O que significa ser "moderado"?
18/06/13 11:15A eleição do centrista Hasan Rowhani à Presidência do Irã vem gerando uma discussão sobre o que significa ser “moderado”. Uns dizem que Rowhani é um homem movido por um misto de bom senso e pragmatismo, e por isso merece título tão nobre aos olhos do Ocidente. Outros argumentam que não faz sentido chamar de “moderado” um mulá xiita que dedicou a carreira ao Estado teocrático da república islâmica iraniana.
Dicionários não ajudam muito. Um deles define “moderado” da seguinte maneira:
1. Que observa o meio-termo
2. Que não é exagerado
3. Regular, comedido, circunspecto
4. Membro de um partido moderado
5. Aquele que procede com moderação
Tudo meio vago e subjetivo. Meio-termo em relação a que opostos? Exagerado comparado com que padrão? O que significa moderação para uns não pode, em tese, representar excesso para outros?
O grande problema, ao meu ver, é que esse debate acaba sempre poluído por um velho cacoete do pensamento ocidental quando colocado diante de temas ligados à religião islâmica.
Se algum político ou regime de país predominantemente muçulmano mostra alinhamento a valores ou interesses ocidentais, merece o digno apelido de “moderado”. Mas se o infeliz líder tiver uma agenda oposta àquilo que é aceitável para europeus e americanos, leva a pecha de “radical”. Isso gera incoerências curiosas. A Arábia Saudita, por exemplo, tem a legislação islâmica mais conservadora do mundo. Pense em qualquer assunto caro à opinião pública dominante no Ocidente, e observe a situação saudita. Para não entrar nas práticas sanguinárias da Justiça do país, observemos apenas a situação das mulheres. As sauditas, cujo status legal equivale ao de uma criança, não podem nem sequer dirigir. Mostrar o rosto em público é mal visto. Falar com homens estranhos, quase um atentado pornográfico. Mesmo assim, a Arábia Saudita, aliada estratégica de Washington, vive sendo citada na mídia americana como “moderate country”.
O mesmo vale para cidadãos comuns. Se um muçulmano reza cinco vezes ao dia, vai à mesquita, jejua no ramadã, usa aquela barba e tem uma mulher que usa véu, o sujeito só pode ser radical, não é mesmo? Mas se ele tiver a cara limpinha, não fizer questão das orações e, de preferência, tomar uma cervejinha, então o amigo é, sem dúvida, um “moderado”.
No fundo, “moderado”, às vezes, acaba sendo aquele que se parece com a gente. Ou que está do nosso lado.
Um caso recente chamou minha atenção. Um grupo de feministas europeias resolveu ir à Tunísia para manifestar apoio a uma jovem tunisiana presa por ter postado fotos em que aparece nua em protesto contra forças religiosas que passaram a dominar o país após a queda do ditador secular Zine El Abidin Ben Ali. As gringas tiraram a roupa e ficaram com os seios de fora em plena luz do dia na frente de um tribunal de Túnis. O tiro, obviamente, saiu pela culatra. As moças acabaram presas por atentado ao pudor e perderam o apoio das feministas tunisianas, que entenderam o ato como contraproducente por agredir frontalmente os costumes locais.
Pois bem, voltemos ao caso do presidente iraniano eleito.
O Irã não é a Suécia. Mesmo nos anos 70, antes da revolução islâmica, quando o regime de Teerã era uma monarquia secular alinhada aos EUA, a sociedade preservava suas características fundamentais de tradição e religiosidade. Iranianos são, em sua maioria, muçulmanos xiitas, e mesmo os mais moderninhos e até mesmo os ateus são influenciados por valores familiares e pelo ambiente. No Brasil, é comum a pessoa dizer que tem formação católica, mas não se considera como tal. Vale o mesmo no Irã, onde muita gente se declara muçulmana por princípio. Por isso não é realista esperar que o país funcione nos moldes das sociedades ocidentais. Além disso, qualquer projeto político no país precisa caber dentro do estreito espectro determinado pelo Estado teocrático desde a revolução de 1979.
No contexto da atual realidade iraniana, as ideias de Rohwani não são apenas moderadas, elas são quase subversivas de tão ousadas. Na campanha, ele fez duras críticas à polícia moral por perseguir mulheres cujo único crime é usar deixar cabelo demais à mostra por debaixo do véu. Rowhani chamou as iranianas de “irmãs puras” que não precisam ser pressionadas por tantas restrições indumentárias. Isso significa que ele vai acabar com a obrigatoriedade do véu? De forma alguma. Defender abertamente esta ideia selaria sua morte política. Não somente porque o regime não iria aceitar, mas também pela rejeição que a ideia encontraria nas camadas tradicionais. Dito isso, é provável que haja muito menos moças e senhoras sendo colocadas em camburões com destino à delegacia. No Irã, esta é uma enorme diferença.
Rowhani também prometeu deixar jornalistas e artistas se expressarem em paz sem temer retaliação. Ele disse ainda que é preciso acabar com tantos filtros para navegar na internet. Até o site da Folha é bloqueado. O novo presidente teve a prudência de não incluir em sua plataforma a questão dos prisioneiros políticos, mas seus simpatizantes se encarregaram de aproveitar cada comício para gritar bem alto os nomes dos líderes oposicionistas em prisão domiciliar. Rowhani sorria diante dos apelos, visivelmente contente. No plano diplomático, admitiu que o Irã pode fazer mais para restaurar laços com as potências ocidentais e deixou a porta aberta inclusive para contatos com os EUA. Isto é praticamente o máximo de “moderação” possível nos círculos de poder em Teerã.
Mas vale lembrar que Rowhani abomina Israel, a exemplo de todo o establishment político e de boa parte dos iranianos. Rowhani também deve manter apoio irrestrito ao regime de Bashar Al-Assad e ao grupo armado xiita Hizbullah contra rebeldes na Síria. O novo presidente ainda deixou claro que jamais concordará com a suspensão do enriquecimento de urânio para fins pretensamente pacíficos. É, portanto, compreensível acharem que Rowhani não tem nada de “moderado”, embora muita gente no Irã o deteste por ser próximo demais das ideias ocidentais.
Samy, acompanho você há um tempo (porque sou apaixonado pela história e pela cultura persa), mas só agora venho aqui escrever: você é excelente. As suas explicações sobre o Irã são fantásticas. Parabéns.
Nossa como tem gente que defende gay aqui, muita gente que é influênciada pela tv e determinados jornais ja sofreram lavagem cerebral e agora são defensores dos direitos dos gays como se tivesse honra em ser gay e viver no pecado. Não podemos tornar licito os que vivem no pecado e no erro.
A pior lavagem cerebral é feita por muitos pastorzões que não se cansam de tirar o minguado e suado dinheiro de pessoas humildes, pouco instruídas, desamparadas materialmente….Vão vender seu peixinho lá no Irã.Só tomem cuidado que lá eles ainda executam os infiéis, mas no caso ,os de Alá.
Sabrina, não sou a favor nem contra as pessoas darem dinheiro a instituições religiosas , doa quem tiver condições para isso e se sentir bem. Nunca vi pastor ou padre ou religioso algum colocar uma arma na cara de um fiel ameaçando ele para contribuir. Agora, temos intelecto e podemos muito bem racionar sobre quem “tira o minguado e suado dinheiro de pessoas humildes…” Saiu uma reportagem no uol que diz que o trabalhador brasileiro trabalha 150 dias do ano apenas para pagar impostos , ou seja 5 meses. E o que você acha que o contribuinte recebe em troca do nosso governo ??
No fundo, “moderado”, às vezes, acaba sendo aquele que se parece com a gente. Perfeito!
Samy,
Parabéns pelo Blog e pela coragem de viver num país como esse aí.Confesso que nunca passaria perto, apesar de ter plena consciência que não vivemos no paraíso, muito pelo contrário, muito mesmo.Mas regimes tão fechados quanto do Irã despertam curiosidade.Sei que é um tema mais que delicado aí, mas seria muito interessante se pudesse dar uma pincelada em assuntos relacionados a sexualidade desse povo,tais como virgindade, prostituição, sexo fora do casamento, aborto,homossexualidade e outros.Isso é que seria mostrar o conservador do conservador.
Uma coisa é a diversidade cultural, outra coisa é o desrespeito aos direitos humanos.Um país que executa presos em praça pública(com guindastes da morte), mutila ladrões, executa gays pelo simples fato de serem gays, não pode ser referência ética pra qualquer povo do mundo.
Gostaria de entender por que Israel pode ter bomba atômica, não sofrer inspeções de suas instalações, ameaçar atacar países como Irã, Palestina e Síria; ter um regime político mistura perigosamente religião e democracia e o Irã não pode? Ah, já sei, por que é alinhado ao EUA, portanto, um “moderado”. Parabéns Samy, parabéns à Folha por nos brindar com um ponto de vista distinto da mídia em geral.
Grande abraço nordestino
O regime saudita é considerado moderado em questões internacionais porque não busca conflitos. O regime persa é considerado radical porque se envolve em conflitos, seja financiando grupos armados fora do país ou por pura retórica.
Do ponto de vista interno, nenhum pode ser chamado de comedido, embora o presidente eleito da Pérsia pareça ser uma figura mais moderada.
Para comparação, a tendência dos governos do Brasil é serem moderados tanto do ponto de vista interno como externo. Nos Estados Unidos, acho que seria difícil chamar o governo Bush de moderado em política externa, ou o Tea Party de moderado internamente.
Refletindo um pouquinho, não fica difícil entender.
F Pait, o regime saudita tem envolvimento ativo em conflitos, como na Síria e na África. Além disso, a Arábia Saudita foi um dos únicos três países do mundo que reconheceram (e financiaram) o regime Taleban quando este governava o Afeganistão.
Hahahaha!
Você pegou o Samy com as calças na mão!
Ele vive se fazendo de sonso para poder dizer essas coisas estranhas favoráveis ao Irã.
Desconfio que ele seja repórter do Irã escrevendo na Folha e não repórter da Folha escrevendo sobre o Irã.
Olha a resposta dele, continua se fazendo de bobo, como se não soubesse dos atentados promovidos pelo Irã e não soubesse do alinhamento da Arábia Saudita com os EUA.
Patton, é evidente que o Irã financia grupos armados fora de suas fronteiras, assim como é evidente seu pavoroso histórico em matéria de direitos humanos. Mas se a Arábia Saudita faz o mesmo, por que um é “moderado” e o outro, não? Não sou a favor nem contra nada, mas, como jornalista, minha obrigação é incentivar uma reflexão que fuja das ideias convencionais.
Na verdade não importa muito o que pensa a mídia e políticos ocidentais, quem elegeu e espera um bom governo do sr. Rowhani é o povo do Irã. Minha opinião particular é que um religioso no poder trará mais justiça a população , seria ótimo termos bons e honestos políticos religiosos aqui no Brasil. Desejo sorte a sr. Rowhani.
Se muda pra lá então.
Vivo onde quero e não onde vc quer.
Nossa…”políticos religiosos”.É o fim do mundo.Nós também sofremos desse mal.A bancada evangélica está ativa em Brasília.E já começaram a patrulha moral:Cura gay, estatuto das religiões, defesa da família e dos bons costumes…Uma praga atrás da outra.Abaixo o obscurantismo religioso.
Se percebe a decadência da nossa sociedade quando se lê uma opinião como esta : “…, defesa da família e dos bons costumes…Uma praga atrás da outra”.
jean , você deve ter sido gerado por uma cegonha e levar uma vida errante, no entanto existem pessoas que dão valor a moral, a honra, a familia e aos bons costumes.
O Iluminismo, ainda em ação, está jogando a religião pra escanteio.Quanto mais uma sociedade cresce intelectual e cognitivamente, menos religiosa e menos atrasada.