Tuntistun em Teerã
25/02/14 13:47Nos primórdios da minha carreira de repórter, vivia cobrindo eventos e artistas de música eletrônica. Era, além de um universo familiar e querido, um nicho de mercado para tentar me firmar no jornalismo. Uma década e meia depois, percebo com satisfação que o house e o techno chegaram, quem diria, até a terra dos aiatolás.
Discotecas e bares são, evidentemente, proibidos no Irã. Mas as festas clandestinas que pulsam em casas e apartamentos de Teerã têm DJs que cobram até USD 200 por apresentação – valor equivalente ao salário mensal de muita gente por aqui. Seus sets costumam misturar tuntistun europeu/americano com uma especie de pancadão local que geralmente tem ritmo frenético e vocais melodramáticos em farsi, na linha “você me abandonooooou, estou sozinhooooooo”. Uma espécie de eletrônico romântico que toca em oito entre cada dez táxis de Teerã e que não conquista ninguém fora do Irã.
Os DJs iranianos compram por aqui mesmo tudo que precisam. Uma loja perto da minha casa vende picapes CDJ, mixers, fone e amplificadores de primeira linha. Proibidas são as festas. A música em si, por ser muito mais focada no ritmo do que na letra, parece não incomodar tanto as autoridades morais.
Difícil achar um jovem nas grandes cidades iranianas que não saiba quem são David Guetta ou Tiësto (nada disso é minha praia, mas ok). Hits da badalada dupla francesa Daft Punk tocam a todo volume nas academias de musculação.
Música eletrônica mais sofisticada pode ser comprada em CDs piratas à venda em lojas ou na rua. Já tive a boa surprea de encontrar coisas que costumam agradar iniciados exigentes, como discos de Richie Hawtin e Luciano, figurões do minimal techno.
Um belo dia, entrei numa loja da Benetton de Teerã na qual estava tocando uma música do produtor brasileiro Gui Boratto. Som classudo que só.
Há alguns meses, a revista de comportamento “Viva”, publicação em inglês onipresente nos salões de beleza e cafés descolados de Teerã, apareceu com uma capa que anunciava: “Especial melhores DJs do mundo”. Era um dossiê de uma dezena de páginas reunindo perfis de superastros óbvios como Carl Cox e Avicii, mas também de artistas para lá de cult, como Carl Craig.
O Irã também exporta músicos do ramo. Uns atuam na vizinhança, mais especificamente na agitada noite de Dubai, como a DJ Nesa. Outros fazem sucesso no mundo, como Omid 16 B, baseado em Londres, e a dupla Deep Dish, formada por ilustres DJs iranianos radicados nos EUA: Ali Dubfire e Sharam (foto).
Samy, poderia fazer uma postagem exclusiva sobre a internet no Irã? Como é o acesso, a velocidade, quais os meios de burlar os filtros? O que os iranianos mais buscam na internet, downloads de filmes e séries estrangeiras são liberados, como é o público iraniano do cinema americano etc?
José, já tratei desse tema num post antigo, quando a coluna ainda estava no primeiro formato.
http://pelomundo.folha.blog.uol.com.br/arch2011-12-04_2011-12-10.html
Bom dia! Desculpe falar demais, mas não há como não empolgar com a oportunidade desta interação.
Acabei de ler uma entrevista com uma iraniana que ganhou o Prêmio Nobel da paz, Shirin Ebadi.
Vive exilada em Londres.
Ela é comentada no Irã? E, teria como ser, ou seja, é possível uma entrevista dela ser publicada livremente?
Ela fala sobre poligamia na sociedade iraniana, implantada após 1979. É muito difundida?
Parabéns novamente pelo importante trabalho!
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/shirin-ebadi-nobel-paz-pe-guerra-635908.shtml
Shirin Ebadi tem pouca visibilidade no Irã. Há outras figuras de direitos humanos mais proeminentes, como Nasrin Sotoudeh. A poligamia é raríssima.
Samy, estou até com pena de você que tem que ficar respondendo isso aqui como se fosse facebook. É muito legal a interação com os leitores, mas tem gente que abusa!
Olá Samy, junto-me aos que aqui lhe deixam os parabéns pelo excelente trabalho no Irã, e aproveito para mencionar que a mim também sempre chamou atenção a peculiar, e divertida, música dos táxis de Teerã. Deixou saudades!
Samy, sou fã do seu blog há tempo. Parabéns pela transformação em coluna. Meu caro, peço a você uma coluna sobre como você, como ocidental, vive numa cultura onde não se tem o costume do consumo de álcool. Eu estava no Egito há alguns anos quando um time do país ganhou um título continental e me chamou a atenção as ruas cheias de gente e ninguém bebendo. E, num post anterior sobre o negociador iraniano, você citou uma fala dele, onde ele se queixava de que o consumo de bebida era uma diferença muito grande entre o mundo islâmico e o ocidental. Pode escrever mais sobre sua observação deste assunto? Abs
Pablo, uma coisa é a lei, outra é como as pessoas vivem. O consumo de álcool no Irã é bem elevado. Tudo dentro de casa, com mercadoria comprada no mercado negro. Enquanto ao ministro, bem, ele é funcionário de um Estado com leis islâmicas, e, portanto, não poderia dizer outra coisa.
(APERTEI SEM QUEREM A TECLA ENTER NO ANTEIOR)
Samy, dois textos publicados no site alemão DW, sobre a Revolução Islâmica. Mostram, ao meu ver, que às vezes minorias não devem ser menosprezadas. Parece que os radicais de Khomeini não era muitos, mas foram os que agiram e ‘roubaram’ as armas.
E o poder, que seguram muito bem…
Acho que uma lição de sociologia.
http://www.dw.de/revolu%C3%A7%C3%A3o-isl%C3%A2mica-completa-35-anos-com-ir%C3%A3-ainda-sob-sombra-de-khomeini/a-17423767
http://www.dw.de/1979-khomeini-retorna-ao-ir%C3%A3/a-423541
Oi Samy. Adoro seu blog. Na verdade fico sempre ansioso para ler as novidades. Como sou professor aqui no Brasil, gostaria que você escrevesse algo sobre as escolas públicas iranianas e seu professorado.
FACEBOOK. O facebook é liberado no Irã?
O Facebook é bloqueado, a exemplo de todas as redes sociais – e do site da Folha. Mas praticamente todo usuário de internet no Irã usa programas antifiltros para contornar os bloqueios.
Tenho feito busca, pelo Facebook, de pessoas do Irã.
Claro que acho melhor ‘vasculhar’ as páginas de mulheres!
E, vejo muitas mulheres muito bonitas, sempre arrumadas e vaidosas.
Mesmo usando o véu, elas dão um toque especial, feminino.
Interessante que muitas expõe a cabeça toda, com os belos e cuidados cabelos.
Vemos que são muito semelhantes às brasileiras, no sentido de ‘serem mulheres’.
Pergunto:
– o facebook é ‘fiscalizado’ pelas autoridades?
– o face é muito usado aí?
– em média, as mulheres iranianas são realmente tão bonitas e vaidosas?
Mais um bom comentário sobre a vida no Irã, em Teerã.
Qual a motivação dos religiosos não gostarem de música?
E também não gostam de dança, esta também é proibida.
Ou melhor, a dúvida principal, além das duas é: qual a raiz ideológica de não garantir direitos, tanto dos que gostam de música, como dos que não gostam? A mesma coisa para a dança.
Junior, confira meu post de algumas semanas atrás: “Pela 1ª vez, música ao vivo na TV estatal.”
Eu vi sim, muito bom. O fato de aparecer alguém tocando instrumentos gerou polêmicas, que coisa!
O que eu não entendo é a causa teórica da música ser combatida.
Em templos cristãos, a música é parte dos rituais.
“Segura na mão de Deus e vá!”, um exemplo.
Vemos ilustrações do céu por aqui, como um local onde se toca harpa.
Nos templos islâmicos, não seria até mesmo útil a música?
Li que, após a Revolução Islâmica, vários cursos superiores foram extintos, dentre os quais os de música.
Como se não houvesse técnica.
Parece que psicologia e direito foram ao mesmo fim.
Mas há tanta ciência na música, o próprio conceito de ciência e conhecimento por é estranho (para nós)
Talvez aí resida um ingrediente de fanatismo religioso: não aceitar seque analisar outras possíveis verdades.
Me perdoe a ignorância – eu até dei uma pesquisada mas não “peguei” bem – tuntistum é uma onomatopeia referente ao ritmo?
Isso mesmo, Gil. É uma onomatopeia referente às batidas da música eletrônica dançante.
Obrigada por mostrar essa faceta da juventude e desconhecida musicalidade moderna iraniana. Sabe quem são os artistas mostrados na foto?
São os dois DJs citados ao fim do texto, a dupla Deep Dish.