Algo de podre no ambiente pré-copa
10/06/14 17:37Antes da copa de 2006, última participação do Irã em mundiais, Teerã vivia clima de euforia e paixão pela seleção, me contou um amigo veterano correspondente estrangeiro por aqui. Bandeiras nacionais tremulavam na lataria dos carros, cartazes comemorativos enfeitavam esquinas e o então presidente Mahmoud Ahmadinejad só não foi assistir aos jogos porque a Alemanha barrou seu pedido de visto.
Ausente em 2010, o Irã garantiu presença para a Copa do Mundo no Brasil na última rodada das eliminatórias, num ambiente de transe popular pela vitória contra a Coreia do Sul surgida apenas três dias após outra vitória comovente, a do conciliador Hasan Rowhani na eleição presidencial.
Mas, em vez de intensificar-se com a chegada da copa, a alegria cedeu lugar a uma estranha apatia.
Às vésperas da estreia iraniana, contra a Nigéria, em Curitiba, não se vêem enfeites, adesivos ou cartazes. Nas ruas de Teerã, o único lembrete de que o país está na copa são os outdoors promovendo TVs da Sony e da Samsung.
Sim, o assunto Copa do Mundo domina capas de jornais e o espaço nas rádios e TVs. Fissurados em consumo de notícias, iranianos acompanham com atenção a rotina de sua seleção, instalada em Guarulhos. O assunto está nas conversas, mas de maneira burocrática, xoxa, tratado sem o menor tesão.
O símbolo mais gritante deste desânimo foi a cerimônia de despedida da seleção. Ao sentir que o comparecimento popular não seria suficiente para encher o megaestádio Azadi, no sudoeste de Teerã, a Federação de Futebol do Irã optou por um ginásio coberto. Em vez das 12 mil pessoas esperadas, apareceram mil e poucas. Em sua maioria, amigos e parentes dos jogadores. O presidente Hasan Rowhani havia sido anunciado dias antes, mas acabou não dando as caras. Ele também não vai ao Brasil, apesar de ter sido convidado, na condição de chefe de governo de país participante.
Por que o clima acerca da seleção está diferente em relação à copa de 2006?
Vejo vários fatores – e admito que minha explicação é fruto de pura especulação.
O primeiro tem a ver com futebol em si. O Irã caiu num grupo de adversários barra pesada: Nigéria e Argentina, além das mais modesta Bósnia-Herzegovina. Quase ninguém se atreve a pensar num salto rumo às oitavas, apesar de a equipe conhecida como “time mê-lí” (time nacional, em farsi) liderar o ranking da FIFA entre seleções asiáticas. Na copa da Alemanha, os rivais eram México, Portugal e Angola. A composição da chave de 2006 permitia à torcida iraniana sonhar com uma classificação para a segunda fase, que acabou não rolando.
Além disso, o nível dos jogadores do “time mê-lí” deixa a desejar, segundo me disse o técnico português Carlos Queiroz, que treinou Portugal no mundial de 2010, em entrevista exclusiva. Falta um craque, um fora de série ou até mesmo um líder. O melhor do time é o meia Javad Nekounam, que fez bonito nas seis temporadas no Osasuna, mas que já sente o peso da idade (33) e hoje vegeta no Kuwait. Na reta final da preparação para a copa, o time emendou empates contra Belarus, Montenegro e Angola. O goleiro titular, Daniel Davari, nasceu na Alemanha e fala farsi tão mal que não consegue se comunicar com a defesa. Em 2006, a seleção ainda tinha dois dos maiores craques da história iraniana: o meia Ali Karimi e o centroavante Ali Daei, recordista mundial da FIFA em gols marcados em partidas oficiais internacionais.
O segundo fator por trás da apatia é, a meu ver, a nuvem negra de problemas que paira sobre a seleção. O técnico acusa a federação de não investir em infraestrutura e de não ter desembolsado o cachê necessário para fazer amistosos de preparação contra times de qualidade. Fontes da federação alegam que foi Queiroz quem não quis enfrentar boas equipes. Uma fonte próxima da federação me disse que Argélia, Chile e até Espanha estavam dispostas a jogar contra o Irã.
Também há uma disputa constrangedora por causa dos uniformes. Queiroz diz que o material fornecido pela Uhlsport é de péssima qualidade e se queixa que a federação vetou troca de camisas após os jogos por falta de estoque suficiente. A federação bota panos quentes, mas não nega o problema.
O fator número três é ainda mais distante das preocupações esportivas. A copa no Brasil será a primeira do Irã após os fatídicos acontecimentos de 2009. Naquele ano, o regime esmagou megaprotestos contra supostas fraudes no reeleição de Ahmadinejad. Muitos iranianos ficaram tão desgostos com o nível de repressão e a quantidade abissal de prisões e atos de torturas que acabaram se afastando de tudo que diz respeito ao Estado. Isso inclui a federação de futebol e até a TV, monopólio do regime. Há quem jure que até a média de público da liga de futebol professional, incluindo a do superclássico entre os gigantes de Teerã (Esteghlal x Perspolis), caiu desde 2009.
A quarta razão é mais difusa. Vejo um sentimento generalizado de desilusão e cinismo. Reflexo, talvez, da crise econômica causada pelas sanções ocidentais, que esvaziou os bolsos e azedou os ânimos. Some-se a isso uma crescente dose de impaciência com Rowhani, alavancado à Presidência em junho de 2013 graças à promessas até agora não transformadas em realidade. A economia não melhorou. O preço da gasolina aumentou 70%. Rowhani também até agora não peitou os linha dura do Judiciário e do aparato de segurança, que continuam oprimindo, executando e prendendo a esmo.
Mas os iranianos são grandes procrastinadores. E é possível que eles, a exemplo do ocorrido na eleição presidencial de 2013, se empolguem na última hora. A vida aqui às vezes brota onde e quando menos se espera. O consulado brasileiro em Teerã, como já escrevi aqui, pena para dar conta de tanto pedido de visto para assistir aos jogos (e dar uma curtida em terras mais livres). E todo mundo vai assistir aos jogos.
Quem sabe uma participação honrosa, ou até mesmo uma vitória contra a Argentina, não ressuscita a chama adormecida de uma nação apaixonada por futebol?
Neste caso mencionado, da abertura da copa.
As pernas (bonitas…) da Cláudia Leite e da outra cantora foram mostradas?
Se não, o que fazem, colocam tipo uma tarja na imagem?
Caso a geração das imagens seja própria, desviam as câmeras?
Transmitem com delay e editam para inserir imagens neutras, como torcida cantando.
Oi Samy, alguma repercussão no Irã desta notícia abaixo?
Homofobia é alvo de ‘beijaço gay’ em dia de Irã x Nigéria em Curitiba
Um grupo de torcedores iranianos não sabia direito, mas a manifestação que ocorria a uns 30 metros de distância de onde eles entoavam gritos de apoio à sua seleção tinha como alvo a homofobia registrada no Irã e na Nigéria. A manifestação ocorreu na manhã desta segunda-feira, horas antes do confronto entre as duas seleções, na Arena Curitiba.
Um grupo da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) protestava contra o fato de Irã e Nigéria serem considerados dois dos países mais intolerantes à orientação sexual. Homossexuais são condenados à pena de morte nos dois países. Para escancarar o repúdio ao fato, alguns integrantes do grupo manifestante trocavam beijos.
“Iraniano é nosso amigo, mexeu com gays, mexeu comigo” era um dos cânticos entoados pelos manifestantes, que decidiram fazer o protesto em virtude de Curitiba ter recebido jogos de seleções cujos países são popularmente conhecidos pela intolerância sexual: além do Irã, jogarão na capital paranaense Nigéria, Argélia e Rússia, nações com sérias restrições a quem se encaixa na classificação LGBT.
O constrangimento de uma parte dos iranianos que passavam pelo local, no centro de Curitiba, só se deu depois de serem informados pela reportagem do UOL Esporte sobre o conteúdo dos cânticos e o motivo da manifestação. Além de não saberem previamente do protesto, se negavam a falar sobre o assunto. Quando informados que era a respeito das atitudes do governo de seu país contra os gays locais, os torcedores viravam a cara e iam embora.
Samareh Azadi, de 28 anos, porém, não se conteve e decidiu declarar seu apoio ao protesto. “Eu deixei o Irã há um ano porque não me encaixava no regime. Como há muitas culturas diferentes dentro do Irã, há muita gente que não entende quando vê um protesto como esse. Eu, no que puder ajudar, sou totalmente favorável ao protesto”.
Postura completamente diferente da adotada pela maior parte dos iranianos que passavam pela manifestação, no centro de Curitiba. Quem aceitava falar sobre o assunto, negava-se a declarar o nome. “Sim, há repressão no Irã e na Nigéria. É difícil entender porque é uma cultura diferente em relação ao Brasil e a outros paises da Europa”.
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/06/16/torcedores-do-ira-sao-alvo-de-beijaco-gay-por-grupo-lgbt-de-curitiba.htm
Fernando, até agora não vi nenhuma repercussão, nem em conversas nem na mídia.
Bom, acho que poucos grupos nessa copa são mais acessíveis que este que o Irã pegou. O problema é que realmente o time é um dos menos competitivos da competição. Diga-se totalmente de passagem, acho que você se equivoca quando diz que a Nigéria é melhor que a Bósnia.
Talvez o que tenha acontecido é que os iranianos tenham caído na real quanto à qualidade de seu futebol. Como você disse, em 2006 havia tanta empolgação e a campanha foi absolutamente pífia, não conseguindo sequer bater o medíocre time angolano. Talvez quando o Irã consiga finalmente passar da fase de grupos, coisa que nunca fez, ou ao menos chegue perto disso, coisa que também nunca fez, a situação mude.
Samy, é verdade que existia uma indústria de vinho no Irã antes de 1979?
Em qual região?
Ainda existe?
Os iranianos gostam de vinho?
Como compram?
Quanto custa por aí?
Baco, existia, sim, uma indústria do vinho iraniano antes da revolução. A cidade de Shiraz, no sul, deu origem à uva homônina. Hoje a bebida é vetada, como todas as outras. Existe um mercado clandestino de álcool, mas vinho é mais difícil de achar, pela dificuldade de transporte. Vodca, cerveja e uísque são o que os iranianos tomam às escondidas. Dito isso, os iranianos judeus e cristãos têm direito assegurado por lei de beber álcool e produzir vinho, desde que o façam na esfera privada.
É fácil conseguir bebida alcoólica em Teerã? Uma garrafa de uísque Red Label 8 anos (rótulo vermelho), quando sai, mais ou menos?
Em dólares, para facilitar a comparação.
A bebida foi proibida logo em março de 1979, ou foi depois? Há algum debate sobre liberação de bebidas alcoólicas no Irã?
Não é muito difícil achar uma garrafa de uisque, há muitos contrabandistas. Custa em torno de USD 50. O problema é a origem. Quase todas as garrafas são adulteradas. A bebida foi proibida meses após a revolução. Não existe debate sobre liberação. Há alguns anos, cogitou-se permitir bebida para turistas estrangeiros em certos hoteis, mas os linha dura vetaram.
Samy, gostaria de pedir que seu próximo post fosse sobre como o Irã está lidando com a situação no Iraque, o aitolá Ali al-Sistani convocou o povo a lutar contra os sunitas vindo da Síria..
O que acha que vai ocorrer? uma divisão do país em dois? Independência do Curdistão? O irã teria como auxiliar os xiitas majoritários no Iraque?
Abraço.
Difícil prever, Heitor. De todo modo, o Irã está preocupadíssimo e não medirá esforços para repelir o avanço dos jihadistas no Iraque. Que ironia o Irã e os EUA compartilhando mais uma vez o mesmo inimigo.
Está repercutindo muito por aí? Li hoje que o governo iraniano mandou a divisão estrangeira da Guarda Revolucionária, acha que haverá uma intervenção direta?
Heitor, tenho escrito a respeito deste tema na edição impressa desta Folha.
A copa sera transmitida pela TV do Irã?
Todos os jogos?
O que mais?
Qual a geradora de imagens no Brasil?
Sim, Marcelo, a TV iraniana comprou direitos de transmissão e mandou várias equipes ao Brasil (Canais 2, 3 e 6).
O que as TVs daí estão mostrando sobre o Brasil?
Mostram as praias e as mulheres brasileiras?
Alguma novela brasileira é ou foi transmitida no Irã?
Marcelo, as TVs iranianas andam mostrando tudo, inclusive muita reportagem sobre os protestos. Mostram praias e ruas cheias, mas evitam mulheres com corpo muito aparente. Até onde sei, nenhuma novela brasileira foi transmitida no Irã.
Samy, a abertura foi transmitida na íntegra, mostrando as pernas da Cláudia Leite e das demais participantes?
A vaia em Dilma também saiu?
Há muita diferença da cobertura de uma Rede Globo e da TV do Irã, em termos estéticos?
Roberto, a TV iraniana comprou os direitos de transmissão, mas censura corpos femininos muito expostos.
Estava este guia sobro o Irã, talvez viaje para lá um dia.
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ira/ira.php
O que significa a palavra Azadi?
Dá nome ao famoso monumento, e vi agora que ao estádio.
Deve ter um significado especial em farsi.
Salomão, Azadi significa liberdade. O monumento é da época do xá.
Nestes vídeos publicados sobre o Irã, vê-se sua arquitetura e urbanismo.
Há muita coisa nova, pós Revolução, o de foram geral as construções ainda são as época do Xá?
A revolução trouxe mudanças na urbanização, ou ainda seguem os modelos anteriores?
Parte importante da infraestrutura urbana e dos prédios remonta à época do xá. Mas o boom econômico dos anos 1990, fruto da normalização com o Ocidente e da bonança petroleira, gerou uma explosão de construções modernas, algumas das quais são impressionantes. Dito isso, a especulação imobiliária pós-revolução _aliada à corrupção_ alterou a paisagem de Teerã. Alguns dos bairros mais novos se expandem de forma caótica e desordenada. Em algumas ruas do norte da capital falta até calçada, embora os prédios sejam suntuosos.
Samy, também vejo aqui no Brasil “algo de podre no ambiente pré-copa”. Não vejo as pessoas muitos empolgadas, embora as razões sejam um pouco diferentes que aí no Irã. Me arrisco a dizer algumas:
primeiro, gastos públicos excessivos na infra-estrutura da Copa, corrupção e atrasos nas obras; segundo, o “pão e o circo” parecem não satisfazer mais os brasileiros como antes. Talvez isso se deva às melhorias (lentas, mas visíveis) no grau de educação e consciência política do povo. Mais pessoas estão cientes do uso político e comercial do futebol. Quase todo mundo sabe que times são grandes empresas que lucram milhões encima do fanatismo do povão; terceiro, desilusão com o futebol, muita violência nos estádios, corrupção e ostentação de jogadores milionários que não fazem absolutamente nada pelo país ou pelo povo.
Suspeito que Brasil e Irã têm muito comum nesses quesitos!
grande abraço
Fernando