A guerra síria vista do Irã
12/09/13 13:53Alguns leitores e amigos no exterior vêm me perguntando como a crise siria é vista no Irã, aliado máximo do governo de Bashar Al Assad. Recebi até o email de um brasileiro preocupado por já ter fechado pacote turístico para visitar o Irã nos próximos dias. Ele queria saber se corria algum risco ao vir para cá.
A percepção iraniana da guerra na Síria é cheia de nuances e depende muito da pessoa ou instituição a quem a pergunta é dirigida. No geral, porém, o conflito não é ressentido de forma direta no dia a dia. Embora os iranianos sejam grandes consumidores de notícia e estejam a par dos acontecimentos, a Síria é (ainda) uma preocupação distante.
Vale lembrar que a Síria não faz fronteira com o Irã, além de ser culturalmente muito diferente. A Síria é árabe, e o Irã, predominantemente persa. Até mesmo do ponto de vista religioso, há pouco em comum. Iranianos são, em sua maioria, xiitas, enquanto na Síria prevalece o islã sunita (não me cansarei de repetir o quanto são distintos os dois principais ramos do islã). Sim, Bashar Al Assad é da seita alauíta, vertente xiita, mas a fé mística e liberal dos alauítas não tem nada a ver com o xiismo conservador praticado na República Islâmica do Irã.
Os governos, porém, formam uma especie de aliança vital. O Irã é o principal parceiro estratégico da Síria, com quem compõe, ao lado do grupo armado libanês Hizbollah, uma frente geopolítica que diz resistir à ordem regional imposta pelas potências hegemônicas inimigas –Ocidente, Israel e monarquias árabes.
Mas para muitos iranianos, o investimento de Teerã em favor de Damasco não se justifica.
“Não só não estou preocupado com a Síria como também me incomoda o fato de o Irã priorizar sua situação geopolítica em vez dos [problemas internos como a] economia”, diz o estudante Farzad, 23.
A tradutora Guita, 50, acha que o Irã está “apostando suas fichas no campo errado, no do perdedor”. O engenheiro Sirous, 46, diz que Bashar Al Assad “não merece” o apoio iraniano.
Por outro lado, também existem muitos iranianos favoráveis à posição de seu governo.
“A Síria é nossa amiga e nossa irmã. Defendê-la é uma questão de honra. Os EUA querem atacá-la e capturá-la, assim como fizeram com outros países da região, com o intuito de encurralar o Irã”, diz o soldador Asghar, 45, retomando a tese, corroborada por analistas e diplomatas, de que o verdadeiro objetivo da estratégia ocidental na Síria é atingir o Irã.
Para além dos prós e contra, o levantamento indicou uma tendencia curiosa, pela qual alguns iranianos discordam do alinhamento de Teerã a um governo que comete atrocidades contra seu povo mas ao mesmo tempo entendem que seu país ficaria perigosamente isolado e enfraquecido em caso de queda do governo sírio.
A estudante Mona, 23, por exemplo, representa o oposto da base de apoio do regime. Artista, libertária, não religiosa e militante oposicionista. Mas, questionada sobre que lado ela apoia na guerra civil síria, ela responde com firmeza: “não importa a minha preferência. O Irã precisa apoiar [o governo da] Síria como forma de preservar seu aliado regional.”
Na mesma linha está o jurista Ruhollah, 30, também crítico do regime iraniano. “Assad é o único [líder] a favor do Irã. Se ele cair, a Síria já era para o Irã.”
Fraturas sobre a guerra síria também racham a classe política iraniana. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, defende um alinhamento total a Assad. Khamenei se absteve de dizer que Teerã entraria em guerra para defender Damasco, mas avisou que os EUA “sofreriam perdas” caso atacassem a Síria. Tom mais abrasivo veio da Guarda Revolucionária, a mais poderosa força armada iraniana, que advertiu que uma operação militar contra Assad selaria o fim de Israel. A guarda, no entanto, não sinalizou qualquer disposição em agir militarmente em favor do aliado sírio.
Já o novo presidente, o pragmático Hasan Rowhani, vem trilhando uma retórica cautelosa ao extremo. Logo após o ataque químico que massacrou centenas de civis na periferia de Damasco, no mês passado, Rowhani usou sua conta Twitter para condenar o uso de tais arsenais, mas sem apontar culpados, no que foi visto com um possível distanciamento em relação a Assad.
O tema das armas químicas é muito sensível por aqui, já que os maiores ataques com gás venenoso desde a Segunda Guerra Mundial foram lançados nos anos 80 pelas tropas leais ao então ditador Saddam Hussein, à época apoiado pelo Ocidente, contra populações civis iranianas durante o conflito Irã-Iraque.
O influente ex-presidente centrista Ali Akbar Hashemi Rafsanjani culpou abertamente as tropas de Bashar Al Assad pelo massacre.
O ministro das Relações Exteriores, Mohamad Javad Zarif, superastro do novo gabinete, está conduzindo uma estratégia alinhada com os esforços russos e americanos para desmantelar arsenais químicos sírios – e buscar uma solução política ao conflito. A julgar pelas palavras e atos de Zarif, o Irã está tentando diminuir, não aumentar, a tensão envolvendo a Síria.
Ou seja, as opiniões sobre a guerra síria são múltiplas e variadas. Mas o importante é que o leitor brasileiro, citado no início deste post, que me perguntou sobre a situação no Irã, pode vir fazer seu tour iraniano sem se preocupar.
Ola, Samy, otimo texto como sempre. Acho que voce deveria exigir do Ministerio do Turismo Iraniano uma certa porcentagem , porque acredito eu , que muitos brasileiros planejam ir ao Ira por ler seus textos, eu por exemplo sou um deles .hahahahahaha Bem, so’ respondendo ao Neco, moro em um pais cuja a maioria e’ muculmana , e ja’ vi mesquitas aqui frequentadas tanto por xiitas como por sunitas.
parabéns, é o primeiro comentário que leio a respeito da posição do povo iraniano a respeito da crise na Siria, quanto as diferenças entre os Xiitismo e o Sunismo, você poderia postar no seu blog o assunto, por exemplo, sei que no ramo Xiita existe a presença dos “Santos” como no catolicismo e no Sunita eles não são reconhecidos, o ramo Xiita tem uma forte influencia do Zoroatrismo, não sei se no ramo Sunita existe tal influencia.
Eu ja tinha ouvido falar muito das diferenças entre sunitas e xiitas, mas não entendia bem tudo aquilo. Esses dias um médico me contou que um paciente seu lhe disse que ele não pode frequentar a unica mesquita de sua cidade no Brasil por ser dominada pelo outro grupo e porisso tem que viajar a outra cidade para rezar na mesquita de seu grupo.
Isso parece um absurdo para o Brasil tão liberal em relação à religião de seus cidadãos. Um católico,p.ex.nunca vai proibir um evangélico de frequentar sua igreja e o inverso tb. é verdade.