma forte explosão. Ninguém deu a mínima. Na véspera, alguns dos colegas que estavam na mesma festinha escaparam por pouco de uma carnificina ao sul de Bagdá. Eles cobriam o comício de candidatos ligados a uma milicia xiita quando viram uma van-bomba avançar a toda velocidade sobre a multidão antes de explodir, estraçalhando mais de 30 pessoas.

Em Teerã, diplomatas e/ou cônjuges e filhos dirigem o próprio carro. Em Bagdá, representantes oficiais se abstêm de sair de suas fortalezas e, quando são obrigados a fazê-lo, andam em comboio de carros blindados com seguranças privados armados até os dentes. Mas o Iraque tem uma grande vantagem para os ocidentais: permite venda de bebida alcóolica, ainda que em pontos restritos. O Irã veta álcool até nos hotéis para turistas, obrigando embaixadas (e amigos) a se abastecerem via mala diplomática.

O principal denominador comum entre Irã e Iraque é o fato de estarem entre os raros países onde os xiitas são maioria. Em Teerã como em Bagdá, comemoram-se o feriado de Ashura com procissões. Nas duas cidades, veem-se muitas imagens dos imãs (santos xiitas). Peregrinos formam fluxo constante entre os dois países – iranianos vão às cidades xiitas santas de Karbala e Najaf, no Iraque; iraquianos lotam voos e ônibus em direção a Mashhad e Qom, os grandes santuários do Irã.

Mas teólogos e clérigos de cada país divergem em muita coisa. Sem entrar em discussões sobre minúcias de jurisprudência e filosofia islâmica, digamos que a escola religiosa de Najaf é mais aberta. Fruto, talvez, da tradição iraquiana de convívio entre grandes comunidades etnico-confessionais com características muito distintas. Já a escola de Qom destaca-se pela militância mais política. Muitos dos aiatolás com discurso mais confrontativo se formaram em Qom. Dito isso, o Irã também produz pensadores islâmicos muito tolerantes e progressistas.

Aparências enganam, e os nomes dos países não têm origem comum. Iraque vem de Uruk, nome de uma cidade que prosperou na Suméria, na Idade do Cobre. Já Irã tem origem no nome Iran, que significa terra dos arianos, em sânscrito.

Nos dois países, o visitante estrangeiro encontra recepção afável e generosa. Cada um à sua maneira, o iraniano e o iraquiano são extremamente hospitaleiros. O primeiro (perdoem as generalizações) tende a ser mais formal. No Irã, pessoas costumam ser ao mesmo tempo afetuosas e cerebrais. No Iraque, o contato é mais espontâneo. Iraquianos, expansivos, falam alto e gesticulam um monte. Confesso, porém, ter ficado impressionado com a gentileza do pessoal do aparato de segurança no Iraque. Mesmo sob sol escaldante e risco constante de ser destroçados por atentados, soldados e policiais iraquianos são alegres e cheios de humor. Agentes iranianos costumam ser mais carrancudos.

Surpreende, por fim, a profunda desconfiança mútua. No Iraque nem os xiitas mais fervorosos se dizem inspirados pelo Irã – seja pelo modelo de governo, seja pela sociedade. Entre os sunitas, então, o sentimento é de hostilidade aberta. Muitos sunitas são nostálgicos de Saddam e compartilham com o ex-ditador um ódio aos persas, que chamam pejorativamente de “safávidas” – nome de uma dinastia xiita que reinou sobre a Pérsia entre os séculos 16 e 18. Xiitas e sunitas concordam em que o atual governo iraquiano, comandado pelo premiê xiita Nuri Al Maliki, deveria afastar-se da órbita iraniana.

Qualquer camelô de Bagdá sabe que Teerã tenta por todos os meios estender seu poder geopolítico, econômico, militar e religioso sobre o Iraque, mas a dimensão exata deste alcance é difícil de avaliar. Americanos e sauditas acreditam que o Irã quer transformar o governo vizinho em fantoche. Mas muitos analistas dizem que a influência iraniana no Iraque é superestimada.

Entre iranianos, o Iraque continua amplamente visto como o país agressor e invasor que deflagrou a guerra. Saddam é considerado o grande culpado, assim como os ocidentais que o apoiaram, mas tenho a impressão que muita gente no Irã se ressente pelo fato de os iraquianos não terem resistido às ordens de partir para cima do povo vizinho. Segundo analistas e diplomatas, iranianos morrem de medo de ver um Iraque novamente forte e altivo – vai que resolve atacar de novo. Na minha primeira ida ao Iraque, em 2009, ouvi do filho de um ministro: “o Irã nos vê como concorrente petroleiro e, por isso, quer nos manter na subserviência e na violência.”

Minha leitura sobre os laços Irã-Iraque estava fechadinha até chegar ao aeroporto de Bagdá para pegar meu voo de volta a Teerã. Lá encontrei um jovem empresário iraniano com quem bati um papo enriquecedor. Massoud, como se chamava, quer construir infraestrutura de telecomunicação no Iraque. “Por causa da violência, ninguém quer investir. Mas o mercado iraquiano tem enorme potencial. Quem estiver disposto a correr o risco pode ganhar muito dinheiro”, me explicou.

Massoud discorda da minha leitura antagônica entre iraquianos e iranianos. “São os mesmos hábitos, a mesma hospitalidade e o mesmo carinho. Para mim, só muda o idioma”. Ponderei que no Irã as pessoas tendem a ser mais polidas e contidas, e que a cultura árabe era diferente da persa. O empresário respondeu: “É só uma questão de acesso a educação e instrução. Faz três décadas que os pobres iraquianos vivem num país em guerra e disfuncional, enquanto o Irã deu um salto em desenvolvimento. Iraquianos são iranianos com 30 anos de atraso.”

Não me convenceu, mas quase.

PS: no Irã se come melhor, mas no Iraque é possível navegar numa internet decente e sem filtros impostos pela censura.

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