E a personalidade do ano no Irã é...
18/03/14 15:58Na próxima sexta-feira acaba o ano persa de 1392. Como acontece no Brasil, a chegada do reveillon leva muita gente no Irã a olhar para trás e fazer um balanço do ciclo que se encerra. Foi com esse espírito que duas empresas jornalísticas, uma pró e outra antirregime, perguntaram a dezenas de milhares de iranianos quem foi a personalidade do ano no país.
Ainda mais surpreendente que o resultado em si é o fato de as pesquisas terem chegado a resultados parecidos. Sinal de que ambas têm algo de crível.
Num ano marcado pelo fim da tenebrosa era Mahmoud Ahmadinejad e pela volta triunfal de um governo “paz e amor”, eu logo pensei, ao saber dos levantamentos, que a personalidade do ano seria o presidente Hasan Rowhani, eleito em junho. Mas ele só chega em segundo.
O iraniano mais popular de 1392 (março de 2013 a março de 2014) é o ministro das Relações Exteriores Mohammad Javad Zarif, que também chefia a comitiva iraniana nas negociações nucleares com as grandes potências.
Com inglês impecável e modos refinados, Zarif demonstrou grande capacidade diplomática ao costurar um acordo que permite sonhar, pela primeira vez, com uma solução definitiva ao impasse atômico. O ministro parece ter revitalizado o orgulho de muitos iranianos, que andava no chinelo por causa das insanidades proferidas mundo afora por Ahmadinejad. Em novembro, escrevi neste mesmo espaço um texto contando que Zarif havia se tornado um heroi nacional.
Zarif lidera com 51% dos votos a pesquisa online feita pela agência de notícias ISNA, relativamente liberal, mas fiel seguidora da teocracia iraniana. O levantamento da ISNA teve participação de 18.521 internautas, que escolheram sua personalidade do ano numa lista elaborada pela redação.
O ministro obtem 28% na segunda pesquisa, feita pelo site da Radio Farda, emissora em farsi baseada na Europa e financiada pelo Congresso americano. Mesmo banida no Irã, a estação é ouvida por milhões de iranianos, na internet ou por meio de parabólicas. O número de participantes foi de 21.511.
Rowhani fica com 17% dos votos na ISNA, e 21% na Radio Farda.
Atrás de Rowhani aparece o empresário Babak Zanjani, que obtem 15% nas duas pesquisas. Jovem e moderno, Zanjani inspirou muita gente ao faturar bilhões de dólares em negócios que gravitam em torno das estatais iraninas. Mas ele está preso desde dezembro sob acusação de corrupção.
A partir das posições inferiores, as duas pesquisas divergem. O quarto colocado no ranking da ISNA (10%) é o ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani [1989-1997], hoje chefe de um dos órgãos consultivos do regime e homem mais rico do país. Rafsanjani foi impedido de concorrer à eleição presidencial, mas jogou todo seu peso em favor de Rowhani.
Já o quarto colocada Radio Farda é o cineasta e ativista Mohammad Nourizad (10%), que passou anos na prisão por criticiar o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, pela implacável repressão aos protestos contra a reeleição supostamente fraudulenta de Ahmadinejad, em 2009.
No ano passado, o vencedor da Radio Farda foi a ativista de direitos humanos Nasrin Sotoudeh, que entrevistei recentemente.
Pesquisei os dados da ISNA, mas não encontrei quem foi indicado personalidade no ano persa de 1391. Como as agências de notícias aqui têm o curioso hábito de eliminar páginas da internet que podem gerar encrenca, fico sem saber se houve levantamento ou se as notícias com o resultado foram simplesmente limadas da web.
Samy, consta notícia de um discurso do aiatolá Khamenei, na virada de ano novo.
O presidente também discursou?
No ver subjetivo, as palavras de Khamenei revelam não um estadista, preocupado com sua base eleitoral.
Mas sim alguém que manda confortavelmente, visto não precisar submeter-se às urnas.
Há discussões sobre o aumento dos poderes do presidente e do legislativo?
Ou mesmo o fim do cargo de líder supremo?
A população do Irã em algum momento teve oportunidade de optar sobre este cargo de líder supremo?
Se antes os iranianos tinham um monarca absoluto.
E agora têm um líder supremo imune à manifestação eleitoral, então podemos dizer que a população do Irã nunca conheceu a democracia. Está correto?
Sim, deve ser observado o texto que li é uma tradução.
Abaixo segue o link, pois você fala farsi e terá como ver a correção da tradução.
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=newssearch&cd=14&cad=rja&uact=8&ved=0CDgQqQIoADADOAo&url=http%3A%2F%2Fnoticias.r7.com%2Finternacional%2Flider-supremo-do-ira-poe-em-duvida-holocausto-e-critica-falta-de-liberdade-sobre-questao-21032014&ei=mCsvU–dBoPtkQeEyYHYBw&usg=AFQjCNFD5J-hFndhTXToG8zysP2iE_G-bg&bvm=bv.62922401,d.eW0
Junior, escrevi uma matéria sobre o discurso do presidente, outra sobre o discurso do líder, tudo publicado na versão impressa da Folha de S.Paulo.
Sim, para não esquecer, são aplicadas as penas de amputação de membros para quem furta?
Mauro, amputação não é aplicada pelos tribunais nacionais. É possível que cortes regionais o façam por conta própria, mas acho difícil. Trata-se de prática mais comum na Arábia Saudita, cujas leis são muito mais conservadoras e agressivas que no Irã.
Samy, lia entrevista com a ativista Nasrim. Ela diz que os assaltos aumentaram muito no Irã nos últimos tempos. Verdade? Por qual motivo, crise econômica?
Mauro, é difícil verificar, pois o governo não divulga estatísticas. De todo modo, acho que os iranianos tendem a exagerar a situação da criminalidade. Eles não têm ideia do que é conviver com violência urbana real. Pode até ser que haja mais furtos e assaltos, mas ao menos a percepção é essa, mas muito abaixo até dos padrões europeus de criminalidade. Uma das razões fundamentais para isso é, a meu ver, a ausência de armas de fogo. O Estado tem quase monopólio sobre porte de armas, e quem for pego até mesmo com uma faca corre risco de apodrecer na prisão. Nem a Polícia de rua carrega armas, somente pelotões de choque.
Como se trata de uma ditadura, talvez não queiram de foram alguma dar margem a formação de grupos de oposição armados.
E isto ainda revela um potencial de possibilidade de formação de oposição.
Talvez porque o regime não tenha legitimidade, como também pelo descontentamento popular.
Então retirar todas as armas da população.
Castrá-la totalmente.
Não tem voz, não tem voto, não tem armas.
Democracias não desarmam sua população.
Eles regulamente a posse e uso de armas, por questão de ordem pública.
Mas desarmar a população é coisa de ditaduras.
boa tarde Samy
Essas rádios elegem também a personalidade mundial na visão deles? Tipo a revista TIME?
Não, Houti, a pesquisa só trata de personalidades nacionais.
Samy, sou interessado nos assuntos que envolvem o Irã.
Vc faz referencia a uma emissora de rádio que retransmite em farsi, sediada na Europa.
Salvo engano, vi uma notícia de emissora de televisão, que também retransmite em farsi, sediada nos Estados Unidos.
Tem por foco a comunidade iraniana de lá.
Esta emissora chega ao Irã?
Deve também ter sido banida, mas clandestinamente o sinal pode chegar aí.
Se você arriscar a emitir uma opinião.
Em algumas casas por aí pode existir a possibilidade de se ouvir rádios e emissoras de televisão em farsi, mas retransmitidas do Ocidente.
Quem tem mais audiência: as emissoras do Ocidente, ou do próprio Irã?
Ulisses, existem dezenas de emissoras de TV e rádio em farsi que divulgam a partir da Europa, dos Estados Unidos e de Dubai. O foco é a diaspora iraniana, geralmente prospera e com bom nível de instrução, mas também o público dentro do Irã. A maior parte dessas estação é acessível no Irã por meio de parabólicas ou de escuta na internet. Como se trata de emissoras teoricamente banidas, não há estatísticas sobre sua audiência.
Já ouvi falar muito sobre esta diáspora iraniana. Vc já fez alguma reportagem sobre isto?
Certamente não há estatística oficial mas, pela sua percepção, seria possível opinar o grau de aceitação e interesse por estas emissoras divergentes da programação oficial?
Difícil fazer reportagem sobre a diáspora estando baseado aqui. Faz mais sentido a história ser contada por alguém que esteja em contato com ela. Diria que praticamente todos os lares das áreas urbanas acessam, com maior ou menor frequencia, fontes de informação banidas pelas autoridades.
Olá!
Li sobre Zarif.
Pelo que entendi de uma página em inglês, ele morou nos Estados Unidos alguns anos.
E tem parentes como filhos e irmãos que moram lá, certo?
Se não entendi errado também, ele se destacou como integrante da diplomacia bem jovem.
Alceu, na coluna inseri um link remetendo a um texto meu sobre o Zarif.
http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2013/11/27/zarif-o-chanceler-que-virou-heroi/