Situações surreais geradas pelas sanções
02/08/13 11:29As sanções econômicas e financeiras impostas pelo Ocidente ao Irã são capazes de gerar situações inacreditáveis.
Já vinha ouvindo histórias surreais há algum tempo, mas decidi escrever a respeito depois que um livro artístico italiano foi banido do site de vendas online PayPal (para ser mais exato, um intermediário de pagamento, como acaba de me explicar o leitor André Pessoa) simplesmente por ter a palavra “Iranian” no título.
O recém lançado “Iranian Living Room” (sala de estar iraniana, em tradução livre) reúne dezenas de imagens tiradas por fotógrafos iranianos mostrando cenas do dia a dia em lugares privados na república islâmica. Aparecem nas fotos uma moça dançando sozinha na cozinha, um jovem solitário vendo TV de madrugada e mulheres de uma família tradicional reunidas num quarto durante uma celebração religiosa. Uma das mais tocantes é a de um casal, com jeito apaixonado, ensaiando uma valsa na sala de casa (ver galeria). O Irã tem pessoas alegres e melancólicas, sozinhas ou em grupo, conservadoras e liberais. Como qualquer outro país.
Enrico Bossan, curador do livro, disse em entrevista ao “New York Times” que a ideia era mostrar o Irã que não aparece na grande mídia ocidental, anglo-saxã principalmente. Mas ele percebeu que a obra não estava disponível no site americano PayPal, apesar de ter sido catalogada. Foi preciso muita insistência junto ao serviço de atendimento e estardalhaço nas redes sociais para que Bossan finalmente conseguisse uma resposta da empresa. O PayPal admitiu ter excluído o livro por causa da palavra “Iranian” e alegou que se tratava de uma medida de precaução diante das sanções impostas pelo Tesouro dos EUA ao governo iraniano. A empresa reconheceu o “erro” e restabeleceu as vendas.
Há outros casos de bizarrice semelhante.
Conheço um jovem iraniano brilhante, que estudou em Harvard e trabalha num dos maiores escritórios de advocacia de Londres. Mas ele tem dificuldade em receber seu salário porque nenhum banco do Reino Unido permite que ele abra conta. Ele não me disse como faz para contornar o problema e ser remunerado. Ainda mais absurda é a história de uma iraniana, também altamente qualificada, impedida de abrir uma conta no grande banco europeu onde ela trabalha como executiva!
No ano passado, ficou famoso o caso da loja Apple nos arredores de Atlanta, EUA, que se recusou a vender um iPad para uma adolescente porque ela falava farsi com seu tio iraniano. Detalhe: a jovem tinha cidadania americana.
Aqui em Teerã, um recém chegado embaixador não consegue trazer sua mudança porque nenhuma empresa ocidental se dispõe a levar carregamentos até o Irã. A mudança talvez vá parar em Dubai ou outro porto nos arredores do Irã, de onde começará outra burocracia extenuante para levá-la até o outro lado do golfo Pérsico. Ainda no mundo diplomático, há gringos que tiveram o cartão de crédito bloqueado em seus países de origem pelo simples fato de viverem no Irã.
Sem falar na dificuldade de os iranianos importarem remédios e equipamentos médicos, material escolar e peças de automóveis. Mas aí já são problemas corriqueiros, nada surpreendentes.
Olá Samy gostaria de lhe parabenizar pelo blog, é ótimo e traz uma visão diferente do irã, todo mundo sabe que grande parte da mídia brasileira e mundial é alienada ao EUA, e essa mídia visa denegrir a imagem da nação persa. O irã esta sendo vitima da tendenciosa mídia mundial e as sanções econômicas visam criar uma estabilidade interna no pais. Usa como pretexto o programa nuclear para justificar uma invasão ao pais. O mesmo fez com o Iraque em 2003 e não encontraram nenhuma espécie de armas nucleares e ai eu te pergunto é preciso destruir uma nação para provar que não tem armas nucleares
Há um engano na nota. O PayPal não é um “site online de vendas”, mas um intermediário de pagamentos. O que provavelmente aconteceu é que os editores do livro tinham uma pequena loja virtual que aceitava PayPal como forma de pagamento (coisa que é muito comum), e o site cortou o acesso aos pagamentos a esta loja por causa do livro.
Obrigado pelo esclarecimento, André.
Realmente estas sanções estão chegando ao cúmulo do ridículo, transformando o povo iraniano quase que em párias internacionais, e o pior de tudo é que o programa nuclear, que deveria ser o alvo das sanções, continua a pleno vapor…
De qualquer forma, esta situação lembra muito a da África do Sul alguns anos antes do fim do apartheid, quando pesadas sanções econômicas, somadas ao banimento de competições internacionais, obrigaram o regime racista a negociar com CNA de Nelson Mandela. Penso que a tendência no Irã será esta, ainda mais com a eleição de Rohani: uma inflexão na política externa e uma maior transparência quanto ao programa nuclear, além de, a médio-longo prazo, um aumento do poder civil em detrimento do poder religioso, embora o fim do regime islâmico não seja minimamente plausível, nem mesmo a longo prazo. Rohani deverá ter muita inteligência e jogo de cintura para reestabelecer relações pelo menos razoáveis com o Ocidente, ao mesmo tempo em que preservará o regime do qual é defensor, assim aliviando as sanções econômicas e ganhando respaldo interno.
Samy, fiquei estarrecido ao saber que as sanções contra o Irã não se dirigem apenas ao estado iraniano, mas também aos seus cidadãos, inclusive aqueles que vivem no exterior. Ora, se o Ocidente (leia-se Europa/EUA) cobram respeito aos direitos humanos no Irã, deveriam dar exemplo e respeitar os direitos humanos de cidadãos de origem iraniana no exterior. Abrir uma conta em banco, comprar um iPad ou publicar um livro é um direito inquestionável de qualquer cidadão. E a ONU? Não faz nada?
Samy, que bom que vc mostra o outro lado do Iran para os brasileiros. Pois o que se ouve por aqui sempre procede da matriz da midia negativa sediada em NY e que evidentemente sempre solta para o mundo a versão dos “donos do mundo”(USA).
O Irã e seu regime teocrático sanguinário merece tudo isso.A incoerência das potências ocidentais e não fazer o mesmo com a Arábia Saudita, Síria, Paquistão e outros países que ultrajam barbaramente os direitos humanos.Mas o que vale nas relações humanas, em primeiro lugar, é o interesse econômico e não a dignidade da pessoa humana.
“(…) A tendência, não só no Brasil, é muita gente falar sobre aquilo que não conhece.”
Sabias (e óbvias) palavras Samy. Parabéns pelo trabalho que tem feito, ao levantar este “véu” que alguns canais noticiosos, parciais ou não, tem colocado na frente de nossos olhos.
Ola Samy bom dia Sou Leitor assiduo de sua coluna gostaria de confirmar uma noticia que me deixou perplexo aqui no Brasil, que existe algo de retirar os cães da cia dos habitantes do Irã. p.s Noticia ouvida na cbn (arnaldo jabor )
Alexandre, em tese é proibido ter cães de estimação, somente os de guarda são permitidos. Há momentos de repressão intensificada, outros de maior tolerância. Hoje em dia o regime tende a fazer vista grossa, pois existem problemas muito mais sérios e urgentes. São raros os casos de animais confiscados. Dito isso, cuidado com as fontes noticiosas sobre Irã. A tendência, não só no Brasil, é muita gente falar sobre aquilo que não conhece.
Eu sei que no Islã o cão preto é considerado o demonio, mas eu sempre achei que cães de outras cores fossem tolerados. Sempre tive dúvidas para saber se haviam cães de rua nos países islamicos.
André, não existe muita diferença em relação à cor do animal. Aliás, o cão não é mal visto por ser suposta encarnação do demônio, mas por ser considerado impuro e por ter, segundo versões, comido os restos do profeta Maomé. Além disso, países islâmicos não formam um bloco homogêneo. São extremamente diferentes uns dos outros, inclusive vizinhos. Um árabe iraquiano sunita sente-se completamente deslocado ao lado de um iraniano persa xiita. Não se pode falar em países islâmicos como um todo, da mesma maneira que não existe nada parecido com “países cristãos”. Tem coisa mais diferente que Brasil e Suécia? Sérvia e Filipinas? Todos países cristãos, com quase nada em comum.
Ou seja, no Marrocos e na Tunísia, há cães por toda parte, tanto nas ruas quanto nas casas, onde vivem como mimados bichos de estimação. No Irã a coisa é um pouco mais complicada. Em muitos países da Ásia -continente onde existe, não se esqueça disso, a maior comunidade islâmica do mundo- ninguém tem problema algum com cachorros.
Samy, obrigado pela paciência em tentar clarear uma pouco da minha ignorância sobre este assunto. Sei que os países islâmicos diferem entre sí, no entanto mencionei este termo não para igualar todas as sociedades mas apenas para me referir ao contexto do mundo islâmico, assim como tal referência é feita também no que compete a mundo ocidental do ponto de vista dos outros povos. Com relação a referencia sobre o cachorro preto ser o demônio, lembro de ter lido certa vez um história de um crente dizendo que os cães são impuros mas os que são da cor preta são o demônio etc, realmente sei que no Corão não existe tal citação mas parece que no hadith sim, inclusive um site bem conhecido de viagem onde um casal viaja pelo mundo com um cachorro, em um dos post comentando sobre a estadia na Síria disseram que algumas pessoas tentavam tacar pedra no cachorro. Por fim quero ressaltar que não julgo costumes , apenas tenho curiosidade sobre culturas diferente da nossa.
Link do post do site de viagem.
http://www.viagensmaneiras.com/pelomundo/74/SIRIA.htm
Abs, e grato pela compreensão.
Entendido, Andre. Abraço.