Googoosh, a diva do pop persa
01/07/14 12:08“Você mora no Irã, não é mesmo? Pois diga aos iranianos que nós também adoramos a Googoosh”, lançou o tradutor iraquiano, dentro do carro, enquanto circulávamos pelas ruas de Bagdá para fins de reportagem, na semana passada.
Foi naquele momento que eu entendi a verdadeira dimensão de Googoosh, a maior e mais querida cantora na história do Irã. Sabia de sua popularidade em vários países do Oriente Médio, mas não imaginava que o sucesso se estendia até o Iraque, onde a maioria das pessoas geralmente desconfia de tudo que vem do vizinho persa.
Faegheh Atashin, conhecida pelo nom de scène Googoosh, é artista à moda antiga. Daquelas que juntam talento, carisma e uma boa dose de drama pessoal. A voz é afiada e poderosa. Googoosh não apenas canta, mas interpreta com intensidade, chorando junto com o público nas músicas mais tristes. Mesmo com 64 anos de idade, continua “rainha do palco.”
“Ela é fabulosa. Tem uma vozerão, é linda e elegante”, derrete-se o administrador de empresas Ahmad, 32.
Googoosh não pisa no Irã há 14 anos porque o regime a detesta. Isso não abalou em nada seu prestígio junto a fãs de todas as idades e categorias sociais. Entre os meus amigos iranianos de Facebook que seguem a página oficial da cantora há um banqueiro pró-Ahmadinejad, um jornalista gay e uma estudante afegã, entre outros. Na hora em que postei esta coluna, a página oficial da cantora tinha 1,6 milhão de seguidores.
Tenho a impressão de que muitos iranianos amam Googoosh não só pela sua arte, mas também porque ela remete à ideia de um Irã aberto, amoroso e bem sucedido. Imaginem o contraste entre o estilo da cantora e a imagem da mulher que facções mais conservadoras do regime tentam impor.
https://www.youtube.com/watch?v=GBKNr7MqEvw
Além disso, Googoosh estourou bem antes da Revolução Islâmica de 1979, e, por isso, sempre será associada a esta época mais gloriosa para a imagem do país. Eram os tempos do chiquérrimo casal imperial, Mohammad Reza Pahlavi e Farah Diba, cujos palácios Googoosh muito frequentou. Há alguns anos, uma iraniana foi a público dizer que era filha do xá com Googoosh. Ninguém deu bola.
Aqui, Googoosh aparece cantando na festa de aniversário de Reza Pahlavi, filho do xá.
https://www.youtube.com/watch?v=TQH4OG_5ckQ
Outra razão por trás do sucesso de Googoosh, a meu ver, é sua excepcional empatia com o público. Os iranianos sentem-se próximos não só porque ela tem imagem de estrela humana e afetuosa, mas também porque as agruras na vida da cantora levam muita gente a se identificar com ela.
Googoosh sofreu e brilhou quase na mesma medida desde criança. Aos dois anos de idade, seus pais se separaram, e ela ficou com o pai, um acrobata a serviço de baladas e casas de boêmia. A madrasta a tratava mal, e a pobre criança passava noites fazendo malabarismos na noite. A pequena artista começou a ganhar fama ao aparecer em programas infantis na TV. Após atuar em várias filmes, ficou evidente que seu maior talento era o canto. Nos anos 1970, sua carreira nos palcos decolou. Googoosh cantou no mundo todo e fez duetos com superastros do naype de Ray Charles, Tina Turner e Charles Aznavour.
Espécie de Madonna antes da hora, Googoosh também se destacou pelo senso de vanguarda estética. Ícone fashion, Googoosh foi uma das primeiras celebridades no Irã a aparecer de cabelo curtinho, num estilo imediatamente copiado pelas fãs. Na mesma época começava a sucessão de casamentos e relacionamentos fadados ao fracasso.
A Revolução Islâmica, em 1979, selou duro golpe na vida de Googoosh. Primeiro, ela passou meses na cadeia por morar com um homem com quem não era casada. Depois, ela parou de cantar, atendendo à proibição imposta pelo novo regime. Googoosh preferia continuar morando no Irã. Matava o tempo lendo e cuidando de sua suntuosa casa, no norte de Teerã, ao lado do palácio que servia de casa para o xá deposto.
Em 2000, Googoosh decidiu relançar a carreira com uma turnê internacional. Ela saiu do Irã para nunca mais voltar. Desde então, a diva decidiu bater de frente com o regime. Em 2009, ela endossou protestos contra supostas fraudes na reeleição de Ahmadinejad. Há alguns meses, ela iniciou campanha em defesa dos gays iranianos, forçados à clandestinidade para não ser presos ou mortos.Curioso constatar que, apesar de tudo, o regime que bloqueia incontáveis sites vistos como subversivos ainda libera acesso à página da cantora no Wikipedia.
Seus shows, cada vez mais raros, continuam atraindo multidões de iranianos. Há gente que se endivida para vê-la cantando no exterior. Em 2010, preparativos para uma apresentação em Erbil, capital da vizinha Província iraquiana do Curdistão, drenavam tantos iranianos que as autoridades de Teerã fecharam a fronteira. Muita gente não conseguiu chegar no show. Desde então, o Irã pressiona os curdos a nunca mais permitir um show de Googoosh.
Ultimamente, a diva dá sinais de esgotamento, apesar de lutar para continuar brilhando. Sua voz perdeu força. As músicas mais recentes não agradam tanto. O site oficial está parado.
https://www.youtube.com/watch?v=6LnRVlamIlw
“Gosto das velhas canções e acho que ela faria melhor em não voltar a cantar. Seu comportamento não convem para uma senhora de sua idade”, lamenta a professora de matemática Maryam, 45.
A estudante Afsaneh pensa diferente. “Eu a amo. Um dos meus sonhos é vê-la cantando ao vivo antes que ela fique velha demais para isso.”
Vi as observações sobre as comparações entre o regime atual e o do xá.
Em que o regime do Xá era mais repressor?
Podemos afirmar que o xá reprimia os opositores políticos APENAS.
Mas o atual reprime, alem dos opositores, toda a população?
Tem que usar véu, não pode dançar, cantar, ver TV, e por aì vai.
q
Que tipo de gente vê melhorias no atual regime?
Sadam, sob o regime o xá os iranianos não tinham nenhum poder de escolha nem direito a palpite na composição do governo central. Hoje a população elege o presidente, deputados, vereadores e membros de órgãos consultivos. Além disso, a Polícia secreta do xá, a Savak, era muito mais intrusiva e violenta que os atuais serviços de Inteligência, que tendem a fechar os olhos para muita coisa. Dito isso, é evidente que o regime do xá permitia muito mais liberdades individuais (desde que não políticas) do que os atuais dirigentes.
No Irã existe muita informalidade?
Há previdência social? Como é custeada?
Contribuicões de trabalhadores e empregadores, como no Brasil?
Sim, mormai, há muita informalidade no Irã. Aqui, renda é algo muito diferente de salário. Quase todo mundo tem alguma atividade extra – taxi, câmbio, ouro, pequenos negócios imobiliários ou rurais etc. A Previdência social é custeada pelo Estado e pelas empresas. Pessoas físicas não pagam imposto de renda.
E os conhecidos tapetes persas, qual a dimensão deles por aí?
Ulisses, escrevi a respeito deste tema no mês de fevereiro.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/02/1406501-simbolo-da-cultura-iraniana-industria-do-tapete-persa-sofre-com-crise-veja.shtml
Também fiz reportagem para o TV Folha.
https://www.youtube.com/watch?v=yKAEKv1_zzE
Samy como são as relacoes de trabalho ai?
Ha jornada minima semanal?
Descanso semanal?
Ferias anuais?
Salario minimo?
Pode demitir?
Tem que pagar algum tipo de indenizacao?
Mormai, sim, há direitos trabalhistas, férias anuais e salário mínimo. A melhor pessoa para responder essas perguntas é o meu amigo sociólogo iraniano Kevan Harris, de Princeton. Dê uma pesquisado no Google, ninguém estudou questões trabalhistas no Irã tão a fundo quanto ele.
Há no Irã grupos feministas?
Quais as plataformas de reivindicações básicas?
Digo, aquilo comum a todos os grupos e que está na pauta há mais tempo.
Têm voz na imprensa e parlamento?
Sim, Minotauro, existe movimento feminista no Irã, embora esteja em baixa desde os anos Ahmadinejad. Escrevi longa reportagem a respeito da condição feminina no país.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/03/1432402-realidade-velada.shtml
Samy, qual a justificativa do regime para proibir mulheres de cantar em público? Interpretação de alguma passagem do Corão? “Resgate” de um costume persa antigo? Decisão pura e simples dos Aiatolás?
Esta proibição está contemplada na Constituição do país? Alguém pode entrar na justiça contra essa proibição alegando, por exemplo, discriminação?
Fernando, não há nada no Corão que justifique tal proibição. O livro sagrado apenas recomenda pudor, e isso é interpretado de formas diferentes de acordo com a cultura e as leias locais. No caso do Irã, é apenas reflexo das leis conservadoras impostas por Khomeini e seus aliados após a revolução. A motivação aparente é que o canto feminino, segundo alguns aiatolás, soa como provocação sexual. No Irã o sistema judiciário é complexo. As leis são razoavelmente modernas, mas elas pesam menos que fatwas ou regras impostas por algumas facções. Contestar legalmente a proibição seria inócuo, pois seria visto como anti-islã. Bobagem, claro, pois muita gente avalia que nada no islã justifica tal proibição.
Samy, falando em mulheres cantoras.
Há outras estrelas na música persa?
Apesar da proibição, surgiram nomes femininos na música?
Deve ser na clandestinidade ou no exterior.
Marcelo, há muitas cantoras iranianas conhecidas, todas residentes no exterior, nenhuma com o mesmo sucesso da Googoosh.
Falando em mulher o Irã tem cargo de primeira dama?
Os politicos aparecem com suas esposas?
Aiatolás podem se casar?
O Irã não tem primeira-dama. Mas presidentes e demais políticos aparecem ocasionalmente em público com suas esposas, muitas das quais são profissionais bem sucedidas – a mulher do ultraconservador Saeed Jalili, por exemplo, é médica. O islã não só permite como incentiva casamento de seus clérigos. Ou seja que os aiatolás, nível máximo na hierarquia clerical xiita, podem se casar, sim.
Ela poderia ter saído do país quando quisesse.
Tinha dinheiro, e também trabalho fora.
Mas ficou ainda 14 anos após 1979.
Isto significa amor ao Irã ou masoquismo?
Como os aitolás interpretam isto?
Os religiosos, quando escutam as músicas dela têm surtos ou gostam?
Não dá para compreender esta raiva que estes aitolás têm de mulheres.
Max, o amor dos iranianos por seu país é difícil de entender para os nossos padrões. Não sei o que pensam os religiosos acerca das músicas de Googoosh. Imagino que uns gostem, afinal existem muitos clérigos liberais, mas eles são forçados ao silêncio.
Samy, Ramin diz que é iraniano, e que sua matéria lembrou ‘aqueles anos inesquecíveis’.
Seria o tempo anterior à revolução de 1979.
Existe um saudosismo deste tempo?
Caso não houvesse a revolução, o Irã estaria melhor ou pior que hoje?
Você não tem resposta, nem ninguém.
Mas, do que você escuta, como responderia?
Depende da pessoa a quem você perguntar. Muita gente tem saudade dos tempos do xá, sim. Mas muita gente também lembra que a monarquia era uma ditadura implacável que não somente era alheia a qualquer reinvindicação popular como também não tinha o menor contato com a realidade do Irã profundo, rural e religioso. O que significar “estar melhor”? Em muitos aspectos, o Irã regrediu desde 1979 (condição da mulher, liberdade religiosa). Em outros, deu um salto (índices econômicos e sociais, alfabetização, saúde pública etc).
Sim, esta a questão.
Passaram-se 35 anos.
A monarquia tinha suas políticas sociais e econômicas.
Caso tivessem se mantido até hoje, como estaria o Irã?
Dentro do mundo de 1979 o Irã era mais desenvolvido que hoje, no contexto do mundo de 2014?
O que vc escuta sobre esta comparação?
São comparações difíceis de saber, Sizefredo. Como poderíamos adivinhar o futuro do Irã sem revolução? Me parece, porém, que o Irã é comparativamente mais desenvolvido hoje do que na época do xá.
Existe um sentimento de nostalgia, tipo ‘eu era feliz e não sabia’?
Ou então ‘naquele tempo…’?
Há uma nostalgia geral no ar, quando se fala nos tempos anteriores à revolução?
Do voce escuta, o que o povo fala que eles maus ganharam com a revolucao?
O que mais teriam perdido?
Depende de quem for a pessoa a quem a pergunta for dirigida. Muita gente diz sentir saudades do xá, e é comum ouvir o discurso “eu era feliz e não sabia.” Isso explica em grande parte a relutância dos iranianos em lutar por uma nova revolução – pra que derrubar o regime se corro risco de obter algo pior? Mas muita gente também diz que a ditadura imperial era muito mais repressora que a dos aiatolás. Além disso, o Irã hoje é muito mais poderoso e desenvolvido do que na época da monarquia.
Que história bacana. A voz de Googoosh é gostosa de ouvir e o texto é uma delícia de ler. Samy, traz um CD dela pra mim, rsrs
Abraço e bom trabalho.
Estrábica, charmosa e grande artista. Obrigado por me apresenta-la. Vi apenas o 1º vídeo, e basta. Quantos anos ela tinha ali? Chuto, pelo teu texto, uns 50. Tem um jeito de achar a letra da música, em Inglês ou Português?
Sami,
Sou Iraniano há 30 anos longe da pátria, seu texto foi relato idêntico da realidade dos sentimentos que os Iranianos tem em relação ao Googoosh, nos anos 80 quando morei um tempo em Paquistão, lá mesmo onde a lingua não era Persa, os cartazes da Googoosh eram espalhados pelo país inteiro. A voz dela é eterna e sempre será, as músicas e toda lembrança daqueles anos inesquecíveis. Obrigado pe
la reportagem, vc mexeu no intimos sentimentos dos Iranianos com este artigo.
Olá, Samy. Estou lendo o livro “Mainstream”, de Frederic Martel, sobre as indústrias criativas: livros, música, cinema, televisão… Sobre o oriente médio e mundo islâmico, os destaques são para o Egito, Lìbia e Emirados Árabes como polos produtores e exportadores de “cultura” mainstream para a região. Será que vc saberia indicar outro livro que aborde o tema, tendo como foco o “mundo islâmico”?
Saudações,
André, recomendo os livros do libanês Amin Maalouf.
Obrigado Samy, você tem oferecido muito conteúdo bacana daí. Seu blog é um alento pra quem gosta de acompanhar o país e a região.
Abs.
O presidente Houani é fã dela também?
Que mal tão grande ela fez para ser exilada?
Há vozes na política fazem este questionamento em público?
Não sei se o Rowhani é fã dela, Paulo Otavio. De todo modo, ele não tem poder nenhum para decidir quem vai e quem não vai para a cadeia. Ele não consegue nem sequer cumprir a promessa de campanha de liberar o Facebook, o que dirá reconciliar o regime com uma artista que defende gays e acusa autoridades de fraude eleitoral. Lembre-se que a razão que a levou a sair do país foi a vontade de voltar a cantar. E o Irã proíbe mulheres de cantarem sozinhas.
Samy, mas afinal, o que uma artista, ao exercer sua arte, faz de mal?
Qual o crime que ela comete, pelas leis iranianas?
Quer dizer que ela, a maior cantora do Irã, não pode entrar no seu país?
Ela não deveria, sim, receber uma comenda do governo?
Por que o governo não deixa o povo julgar Googoosh, comprando ou não seus cd,s e assistindo seus xous?
Sendo ela uma artista tão popular, no parlamento e na imprensa ninguém questiona o banimento dela?
Paulo Otavio, essas perguntas devem ser feitas ao regime, não a mim. A lei iraniana proíbe voz feminina que não seja acompanhada de uma masculina.