Não abram, é a Polícia!
08/04/14 13:15Boa parte dos prédios residenciais de Teerã têm interfone com câmera acoplada. Toca a campainha, e você, antes mesmo de atender, pode conferir na telinha quem está na portaria. Ótimo contra ladrões. Ótimo também contra a Polícia, que vive querendo entrar nos edifícios em busca de parabólicas ilegais.
Os policiais geralmente não entram nas casas sem mandado de busca. Mas eles têm acesso às áreas de uso público, como garagens, piscinas de condomínio e terraços. Quando conseguem colocar a mão nas antenas, desmontam e confiscam tudo. A coisa não costuma ter consequências mais graves, mas obriga moradores a comprar novas parabólicas (individuais ou coletivas) e pagar mão de obra para instalar tudo de novo.
O Estado teocrático iraniano tem o monopólio sobre emissoras de TV e rádio. Canais estrangeiros são vetados sob pretexto de ser moralmente corruptos e de propagar ideias destinadas a derrubar o regime islâmico em vigor desde a revolução de 1979. Verdade seja dita, algumas emissoras, como BBC Persian e Voice of America (bancada pelos EUA), fazem militância aberta contra o governo iraniano.
Apesar da proibição, os tetos das cidades iranianas se parecem com uma floresta de parabólicas, compradas sem dificuldade no mercado negro. Tem modelos nacionais, importados, uns mais voltados para canais europeus, outros para emissoras do Oriente Médio etc.
Ao perceber que mandar policiais de porta em porta equivalia a enxugar gelo, autoridades morais adotaram política mais agressiva. Nos últimos anos, passaram a disparar pelos ares sinais eletrônicos destinados a cortar as transmissões que saem dos satélites estrangeiros em direção às parabólicas. Esses sinais são chamados de “parasitas” – para-zít, em farsi. Sua eficácia é impressionante. Ao ligar a TV em canais estrangeiros, você se depara com tela fragmentada em quadradinhos e sons estridentes e entrecortados. Impossível assistir. Conheço gente que está há meses sem poder curtir canais estrangeiros. Os traficantes de parabólicas dizem que as antenas voltam a funcionar se forem deslocadas para as varandas, onde ficam menos expostas aos parasitas – mais expostas, porém, aos olhares de quem está na rua.
Rumores sobre possíveis riscos à saúde ganharam força em 2012, quando um conhecido médico disse que o aumento dos abortos espontâneos no Irã era consequência dos parasitas no ar.
Há alguns meses, a vice-presidente da república para temas ambientais, Massoumeh Ebtekar, disse que os sinais podem causar câncer.
O problema é que quem manda em questões morais e de censura não é o governo, mas o Judiciário e o aparato de segurança, dominados por ultraconservadores (não eleitos) opostos às políticas conciliadoras do presidente Hasan Rowhani. Aos olhos dessa turma linha dura, vale qualquer esforço para preservar a nação da “westoxification”, a intoxicação cultural supostamente causada pela imposição das ideias ocidentais.
Amigos iranianos me contaram que a situação era muito pior até o início dos anos 1990, quando o regime bania até aparelhos de videocassete. Fitas contendo filmes, documentários e videoclipes entravam no país escondidas em malas de roupas e presentes. Nas escolas, professores incentivavam crianças a denunciar os pais.
Hoje em dia, qualquer loja de eletrodomésticos vende aparelhos de DVD de última geração. Os filmes continuam oficialmente vetados, mas ambulantes nem precisam mais se esconder para vender todo tipo de obra (inclusive os mais impensáveis) nas ruas, na saída dos restaurantes ou em postos de gasolina.
Queria saber algo diverso do assunto do teu artigo. Como é a relação dos iranianos com a natureza? Ecologia, preservação? A minha impressão (Google Earth) é de que o terreno do Irã é em sua maioria desértico/árido, estou correto?
O Irã é, de fato, coberto por desertos e montanhas, mas isso não impede os iranianos de ser apaixonados por atividades ao ar livre. Muita gente faz trilha, piquenique e esquia. O país tem até um feriado pelo Dia da Natureza, em 1 ou 2 de abril, dependendo da data no calendário persa. Mesmo assim, a consciência ecológica é mínima. Infelizmente, a questão ambiental no Irã é gravíssima.
http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2013/07/12/bomba-ecologica-no-ira/
Falando em Tunísia, uma postagem do portal IRANEWS sobre o assunto.
Consta este portal trazer notícias sobre Irã, na língua portuguesa.
Você tem conhecimento, sabe quem o faz?
Parece ser ligado ao regime.
Esta notícia abaixo em verdade é uma reprodução de um texto.
Tem divulgação livre no Irã, a tradução é boa?
http://www.iranews.com.br/noticia/12001/qual-sera-o-rumo-da-tunisia
O site é claramente voltado para o público externo.
Eu sempre acesso este site.
Este site ‘Iranews’ é feito por agência oficiais do Irã?
Por iranianos, brasileiros, portugueses?
Tento decifrar a linha editorial, parece ser favorável ao governo do Irã.
O site parece mesmo ser alimentado por simpatizantes do Estado iraniano, mas é difícil saber com certeza.
Samy, bom dia
Quais são as funções da guarda revolucionária na política interna?Ela está atrelada ao judiciário e a este aparelho de segurança moral? É verdade que a Guarda Revolucionária é formada por pessoas da elite iraniana?
Houti, a Guarda Revolucionária é responsável pela segurança estratégica, controle das fronteiras, programa de mísseis, inteligência interna e externa etc. Ela só entra em ação abertamente em casos de urgência, como protestos. Não está atrelada ao Judiciário nem às autoridades morais. Aliás, a guarda muitas vezes é tida como mais moderna e pragmática do que outros órgãos do regime. São militares, muitos dos quais com experiência em campos no exterior (envolvimento iraniano na Síria, Líbano, Iraque, Afeganistão etc) e com importantes atividades empresariais. Ao possuir grandes empresas e fundos de investimento, a guarda pesa muito na economia iraniana. Os membros da guarda formam a elite militar e parte da econômica. Mas as elites intelectuais, acadêmicas e políticas estão em outros segmentos.
Samy, creio que a Revolução Iraniana é uma referência no mundo islâmico: AQUILO QUE UM GRUPO QUER, E AQUILO QUE OUTRO GRUPO ABOMINA.
Talvez o mesmo de muitos moradores dos países árabes seja tornarem-se o Irã.
Nesta ‘primavera árabe’ isto foi muito comentado: os movimentos, invés de levarem à democracia, descambarem no Irã.
No Egito talvez este receio explique a intervenção militar.
Na Tunísia, depois de sinais de islamização, o povo foi às ruas e segurou a onda.
O resultado: UMA CONSTITUIÇÃO MODERADA ENTRE LAICIDADE E ISLAMISMO.
Não seria esta constituição um sonho de consumo de muitos iranianos, aquilo que gostariam que fosse feito em 1979.
Khomeini impôs uma constituição não feita pelo, para por um grupo religioso.
Como a experiência da Tunísia é comentada no Irã: com forte censura pelo regime, ou como um modelo de esperança?
Claro que falo tudo isto vendo as notícias na imprensa, aqui do Brasil.
Nunca estive e não vivo em nenhum destes locais.
Abaixo uma notícia.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/33660/tunisia+aprova+nova+constituicao+com+reducao+de+influencia+islamica+no+pais.shtml
Mormai, não creio que a Tunísia inspire muita gente no Irã – nem governo nem população. São modelos completamente diferentes. A Tunísia está muito distante, geografica, cultural e politicamente. Há muita informação disponível sobre a Tunísia, pois o noticiário internacional no Irã é farto. Mas os iranianos sabem que os tunisianos não querem um Estado no modelo de Teerã.
Samy, o que eu queria saber é se não fica no ar uma atmosfera de ‘inveja’ da Tunísia. Pois eles fazem sua revolução e podem escolher seu destino. Ao passo que no Irã a revolução não deu chance de escolha ao povo.
Ao que sei, não houve uma constituinte com amplos poderes, participando toda a população.
O regime foi imposto.
A impressão que passa é que o Irã trocou um rei por outro, com outras vestimentas.
Khomeini ficou dez anos no poder.
O líder atual, Khamenei, está há uns 35, entre presidência e liderança suprema.
De que forma a população escolheu este regime teocrático?
Não fica no ar, no Irã, um comentário em relação à Tunísia, tipo:
“Segurem a direção de seu destino com força agora, caso contrário será difícil mudar no futuro.”?
Muitos iranianos se frustraram com os rumos da revolução e, talvez por isso, avaliam que não valeria a pena um novo levante para derrubar o regime. Revoluções são traumáticas e custosas demais para acontecer a cada geração. No caso do Irã, a teocracia e a população aprenderam a lidar uma com a outra. O país é estável, seguro e razoavelmente desenvolvido. Dentro de casa, as pessoas fazem o que bem entendem, alheios a todas as proibições morais. Há pobreza, mas não na proporção do Egito ou da Índia. Serviços públicos funcionam. E todos olham com pavor para países como Síria, Líbia e Egito. Minha avaliação é de que muitos iranianos se tornaram cínicos. Preferem achar as brechas no atual sistema, que conhecem de cor, a arriscar-se em caminhos incertos e violentos.
O Poder Legislativo do Irã funciona mais ou menos como no Brasil?
No sentido dos parlamentares terem contato com seus eleitores, ouvirem seus pedidos, terem que buscar votos para a reeleição…
Pelo que sei, como o líder supremo faz a seleção das candidaturas, por aí os políticos talvez tenha primeiramente que agradar ao lider.
Também, as sessões do parlamento são públicas e transmitidas pela televisão, para a população ver o que faz o Legislativo?
Ulisses, não é bem o líder supremo que filtra candidaturas, mas o Conselho de Guardiães da Revolução, grupo de 12 fiscais ideológicos. Dito isso, mesmo que os candidatos tenham sido aprovados pelo conselho, eles precisam brigar pelo voto popular. Ou seja que os deputados são obrigados a manter contato com os eleitores, muitos dos quais moram nas áreas mais remotas do Irã. Algumas sessões são transmitidas ao vivo pela televisão, algumas muito embaraçosas. Em 2012, o então presidente Mahmoud Ahmadinejad foi intimado a comparecer no plenário, onde fui humilhado por deputados que o acusaram de ser corrupto e incompetente. Ele escapou por pouco de um processo de impeachment – ferramento prevista na lei. Ou seja que, apesar das linhas vermelhas ideológicas, o Irã tem intensa e feroz visa política e partidária.
Sou curioso pelo Irã.
Acompanhei um pouco pela imprensa, e uma das acusações foi que o então presidente Ahmadinejad estaria se insubordinando ao líder supremo.
Esta característica peculiar do regime iraniano ficou evidenciada.
Dos limites do voto popular na condução do país.
Samy, aproveitando o tema e para não perder o raciocínio.
1. Os deputados são eleitos majoritariamente, todos concorrem no país todo, ou são escolhidos pelos eleitores de províncias ou Estados?
2. Uma das promessas do atual presidente é liberar a internet. E ele foi eleito por ampla maioria.
Vi na imprensa muitos deputados contra isto.
Se os deputados são efetivamente vinculados ao voto, não deveriam estar na mesma “onda”?
Quer dizer, o mesmo eleitor que votou no presidente não é o mesmo que votou nos parlamentares?
Deputados são escolhidos pelos eleitores em circunscrições chamadas de distritos. Há mais de 200 distritos, o maior é Teerã, com 30 cadeiras. Em relação à internet, a coisa é mais complexa. As dinâmicas locais e nacionais são muito diferentes. O deputado se elege prometendo construir pontes, escolas e hospitais. O eleitor sabe que o controle da internet não depende do Legislativo, mas do aparato de segurança e do Judiciário. Além disso, o Parlamento muitas vezes acaba sendo uma arena de competição para ver quem é mais leal à ideologia do regime. Por definição, não é um lugar propício para discutir avanço das liberdades. Eventuais progressos são geralmente acarretados pela Presidência e por alguns clérigos mais liberais.
Gato por lebre Samy! Quando o povo saiu às ruas para a revolução, eles queriam isto também, acabar com a programação de TV que existia na época? Na sua opinião, arriscando um palpite (PALPITE…), se fosse perguntado em consulta popular sobre a liberação de parabólicas, qual SIM ou NÃO, qual seria o resultado? Sim, existe algum discussão sobre consultas populares, quaisquer que sejam?
Junior, não tenho informação suficiente para palpitar sobre a TV na época do xá, mas certamente a programação tinha muito de culto à personalidade do imperador. Enquanto à liberação das parabólicas, arrisco dizer que quase todo mundo é favorável, pois até os religiosos, conservadores e simpatizantes do regime assistem a canais estrangeiros via satélite. Existem, sim, consultas populares para fins sociológicos, de inteligência ou simples marketing de empresas.
Então, se todo mundo é favorável, ficou fácil: por que não liberam o uso de parabólicas?
Vão agradar à população, e acabar com a clandestinidade.
O Estado saberá com mais precisão o que a população assiste na televisão…
Estas emissoras que ‘fazem campanha aberta’ ao governo, têm muita audiência?
Mas, qual o limite entre criticar e fazer campanha contra o governo?
No Brasil a Folha de São Paulo é crítica ao governo, a Globonews transmitiu ao vivo o julgamento do mensalão.
As criticas destas emissoras não possuem um público no Irã?
O regime entende que críticas não é democracia, mas terrorismo, é isto?
Deve haver outras programações destas emissoras estrangeiras em farsi.
Ao padrão ocidental.
Estes programas fazem sucesso entre os iranianos?
Homero, muita gente se mantem informada graças aos canais BBC Persian e Voice of America em farsi, que são muito populares, embora banidos. A pluralidade de opiniões no Irã é imensa, e a mídia consegue traduzir parte disso. Dito isso, é óbvio que o regime se sente desconfortável com críticas. Questionamentos a indivíduos (presidente, ministros, políticos, militares, clérigos, comentaristas etc) são amplamente tolerados. Mas quem critica o líder supremo ou o próprio sistema de governo teocrático está sujeito a acusações de “inimizade contra Deus” ou de conspirar com os inimigos estrangeiros contra a nação.
Quais seriam as sanções por ‘lutar contra Deus’? Estas duas classificações são muito amplas.
Dá para enquadrar tudo o que se quiser nestas duas acusações.
Vai da conveniência do momento.
Se discute abertamente a obrigatoriedade do uso de véus, privatizações na economia, ou opção de deixar para as pessoas decidirem sobre educação laica ou não nas escolas?
Dependendo como for, dá para enquadrar tudo como ‘luta contra Deus’.
Creio que todo jornalista no Irã fica ‘pisando em ovos’ para fazer qualquer comentário.
Samy, e esta censura aos meios de comunicação inclui também os correspondentes internacionais, como você, por exemplo? Você tem acesso livre à internet e TV? Se não, como você obtém informações no dia-dia?
Abraços nordestinos!
Fernando
Fernando, a proibição vale para todo mundo, mas não é segredo que o prédio onde moro tem parabólica e que eu uso softwares antifiltros para navegar na internet.
Existem cinemas no Irã? Passam que filmes que conhecemos no Brasil? Dentre estes filmes dos camelôs há pornográficos? Se a polícia pegar, mata ou bate? Sou curioso…
J Pavani, existem muitos cinemas no Irã, salas modernas e confortáveis. Mas a programção é quase toda de filmes nacionais. Em raras ocasiões, passam filmes ocidentais. Eu, por exemplo, já vi “Onde os Fracos Não Têm Vez”, dos irmãos Cohen. Ambulantes vendem principamente filmes de Hollywood, mas também possuem filmes pornográficos. Se a Polícia pegar, o mais provável é multa ou ida à delegacia, sem graves consequencias. Às vezes tenho a impressão que a Polícia brasileira bate e mata com mais facilidade que a iraniana.
Isso lembra a época da ditadura. Não era igual, mas mesmo criança percebia o ambiente opressivo. E há quem tenha saudade! Ou goste de ditadura no país dos outros.
Pelo menos no Brasil não acabou logo. Quem nasceu no começo da censura, quando cresceu já era em liberdade. Na Pérsia é mais de uma geração que só conhece essa tristeza….