A superfaxina anual nas casas iranianas
11/03/14 16:26Famílias iranianas estão mergulhadas numa das atividades mais curiosas da cultura local: a limpeza geral, total e absoluta de seus lares antes do Nowruz, o Ano Novo persa, no dia 21 de março, que marca também o início da primavera.
Toda sujeira deve ser removida, até o ultimo grão de poeira no cantinho mais remoto. O mutirão é tão pesado que é chamado de “khuneh tukí”, sacudindo a casa, em farsi.
Quanto mais perto da virada, maior a agitação. Já estamos na fase em que é recomendável não visitar amigos e parentes, pois todo mundo ou quase está com a casa de pernas para o ar. Sofás, camas, cadeiras, mesas, cortinas e tapetes são colocados para fora para uma lavagem completa. Com os cômodos vazios, é mais fácil esfregar chão e paredes, inclusive em sótãos, porões e garagens. Janelas devem ser limpadas por dentro e por fora.
Armários, gavetas e arquivos são esvaziados para que se avalie o que fica e o que será descartado. É o período do ano em que disparam doações de roupa à caridade.
Também é época de dores nas costas e nas articulações com tanto empurra empurra de móveis. Quem pode, paga mão de obra especializada. Um amigo contratou um homem de Kermanshah, cidade no Curdistão iraniano, para fazer o trabalho. Curdos têm fama de ser trabalhadores fortes e incansáveis. Quem não fechar contrato com antecedência ficará sem mão de obra, pois os bons profissionais são disputadíssimos.
Do lado de fora de casas e prédios, às vezes há pilhas de objetos colocados à disposição dos garis e operários da Prefeitura.
“Essa limpeza é a justificativa perfeita pela qual mulheres conseguem convencer os maridos a comprar móveis novos,” brinca uma iraniana.
Muita gente acredita que a limpeza deve ser feita também nos corações. Hora de purificá-los e eliminar mágoas, dores e ressentimentos.
A ideia toda do khuneh tukí é trazer para a vida dos seres humanos o grande renascimento que brota na natureza durante a primavera. Até o tempo ajuda: quente o suficiente para abrir portas e janelas, fresco o suficiente para trabalhar sem sofrer com o calorão ou com insetos.
Quando as casas ficam tinindo de limpas e cheirosas, a tradição manda que se use roupa nova para visitar amigos e parentes no Ano Novo, dando prioridade aos mais velhos. É tanta gente para ver que algumas visitas duram apenas alguns minutos. Fartura de presentes, sorrisos e votos de felicidade. Tudo muito formal e regulado, num dos traços mais típicos da interação social à iraniana. Pega mal ignorar esse ritual ou quebrar o protocolo com humor fora do script, cobrança ou acerto de contas familiar. Até os jovens mais rebeldes e doidões se curvam à tradição milenar.
Embora seja traço da cultura persa, a faxina geral de fim de ano é praticada por outros povos da região como curdos, turcos-azeris, tadjiques e baluchis.
Tradições semelhantes permanecem vivas em terras anglo-saxãs, como Escócia, Irlanda e Austrália. Entre judeus também existe o hábito de eliminar todas as impurezas da casa antes do Pessach, a Páscoa judaica.
Meus amigos bicho-grilo brasileiros chamariam isso simplesmente de “renovação de energias.”
Oi Samy,
Acabei de cair por aqui sem querer, seguindo um link de uma prima minha no FB. Adorei! Meu pai e meus avós, tios, etc são iranianos e minha mãe é brasileira e sempre estou procurando informação sobre o Irã para saber mais sobre minhas raízes.
Em casa sempre celebramos o Nowruz mas eu desconhecia esta tradição de limpeza da casa, etc… Minha família é Baha’í e durante esta época eles faziam jejum.
Um abraço,
Vanessa
Que satisfação encontrar uma coluna sobre o Irã. Tennho muita vontade de conhcer o Irã e a coluna será certamente uma ótima fonte de informação.
Samy, bom dia!
Consta notícia de crítica ao aumento das execuções no Irã. Isto confere com os fatos?
Há divulgação ou inconformismo ante este fato entre a população?
Antes da revolução de 1979, as execuções ocorriam nesta mesma intensidade?
Ulisses, você tem razão. O número de execuções disparou nos últimos meses, e muita gente está preocupada. Já abordei esse tema em colunas anteriores e na versão impressa da Folha de S.Paulo. Está cada vez mais claro que se trata de uma manobra do Judiciário, sobre o qual Rowhani não tem poder nenhum, para tentar sabotar esforços do novo presidente em direção ao apaziguamento das tensões com o Ocidente. O sistema de governo no Irã é muito fragmentado, com facções rivais travando constante disputa de poder. Rowhani havia prometido aliviar a pressão sobre a população, mas os linha dura que controlam tribunais e o aparato de segurança parecem estar levando a melhor.
Se percebe é que a autoridade eleita tem pouco poder.
O poder definitivo está ligado a grupos não eleitos.
No Brasil o Judiciário não é eleito, mas seus membros ingressam por concurso, sem influência política.
E muitos no Irã provavelmente se beneficiam deste status quo (pouca gente em relação ao total da população).
Parece que há um paralelo entre o poder político e a vontade popular.
E a pequena parte do poder eleita resulta de severa restrição.
Os candidatos devem passar pela censura prévia do Líder Supremo.
Uma estrutura de poder montada para ser independente da vontade popular e estática.
Montada para ficar como está através do tempo.
A população nas eleições de Bani Sadr, Kathami e agora Rohani mostram a tendência para mudança.
Mas sob um sistema que não é feito para ser mudado.
Como conciliar isto?
Excelente trabalho o seu.
Uma brincadeira, apenas para medir seu conhecimento do Irã.
Com o seu conhecimento de Teerã, e do idioma farsi, daria para aceitar um desafio de atuar como taxista em Teerã durante um mês?
Sizefredo, eu toparia fácil, sim.
Samy, no que diferencia o calendário persa do calendário islâmico? E se os persas são islâmicos, porque eles não utiliza o calendário islâmico? Que eu saiba no calendário islâmico o ano começa a partir da Hégira que é a fuga do profeta Mohammad(que Allah o tenha) de Meca para Medina, no calendário persa também é assim? Gostei do seu texto e achei muito interessante, leio todos os seus textos. E sobre o comentário do Espantado em relação ao regime dos Ayatolas, não concordo com o que diz “o regime mais cruel e sanguinário da história da humanidade”, acredito que por trás de todas essas criticas existe um sentimento islâmofóbico. Espantado você é um mentiroso, desonesto e principalmente um islâmofóbico!
Vinicios, já escrevi a respeito, em 2012.
http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/17/ano-novo-e-sincretismo-no-ira/
Vinícius, veja este e-mail sobre estudioso da Revolução Iraniana. Uma revolução ao inverso, que não buscou democracia, mas um sistema inverso.
Você somente poderá dizer que é ‘armação’ ou montagem. Pois não poderá contestar o conteúdo.
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CCgQFjAA&url=http%3A%2F%2Fpassapalavra.info%2F2010%2F09%2F29030&ei=Lg0dU6GqB6Wc2AXThIGoAQ&usg=AFQjCNE7qBMnvLOlDlPsXsbZIpdQtRGc7A&bvm=bv.62578216%2Cd.b2I
Caro viniciusoliveira, ao analisarmos o sincretismo social e religioso no Irã observamos que existe forte influencia do Zoroastrismo e também do Cristianismo, tanto é que as cerimonias, como esta, são reminiscências dos “cultos pagãos” antes do Islamismo.
Por exemplo, no Xiitismo temos a presença de 12 Imãs (leia-se Profetas) e que um, que ainda está vivo, virá para salvar a terra.
No Zoroastrismo nos temos o elemento ar (analogicamente o Sheik chamar os fieis na torre para as orações) o elemento agua (todos os fieis Xiitas devem se purificar antes da oração lavando-se), a terra (todos os fieis Xiitas oram no chão e encostam a cabeça numa pedra) e o elemento fogo (nas antigas Mesquitas no Iran nos “Altares” encontramos desenhos da pira de fogo)
Não acredito como você é tão desonesto. Continua a puxar o saco do regime dos aiatolás, o regime mais cruel e sanguinário da história da humanidade. Será que você não sabe que mata-se anualmente milhões de homossexuais e mulheres aí??? Será que você não sabe que mulheres que deixam alguma parte do corpo a mostra são estupradas por dezenas de homens seguidos e depois apredrejadas até a morte??? Para de defender o inferno na terra. Para de falar de amenidades inúteis do cotidiano, como se não fosse unica e exclusivamente cruel e opressivo.
Espantado, violações de direitos humanos pelo governo iraniano são farta e constantemente relatadas em reportagens minhas publicadas na edição impressa da Folha de S.Paulo. Que tal ler o jornal para ampliar seus conhecimentos? Caso não tenha percebido, a proposta desta coluna é tratar de aspectos relacionados à cultura do Irã, uma das mais antigas civilizações do mundo. Nenhum país, qualquer que seja, deve ser reduzido aos seus governantes. Repare nos comentários dos leitores e no número médio de compartilhamentos e perceberá que o que você chama de “amenidades inúteis” atrai interesse de um bocado de gente.
Creio que a proposta da coluna é mostrar um jornalista brasileiro vivendo no Irã. Expondo a vida por lá, de dentro para fora.
A repressão é uma das característica da vida lá no Irã.
Mas não é tudo.
Felizmente, a vida precisa seguir.
Os iranianos talvez tentem de alguma forma alcançar felicidade, mesmo sob a tirania.
Também me solidarizo com o combate à misogenia e ao arbítrio daquele regime.
Esta coluna da Folha de São Paulo (ou blog) é um instrumento valioso para nós, que desejamos a ampliação dos direitos humanos para a simpáticas iranianas.
E, como disse Samy, ele divulga sempre as violações dos direitos humanos no Irã.
As palavra ‘desonesto’ e ‘puxa-saco’ são pesadas e inapropriadas.
Creio que estas duas palavras em relação a Samy, são, sim, DESONESTAS.
Caro Espantado, estou realmente ESPANTADO com o seu comentário, é de ESPANTAR a sua falta de conhecimento religioso, politico, social e cultural, aconselho-o a ESPANTAR-SE ao ler os jornais, revistas (Veja, Carta Capital, Isto É, Contigo, Caras, etc), livros de história, politica e assistir a documentários na TV além de realizar viagens pelo mundo, até mesmo ao Irã, assim você poderia inserir neste blog comentários abalizados em ESPANTOSO conhecimento
é a cultura deles
Muito interessante! Em inglês se chama “Spring Cleaning”. Mas duvido que tenha todo esse movimento e simbolismo. No Brasil isso seria praticado em Setembro? Mas como não temos estações bem definidas na maior parte do território a limpeza tem que ser constante…
Abs
Achei ótima sua reportagem. Gostaria de conhecer muito o Irã, acho uma cultura belíssima. Parabéns pela matéria.
SAMY ADGHIRNI, fiquei curioso, em que ano os iranianos estão? Será 2014 também ou o calendário deles são diferente do nosso? Parabéns pela matéria!
Jefferson, o calendário iraniano está prestes a adentrar o ano de 1393.
Confesso não conhecer esta tradição. Achei interessante….