Impressões de uma viagem ao Brasil
07/01/14 11:50Acabo de voltar de alguns dias de descanso no Brasil. A viagem fez saltar aos olhos os enormes contrastes com a vida no Irã, onde estou instalado como correspondente da Folha desde 2011. As comparações geraram um turbilhão de sentimentos e impressões que ecoam até agora na minha cabeça.
O maior impacto foi rever por toda parte corpos tão naturalmente à mostra. Eu não me lembrava de como shortinhos, decotes e bermudas imperam até mesmo em shoppings e restaurantes. Num supermercado da praia onde fui comprar água mineral antes do Ano Novo, todos os clientes homens estavam sem camisa – inclusive eu, feliz da vida em poder andar por aí de forma tão despojada. No Irã eu não saio de chinelo nem para comprar detergente na esquina. Não está escrito na lei que é proibido mostrar o pé, mas a noção de pudor ainda prevalece nas sociedades de muitos países islâmicos. Até mesmo nos Emirados Árabes Unidos, cujas leis são, em tese, mais liberais do que no Irã, não se veem homens sem camisa.
A estadia brasileira, que teve escalas em Porto Alegre, São Paulo e litoral paulista, me deu uma saudade danada de poder curtir um filme ocidental no cinema, uma comida de boteco ou simplesmente passar a tarde mergulhado em leituras numa dessas grandes livrarias. Shows e baladas, então, nem se fala.
Indescritível alívio para os ouvidos ouvir todos na minha volta falando a “minha” língua. Me diverti redescobrindo a variedade de sotaques.
Adorei rever o verde exuberante e cheio de variações da vegetação brasileira, assim como o colorido das grandes cidades. Acredite, caro leitor, se você acha São Paulo cinzenta, é porque nunca esteve em Teerã. As grandes cidades iranianas fervilham de atividade, mas tudo nelas é austero e comportado, tirando o trânsito.
Acho incrível poder acompanhar as nuances que resultam nas quatro estações no Irã, todas muito marcadas. Mas curti muito sair de Teerã com temperatura negativa e sob neve e desembarcar em São Paulo num calor daqueles.
Em contrapartida, não tive a menor saudade do custo de vida no Brasil. Até hoje não entendo porque se paga tão caro para fazer uma ligação de celular ou comer uma massa num restaurante arrumadinho. Fiquei estarrecido com os preços na barraquinha de uma praia do litoral paulista: R$ 15 por um açaí na tigela, R$ 6 por um côco morno.
Também foi chocante perceber a diferença em termos de segurança pública. Eu havia me esquecido do pânico que domina o dia a dia dos brasileiros. Ao andar na rua, cuidado com os pertences, relógio e carteira principalmente. De carro, tem que frear bem antes do sinal vermelho para minimizar o tempo parado. Não abra a janela. Não pare para atender quem pede ajuda na estrada que pode ser golpe. Há poucas semanas, um dos meus melhores amigos teve uma faca enfiada no peito por um assaltante no aterro do Flamengo, no Rio. Sobreviveu por milagre. Arrastão, reféns, balas “perdidas”, prédios invadidos. Que loucura.
Não bastasse a criminalidade desenfreada, fiquei desconcertado com a facilidade com que as pessoas podem ficar agressivas no Brasil. Há quem vire monstro por causa de uma buzina. Tem também os valentões que partem para murros e pontapés porque alguém supostamente olhou para a sua namorada ou por causa de uma discussão de bar. No Irã tudo é tão mais suave. Vi pouquíssimas vezes pessoas se agredirem fisicamente – quando aconteceu, não passou de uns sopapos mal dados.
Também vi semelhanças entre Brasil e Irã. A começar pela ineficiência da internet e precariedade dos aeroportos. No quesito telefonia celular, contudo, o Irã funciona bem melhor.
Percebi, ainda, que brasileiros e iranianos compartilham hábitos nada nobres, como furar fila, tentar levar vantagem em tudo e dirigir de forma totalmente irresponsável.
Famílias ricas dos dois países são muito parecidas, com sua propensão à ostentação e tara por carrões de luxo.
Mas há costumes comuns que eu prezo. Iranianos são tão tagarelas quanto brasileiros. Eu mesmo tendo a ser bastante reservado em locais públicos, mas gosto de saber que posso puxar papo com desconhecidos sem que isso seja visto como invasão de intimidade, como em alguns lugares da Europa. Tanto no Irã quanto no Brasil, pessoas são abertas e acolhedoras com estrangeiros. Isso não tem preço.
Pode soar absurdo diante do abismo entre as práticas, mas brasileiros e iranianos também compartilham propensão semelhante à religiosidade. Deus sempre aparece nas conversas. Muita gente tem um santo predileto. Locais de culto são respeitados.
De volta à gélida Teerã, observo pela janela da sala as nuvens pesadas que cobrem a cidade. Os pés ainda ardem, detonados com tanta picada de mosquito na praia. O aparelho de fax está abarrotado de comunicados enviados pela assessoria de imprensa do governo na minha ausência. Contemplo no meu telefone fotos dos dias na praia. Tão perto, tão longe.
espetacular texto.
Samy, gosto muito da sua escrita e me compartilho a mesma opinião sobre vários aspectos da sua visita ao Brasil. Sou de Sampa e moro nos EUA desde 2008, mas sempre que vou ao Brasil também me vejo comparando e contrastando tudo. Entre todas as coisas, acho que a que mais me toca é que nada tira a alegria de estarmos cercados pela nossa língua. Sucesso pra você em 2014! 🙂
Sami ,
Tenho procurado muita coisa na internet sobre o Irã, pois namorei um iraniano na Australia. Nunca chego a uma conclusao…ou melhor acho que cheguei. Toda informação depende da experiencia vivida pela pessoa que esta escrevendo. Vi muitos mal relatos sobre os iranianos, sobre a opressao com as mulheres. Se pergunto para minha amiga iraniana sobre o país dela ela sempre elogia, o que me incomoda muito. Se pergunto pro meu ex namorado iraniano ele diz que é um país para homens e uma religião para homens que não é saudavel para uma mulher pois elas nao tem direito a nada. Entao porque eu não ouço de uma iraniana isso? Meu ex namorado sempre foi gentil…nunca gritou comigo , nunca foi cabeça quente como um brasileiro. A diferença entre ambos é que ele nao me respeitava no sentido de sair na rua e saber que estou com ele e mesmo assim ele olhava pra outras mulheres…o que brasileiro nao faz…e se faz não o faz tao escancaradamente. Me apaixonei pela cultura iraniana, pela comida , musica, alegria , gentileza e por ver como os homens sao fortes e nao reclamam da vida. Meu ex namorado sempre falava que nao saia na rua de chinelo e bermuda e que ele odiava isso por isso deixou o país…por nao concordam com o regime. Ele sempre respeitou minha religiao também. Foi uma grande experiencia porem nao sei se teria coragem de ir ao iran um dia.
Parabens , seu blogue esta bem fiel ao depoimento dos 2 persian…4 na verdade que eu conheço. Obvio que eles escondem muitas coisas mais faz parte :oP
Fernanda, você tem razão ao dizer que depende da experiência de cada um. Acho que você só poderá ter opinião mais elaborada se um dia vier passear por aqui.
Olá, Fernanda!
Como um iraniano q mora no Brasil e casado com uma brasileira eu sou favor da opinião da sua amiga. Com respeito eu acho q o seu ex-namorado não era bem informado ou talvez não analizava bem as coisas. Desculpe-me se fosse mal educado.
Abraço!
Ótimo texto. Como sempre 🙂
Valeu, Samy.
Ola Samy, adorei os textos! Eu moro nos Emirados Arabes atualmente e queria muito de conhecer o Irã. Sei que são muito receptivos, mas gostaria de saber se é aceito legalmente e aceitavel moralmente que eu viaje sozinha ou com um amigo do sexo oposto. Também queria que me disse se é facil tirar o visto, por favor. Abs!
Leticia, nenhum problema quanto a andar com amigo do sexo oposto, vocês podem até dividir o quarto. Somente iranianos precisam mostrar certidão de casamento para se hospedarem juntos. Visto depende do consulado iraniano aí, não sei dizer. Mas, geralmente, é fácil. Você pode também fechar pacote com alguma agencia de turismo iraniana, nesse caso ela se encarregaria do seu visto.
Parabéns, Sammy, pelo belo texto. Sou um leitor assíduo das suas matérias e fico feliz em saber que logo, logo estarei acompanhando os acontecimementos no Irã, já que suas férias terminaram. Interessante saber que o país onde você trabalha é tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente do Brasil.
J’ai lu et ai à peu près compris avec beaucoup de manques mais bien sûr intéressant ! beijos
Que rica vivência! Teu texto comparativo é um presente para nós e um convite importante à reflexão. Feliz ano novo aí Samy!
Finalmente consegui o link da sua pág. no jornal, sou sua fã incondicional e sinto muitas saudades!! Parabéns pelo seu trabalho e espero vê-lo quando vier ao Brasil novamente, um grande abraço.
A passos largos rumo àquele livro de crônicas e memórias.
Belo texto, Samy. Parabéns
Samy! Bela reflexão sobre as tuas plagas. O calor, o frio, os falantes, as roupas, e a não roupa, tudo isso é muito bom e, melhor ainda, se fossem capazes de superar a tal facilidade para se tornar agressivos. Feliz 2014 e muitas boas matérias para qualificar os teus dias. Edit.
Samy, Saudades… que bom que na volta ao Irã, você não foi deportado…rsss… toda vez que alguém que detém o vínculo com esses dois países e nos mantém informado de ambos sai… ficamos preocupados, para nós brasileiros (e tão poucos) que moramos tanto no Irã como no Brasil (vamos e voltamos) você faz parte da nossa história. Grande Abraço!
Ótimo texto Samy, parabéns! A experiência de viver em dois mundos distintos é muito boa por que abre nos nossos olhos para outros pontos de vistas sobre as coisas, por isso adoro viajar pelo mundo!
A violência no Brasil está me deixando preocupado e decepcionado. Aqui em Maceió estamos vivendo uma guerra e corpos de mortos estendidos no chão virou rotina: arrastão nos bares, nos pontos de ônibus, dentro do ônibus, nos supermercados, farmácias, consultórios médicos, roubo de carros, tiros na cabeça da vítima mesmo entregando tudo ao bandido em plena luz do dia. Me choquei recentemente quando soube que na periferia da cidade, quando um aparece um jovem morto na rua a população (crianças e jovens) “depenam” o defunto, levam anel, relógio, roupas, sapatos, carteira, celular… e quando o IML chega resta apenas o corpo nu para ser carregado. Essa cena me deixou em choque. Não é o Brasil que eu esperava para viver no século XXI.
* Também acho incrível como no Brasil a religião ainda é forte e com o crescimentos dos evangélicos a tendência e aumentar.
Samy, adorei! Pena que não compartilhamos um cafézinho dirante sua estada. é muito interssante saber semelhanças e diferenças, conhecer o o outro.
Sami,
Infelizmente, o nosso país é de muitos contrastes, e cada vez parece que está pior!!! É um pena, pois temos tudo para ser uma potência!!!
Sami, como é bom ler algo sobre um lugar cujas notícias são sempre de conflitos. Você me fez ver que, claro, aí as pessoas também podem ser gentis e ter costumes parecidos com, por exemplo, os nossos. Conte mais, vai!
Que tal comparar a liberdade em varios aspectos?
Sami
Nada como entender as diferenças, valeu!!
Carlos
Linda crônica ! 🙂
O aparelho de fax? O governo iraniano utiliza fax para enviar comunicados?
Isso mesmo, Marco, a comunicação com a imprensa é feita por SMS e fax.
Sami,
Parabéns pelo texto gostoso de ler e pelas pontuações pertinentes acerca desses dois mundos, distantes geograficamente, mas próximos sob certos aspectos.
Aos meus amigos brasileiros, residentes no exterior, sempre procuro saber deles as impressões ao verem o Brasil do ponto de vista de fora. Muitas das respostas batem com as suas.