Quando Teerã vira outra cidade
25/03/14 12:33Ninguém em sã consciência ousaria dizer que Teerã é um lugar agradável. A caótica metrópole de 12 milhões de habitantes sofre com trânsito, poluição e barulho que fazem São Paulo parecer um vilarejo suíço. Estresse o tempo todo – ou quase isso. Existe um período no ano, de no máximo duas semanas, em que a capital se torna um recinto de sossego. E este período é agora.
O início da primavera, na última sexta-feira, selou a chegada do Nowruz, o Ano Novo persa. Tempo de megafaxinas (como já mencionado nesta coluna), comemorações e votos de felicidade. Passada a euforia que eletriza a nação antes da virada, igualzinho ao fim de ano brasileiro, o Irã entra em estado de virtual paralisia. Aulas são suspensas, o governo fecha as portas e o comércio libera funcionários. Estradas, aeroportos e rodoviárias entopem com tanta gente aproveitando as férias para respirar outros ares. E eis que, como a cada ano, o final de março transforma Teerã numa cidade pacata e aprazível.
Incrível como a crosta marrom de poluição que cobre a capital se desintegra já no primeiro dia das férias. Reflexo imediato da debandada geral de milhões de carros movidos a uma gasolina caseira de alta toxicidade, à qual os iranianos são obrigados a recorrer por causa das sanções que encarecem demais o combustível importado. Peralá, o Irã não era um grande produtor de petróleo? Sem dúvida. Mas as punições impostas por EUA e Europa impedem a república islâmica de importar equipamentos necessários para refinar o petróleo. Isso deixa duas opções: torrar dólares para comprar gasolina do exterior ou inventar o próprio combustível. Teerã tem índices de poluição piores que os da Cidade do México.
Mas, por ora, a sensação de ar puro é reforçada pelos primeiros dias de sol prolongado após o inverno. Se o paraíso existe, acho que sua luminosidade e temperatura são parecidas com as de Teerã nesta época do ano.
No último fim de semana, a parede montanhosa que costeia o norte de Teerã aparecia com tanta nitidez que eu conseguia ver o brilho da neve e a sombra das rochas. Em tempos normais, a cordilheira Alborz não passa de um vulto acinzentado que se desvenda timidamente por trás de um manto de ar sujo.
A bordo de um taxi na via expressa Modarres, descendo dos bairros norte em direção ao sul, pude contemplar Teerã até a linha do horizonte. Na mesma corrida, fiquei extático ao enxergar, lá longe, a leste, o monte Damavand, pico mais alto do Oriente Médio, com quase 6.000 metros. Nunca imaginei que fosse possível vê-lo desde Teerã. Mais de 70 km separaram a capital do Damavand, que atrai montanheiros do mundo inteiro.
Na série dos pequenos deleites da primavera em Teerã, também ando curtindo observar o céu – azul luminoso ou coberto de estrelas.
Para além da estética, as férias de Nowruz trazem valiosas comodidades no dia a dia. O já mencionado trajeto de táxi entre minha casa e o centro de Teerã, onde fui almoçar na casa de amigos, levou menos de dez minutos. A mesma corrida pode demorar mais de uma hora, dependendo do trânsito. No caminho de volta para casa, me diverti ao constatar que o carro não parou de andar uma vez sequer, de tão vazios estavam os faróis.
Esse alívio da tensão urbana parece aproximar pessoas que ficam em Teerã, além de melhorar o humor geral. A alegria de ver a cidade vazia apareceu invariavelmente em todas as minhas conversas nos últimos dias, com amigos ou desconhecidos.
Há alguns incômodos, como comércio fechado. Preciso passar no barbeiro com urgência. A diarista saiu de férias, e o apartamento onde moro está de pernas para o ar. Minha (nova) assistente foi visitar a família no interior. Preocupação muito maior é ver todos os serviços públicos parados. Rezo por quem precisar de hospital ou de alguma urgência burocrática. Tudo continua em câmera lenta até a primeira semana de abril.
Ontem, perguntei a um amigo iraniano por que ele estava gastando férias em Teerã. Resposta: “Viajar no Nowruz? Besteira! É a única época em que eu amo morar aqui. Outra hora eu viajo.”
Caro Samy,
Sempre acreditei que o Oriente Médio guardava generosas e belas surpresas.
Apartir dos teus ricos relatos, contato que de fato estou correto.
A cada post teu por aqui, mais e mais cresce o meu desejo em conhecer o Irã.
parabens pelo trabalho.
Samy, interessante sua coluna.
Quanto penso no Irã, sempre relaciono a repressão e restrição de direitos.
Mas você mostra que também há vida por aí.
Mesmo que paralela ao regime.
Hoje li sua publicação na Folha sobre as mulheres.
Os iranianos, e os islâmicos têm esta marcação com as mulheres.
Tentam de todas as formas não deixar que mostrem sua beleza.
Cá entre nós, eles “não gostam muito da fruta não”?
Já sei… Conhecerei a Pérsia em num mês de março, mas não nesse ano… Se bem que meus amigos do Irã (um aliás qu estuda aqui) me fala das outras cidades, de Shiraz. Quero conhecer Abadan, dentre vários outros lugares… Já sei até cozinhar fesenjan… e como um nativo persa! 😉
James, não tenha dúvida que Isfahan, Shiraz e Yazd são as cidades mais interessantes de se visitar no Irã.
Na Turquia haverão eleições neste domingo.
Quais os comentários e expectativas sobre isto aí no Irã?
O estilo do primeiro-ministro turco é admirado no Irã?
Ismael, a realidade regional é a mesma aqui e em qualquer outro lugar. Quantos brasileiros realmente se interessam por eleições na Argentina ou na Colombia? Poucos. Vale o mesmo por aqui. A Turquia é vizinha, mas há quase nada em comum, daí um certo desinteresse por parte da população iraniana. Do ponto de vista do governo, houve atritos entre Turquia e Irã por causa da Síria, mas interesses convergentes andaram acalmando as coisas. Me parece que o Irã teria mais a perder case mude o governo turco.
Fotos? 🙂