Jejum islâmico sob calor de 42º C
26/07/13 11:30Muçulmanos do mundo inteiro estão em pleno Ramadã, mês sagrado no qual fiéis devem abster-se de comer, beber, fumar e manter contato sexual do amanhecer até o pôr do sol.
No Irã, o Ramadã deste ano está sendo especialmente difícil por causa do calor insuportável. São quase 18h aqui no momento em que escrevo, e o termômetro (confiável) indica 41º C na sombra. Ontem e anteontem, fez mais de 42º C. Iranianos dizem que há tempos não viam verão tão pesado. Imagine passar o dia inteiro nessas condições sem poder tomar sequer um copo d’água. Além disso, Teerã tem ar muito seco.
Outro desafio é a duração do jejum, especialmente longo neste ano. Como o calendário islâmico é lunar e tem 354 ou 355 dias no ano, significa que o Ramadã nunca cai na mesma época no calendário gregoriano. Na prática, o mês sagrado acontece mais cedo a cada ano. Há dez anos, o Ramadã caía no meio do inverno no hemsifério norte. Além do clima mais fácil de aguentar, amanhecia tarde e anoitecia cedo. Em 2012, a maior parte do Ramadã se estendeu ao longo de agosto. Neste ano, coincide com julho, período de dias mais longos. O jejum começa por volta das 4h20 e termina às 20h35. Mais de 15 horas de resistência. Coisa de louco? Nem tanto.
O jejum está presente em muitas religiões, inclusive no cristianismo. Mas o islã foi além do veto à comida e incluiu a ingestão de líquidos entre os atos banidos durante o Ramadã. A ideia é que o fiel mostre disciplina e elevação espiritual neste mês santificado no qual o Alcorão foi revelado pelo anjo Gabriel ao profeta Maomé, no ano 610. O jejum purifica a alma e estimula tanto a meditação como o desapego das coisas materiais. Além disso, faz com que todos sintam na pele o sofrimento diário dos mais pobres, que jejuam não por opção, mas por não ter o que comer.
O jejum é mais difícil nos primeiros dias. Depois disso, o corpo se acostuma, e a vida segue com mais facilidade. Em alguns casos, a fome desaparece até quando chega a hora de comer. Quem mais sofre são os fumantes.
Escritórios governamentais fecham na parte da tarde, e empresas tendem a adotar horários mais flexíveis. Aliás, este tem sido um período difícil no meu trabalho de correspondente, pois o país caminha em câmera lenta. A produtividade jornalística diminui consideravelmente com a dificuldade de falar com fontes e levantar informação nestes tempos em que praticamente não há agenda oficial.
O Ramadã implica dedicação à vida religiosa para além do jejum. Neste período o bom muçulmano precisa multiplicar as ações de caridade, doando dinheiro ou comida aos necessitados. Também deve haver maior esforço para ser bom um bom pai, filho, marido ou amigo _ou boa mãe, filha, esposa ou amiga. O Ramadã é um dos cinco pilares do islã, numa lista que inclui ainda a profissão de fé num Deus único, cinco orações diárias, generosidade com os pobres e peregrinação à Meca para quem tiver saúde e recursos.
Estão dispensados de Ramadã crianças, mulheres grávidas, menstruadas ou amamentando, assim como pessoas doentes ou em viagem.
Longe de ser um período apático, o Ramadã é sinônimo de festa e alegria. Na hora do Iftar, que rompe o jejum, famílias se reúnem em volta de fartas refeições e, em seguida, saem às ruas, onde lojas, cinemas e parques de diversão ficam abertos até mais tarde. Visita-se parentes e amigos. A comilança noturna é tamanha que alguns fiéis até engordam no mês santo.
O curioso é que o Ramadã no Irã me parece mais light que nos outros países de maioria muçulmana onde estive. Boa parte do país é profundamente devota. Mas já vi em Teerã gente fumando e comendo na rua, coisa que pode levar à multa ou cadeia nos Emirados Árabes Unidos ou na Arábia Saudita. Academias de musculação estão abertas o dia inteiro, num claro sinal de que uma parte significativa da população não jejua. Restaurantes, em tese, só podem abrir as portas após o Iftar, mas uma lanchonete do meu bairro começa a receber clientes no fim da tarde. De certo modo, os iranianos são bem mais tolerantes do que se imagina.
Além disso, iranianos não compartilham os ímpetos proselitistas dos árabes, geralmente mais propensos a pregar ou tentar converter gringos em muçulmanos. No Irã não vejo muita gente pegando no pé de quem dispensa o Ramadã.
Por outro lado, pude comprovar, ao longo de várias viagens, que árabes tendem a abrir mais facilmente a porta de casa para estrangeiros. Estou louco para ver como é a típica ruptura de jejum numa família iraniana, mas até agora nenhum dos meus amigos locais me convidou.
Olá Samy.
Novamente parabéns por todo o conteudo que vc escreve neste Blgo.
Mas gostaria d etirar uma dúvida. Vc disse que certas pessoas estão liberadas do hamadã (crianças, mulheres grávidas, menstruadas ou amamentando, assim como pessoas doentes ou em viagem). Mas Elas estão liberadas pelo Estado Iraniano que é mais suave neste quesito, ou pela religião de modo geral?
Leon, são os ensinamentos teológicos, Alcorão e outras escrituras sagradas, que dispensam o Ramadã nas circunstâncias mencionadas.
parabens pela matéria e principalmente por viver nela, gostaria de saber se existe diferença de orientação entre os Sunitas e Xiitas no Ramadã, estes aspectos notados por voce no Ramadã “ligth” do Irã é devido a cultura local ou ao ritual Xiita??
Mylton, não vejo muita diferença entre sunitas e xiitas em relação à prática do jejum em si. O fato de o Ramadã ser mais “light” no Irã é difícil de explicar, mas acho que a base ideológica do islã xiita é menos agressiva em matéria de proselitismo.
Samy, como sempre você nos brinda com um ponto de vista interessante sobre o Irã. Parabéns! Mas tenho uma curiosidade: como fica, durante o Ramadã, a vida de um morador do Irã não-muçulmano? Judeus? Cristãos? Bahais? Se, por exemplo, um não muçulmano estiver almoçando num restaurante ou comendo um lanche numa praça em plena luz do dia, ele sofre alguma reprovação pública? Um olhar de censura? Você, por exemplo, comeria um lanchinho ou uma refeição próximo de amigos muçulmanos em jejum? Isso seria ofensivo para eles? Você seria considerado descortês? Sua faxineira cozinha seu almoço e não come? Desculpe se as perguntas invadem sua privacidade, mas fiquei curioso.
Abraço
Fernando (Maceió)
Fernando, não muçulmanos são dispensados de Ramadã, mas espera-se deles que respeitem quem jejua. Comer ostensivamente seria, no mínimo, descortês. De qualquer maneira, como explico no post, restaurantes e lanchonetes permanecem fechados durante o dia.
Muito interessante, mas de que adianta fazer isso por obrigação e apenas um mês? Jesus disse que se alguém fizesse jejum não deveria alardear isso. Além do mais, quantos o fazem de verdade? Muitos fazem isso e depois querem explodir o mundo em nome da Alá. Como diz o profeta Isaías: Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao Senhor? Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo?
Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne? (Isaías 58:5-7)
GOSTARIA DE PARABENIZAR O BLOGEIRO SAMY PELA MATERIA, SOU MUÇULMANO, VIVO NO BRASIL, FAÇO JEJUM, QUE EM TESE É DIFICIL, MAS A FÉ APAGA QUALQUER DIFICULDADE. RELATO TAMBEM QUE O CONVIVEMOS AQUI ENTRE OS MUÇULMANOS NÃO É MUITO DIFERENTE DOS OUTROS, OU SEJA, ALGUNS CUMPREM O JEJUM E OUTROS NÃO.
Ótima reportagem, me surpreendi como é a viva muçulmana, pois vejo tantas opiniões, a sua é mais clara e direta e muito claro.
Aqui no Brasil isso seria uma destruição em massa, logo o Brasil, terra da ganancia, graças aos Estado Unidos que implantou seus objetivos falhos e válidos.
Parabéns pela reportagem!
Olá, Samy.
A Folha está de parabéns por manter os blogs dos correspondentes. Por aqui, conhece-se muito de países distantes (não apenas geograficamente) de nós, brasileiros.
Fiquei impressionado ao saber que pós-graduação é requisito para se candidatar a presidência, o que demonstra a seriedade com que encaram as eleições e a função presidencial, como também fico impressionado, agora, ao saber que, apesar da rígida polícia moral, os iranianos são mais tolerantes às escapadas daqueles que não jejuam.
Abraços.
A.
Pois é, imagina isso aqui no Brasil, onde o pessoal sequer aguenta uma dieta?
bom artigo
Muito Interessante, Mais aqui no Brasil, a grande maioria não se preucupa en ser uma boa mãe ou um bom pai , aonde eu moro na Z/L vejo meninas de 13,14,15 Anos gravida e algumas jah estão até na segunda Gestação.
É lamentavel