A ONU se derrama em elogios ao Irã
23/05/13 17:42O Irã acumula vasto histórico de denúncias por repressão moral, tortura, perseguição política e outras graves violações de direitos humanos. Mas em termos de desenvolvimento social e humano, a república islâmica é um modelo. Quem diz isso é a ONU.
O último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), divulgado no mês passado, mostra que as condições de vida da maioria dos iranianos deu um salto qualitativo gigantesco após a revolução popular que varreu do poder a ditadura pró-Ocidente do xá Mohamed Reza Pahlevi, em 1979.
O ponto de partida desta avaliação é o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, estabelecido pela ONU a partir dos anos 90 com o objetivo de incluir outros fatores além da simples economia para medir o padrão de vida médio de um país. O índice é obtido a partir de um cálculo que leva em conta expectativa de vida, educação (alfabetização + escolarização) e renda. A escala vai de 0 a 1. Quanto mais alto, melhor. Há muitas críticas contra a metodologia, mas o IDH foi amplamente abraçado como um indicador pertinente e respeitado. Uma olhada no ranking basta para perceber que a coisa faz sentido. A Noruega tem o melhor IDH e o Níger, o pior.
Irã (76ª posição) e Brasil (85ª) ficam no mesmo grupo de países com IDH “alto”. Abaixo dos “muito alto” e acima dos “médio” e “baixo”.
Não só a república islâmica está na frente da gente, como também teve um aumento duas vezes mais rápido que a média mundial. O IDH iraniano cresceu 67% entre 1980 e 2012, o equivalente a 1,60% ao ano. O resto do mundo evoluiu a uma média de 0,69% ao ano. A progressão do Irã supera até mesmo a média dos países no topo do ranking, que tiveram alta de 0,73% ao ano.
“Do ponto de vista do desenvolvimento humano [no período de 1980 a 2012], as políticas de intervenção do Irã foram tanto significativas quanto apropriadas para produzirem a melhora no IDH”, disse o chefe representante da ONU no Irã, Gary Lewis, ao apresentar o relatório a uma plateia de diplomatas estrangeiros. Também presente, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi, era pura felicidade. “Não é o governo iraniano que está dizendo isso, é um órgão externo”, deleitou-se.
Lewis compartilhou uma penca de dados favoráveis ao regime iraniano. Ele disse que a taxa de morte de mulheres em decorrência de parto no Irã é de 21 para cada 100 mil nascimentos. Nos outros países do grupo “IDH alto”, esse número aumenta para 47. No Brasil, o número de óbitos alcança a vergonhosa marca de 56.
O percentual de mulheres com educação secundária ou superior no Irã é amplamente maior que o número no Brasil _62,1% contra 50,5%. Mas as brasileiras levam a melhor em matéria de representação no Parlamento (9,6% contra 3,1%) e na categoria “igualdade de gênero”, onde o Brasil está em 85º no ranking mundial, enquanto o Irã está na posição 107.
Um amigo correspondente ocidental a serviço de um jornalão internacional, que está há mais tempo que eu no Irã, resumiu a situação da seguinte forma: “esses caras do regime podem ser criticados por um milhão de razões legítimas, mas se tem uma coisa que eles conseguiram, é dar condições de vida decentes para o povo”.
Programas sociais e subsídios movidos a petrodólares garantem um freio contra o tipo de miséria em larga escala que se vê em países como Índia e Egito. Iranianos não só têm acesso a universidades com razoável nível de ensino como também cultivam a ideia de que é feio não ter curso superior. Hospitais públicos repletos de médicos com especialização no exterior fornecem um serviço digno. A infraestrutura do país, de estradas a redes de telecomunicação, opera em condições aceitáveis. A violência urbana é mínima. Os iranianos compõem, em grande parte, uma sociedade de classe média.
Obviamente, o Irã está longe de ser um mar de rosas. Quando fui cobrir um terremoto que deixou centenas de mortos na remota Província do Azerbaijão Ocidental, no ano passado, vi camponeses miseráveis que viviam feito animais em casas de terra. O poder de compra da já mencionada classe média está ruindo por causa de um misto de sanções econômicas internacionais contra o programa nuclear e populismo desenfreado da era Ahmadinejad. As ruas de Teerã começam a ter alguns pedintes. O que muda em relação a vários países é a escala do problema.
Dito isso tudo, muitos iranianos com quem converso não se enxergam como integrantes de uma sociedade relativamente privilegiada, inclusive gente com boa situação financeira. Se dizem infelizes com o ambiente e sonham em se mudar para outro país. IDH não é tudo na vida.
PS: link para o relatório da ONU sobre o desenvolvimento humano no Irã
http://www.undp.org.ir/doccenter/hdr2013/IR%20of%20Iran%20Extract%20in%20HDR%202013%20ENG.pdf
Essa noticia da ONU contraria completamente a opinião mundial difundida pela midia americana de que o povo de nenhum país consegue evoluir sem a ajuda dos “donos do Mundo”.
Prosperidade sim, liberdade não. No Irã o povo tem casa e comida, mas se falar mal do governo apodrece na cadeia. O desafio do Irã é construir uma democracia sem que seja preciso uma invasão americana…
olá, samy adoro o seu blog e leio sempre que posso, eu gostaria de saber a situação do transporte publico ai no Irã??
Samy, parabéns pelo blog. Acompanho desde o primeiro post. Gostaria muito que você publicasse mais. Suas informações fogem do padrão por serem ricas em detalhes e muito relacionadas a realidade do país, uma visão de dentro. Sobre este tópico especificamente, não me admira a informação. Tendemos a identificar fortemente modelo de regime político com desenvolvimento e, consequentemente, riqueza. Talvez o modelo ocidental de pensamento nos faça querer acreditar que o modelo mais aceito é certamente o modelo que deve dar melhores resultados. E isso não é verdade. Uma coisa jamais poderia justificar a outra. Erro constante no Brasil e instrumento de continuísmo político: quem faz o país crescer ou quem melhor distribui a renda é que tem o direito de governar. Mais uma vez colocamos em jogo competição, conflito e retórica. Me parece que no Irã o jogo é mais limpo. O ideal de revolução determina o modelo de governo, preço pago para que não haja mudanças de planejamento, ou seja, o resultado planejado para a nação é mais importante que a ideologia de grupos, mesmo que isso custe a liberdade e a democracia. Mas quem disse que isso não culminará em um regime mais aberto no futuro? Veja, são mais pessoas com educação, saúde, renda… logo, uma população mais esclarecida e com opinião, e isso se fazendo melhor a cada geração. Fica a pergunta: seria possível no modelo iraniano uma sociedade mais proguessista no futuro, mantendo a tradição persa desde que respeitado o tempo natural de evolução cultural?
Caro José, ainda que suas questões não tenham sido dirigidas à mim, me permita comentar, se assim você permitir. Olha, acho problemático quando uma “revolução determina o modelo de governo”, como é o caso do Irã. A pergunta que me vem à cabeça é: quem parte faz parte da “revolução”? Quem a “revolução representa”? No caso do Irã a “revolução” foi comandada por clérigos ambiciosos pelo poder que impuseram um sistema político ao seu bel prazer, aos interesses. Ao povo coube apenas aceitar a “revolução” ou ir para cadeia, morrer ou deixa o país. Não acredito em soluções “revolucionárias” e acho que o futuro de sociedades cujo o sistema político foi “tomado” por “revolucionários” é o totalitarismo, vide Cuba, Coreia do Norte. A democracia, o voto, a “vontade popular”, ainda é, a meu ver, o sistema político ideal (mesmo sabendo que “vontade popular” é um conceito questionado, principalmente quando sabemos que as mídias estão sob controle de grandes conglomerados empresariais nos EUA, no Brasil, entre outras “democracias”…
Grande abraço
Samy, fiquei surpreso com esses dados da ONU! Nunca imaginei o Irã com IDH destes e olha que tudo isto com forte bloqueio econômico internacional desde 1979!
Esse parece ser o desafio de países que se aventuram em regimes políticos “contracorrente”, como Cuba e Venezuela. O desafio desses países é garantir desenvolvimento social, distribuição de renda e, ao mesmo tempo, garantir direitos civis. Será que se os EUA rompessem o bloqueio ao Irã e reatassem relações diplomáticas o Irã continuaria a ter esse IDH?
Muito interessante. Afinal, muitas vezes precisamos desideologizar o debate, para estudar políticas públicas e economia. Isso porque melhorar as condições básicas de vida interessa a todos, independentemente de qualquer visão de mundo que tenhamos. É sempre bom saber que um povo tem conseguido aumentar o seu Índice de Desenvolvimento Humano, ainda que falte muito a melhorar.
O blog como sempre mantém um alto grau intelectual!
Certamente haverá muitos infelizmente não entrevistados que valorizam a posição e a situação em que se encontra o povo iraniano. Nenhum governo se mantém por tanto tempo sem consentimento. Normalmente, principalmente em se tratando de “analistas ocidentais isentos” falando sobre o OM e governos islámicos, fica clara a má vontade com tudo o que não é o modelo defendido pelos barões que lhes pagam os salários. A única coisa que levo a sério nesse post é o link para as insuspeitas informações da ONU.
Oi, Samy, parabéns pelo seu blog! Leio sempre porque acho que você traz uma visão alternativa do Irã, sempre tão associado a Ahmadinejad, à questão nuclear e a repressão. Não sabia que eles estavam à nossa frente no IDH. Obrigada por nos mostrar esse tipo de informação.
Abraços!
Na sua opinião, estatísticas sobre saúde pública no Irã são mais confiáveis do que resultados de eleição? Talvez. Eu não tenho como saber.
F Pait, a ONU e seu batalhão de tecnocratas não se comprometeriam de forma tão enfática se não tivessem razões para acreditar nas estatísticas usadas. Além disso, o post tem muito de observação pessoal. Moro aqui há mais de um ano e meio. Vale lembrar, ainda, que até a traumática eleição de 2009, as votações iranianas ocorriam sem problema. Tanto que o regime várias vezes teve que engolir a vitória de candidatos indesejados, vide a avassaladora eleição do reformista Khatami em 1997, que acabou reeleito quatro anos depois, frustrando muita gente na cúpula do Estado.
Correto, agradeço a explicação. De fato quem pinta a Pérsia como se fosse o Zimbabwe ou Korea do Norte devia ler seu bom trabalho, e outros jornalistas, antes de falar tanta besteira. Mas sobre as estatísticas da ONU, peço licença aguardar mais antes de confiar muito.
reforçando o relato do Samy, eu fiz turismo no Irã, fui de Teerã a Shiraz de avião e retornei de carro, durante duas semanas, é claro que tínhamos motorista e guia em todas as cidades e pontos turísticos mas ao sair a noite sem acompanhante (guia ou o motorista) sempre encontrávamos iranianos que falavam inglês com fluência para nos orientar e não eram poucas pessoas, nos centros históricos sempre encontrava iranianos de todas as idades que vinham conversar conosco para “treinar” o inglês e os assuntos eram desde politica internacional a local, passando por explicações de como é a sociedade brasileira, ressalto que é uma visão dos grandes centros urbanos, mas a cultura do povo é muito acima da nossa, é claro que os guias tinham que apresentar relatórios sobre nós e fui testemunha da entrega de um no Ministério do Turismo por um guia sobre os turistas do dia anterior. Ressalto que é uma experiencia limitada, mas aonde no Brasil encontramos com facilidade na rua pessoas que tem fluência ou pelo menos “arranham” inglês?
F Pait é dificil comentar sobre eleições, vejamos no Brasil diversos jornais disseram que a vitória de Dilma foi graças ao Nordeste, analisando os dados é mentira ela ganharia mesmo sem o Nordeste devido a grande quantidade de votos nos maiores colégios (SP, MG, RJ), na Venezuela chamam Chavez de ditador mas nunca perdeu uma eleição, Capriles que agora diz que houve fraude foi eleito governador ganhando por pouco mais de 45 mil votos, No Irã alguns institutos inclusive um dos EUA davam uma vitória com margem maior a Armadinejad. Os protestos pós eleição foram maiores na capital mas em grande parte do interior do Irã Ahmadinejad é bem popular, o próprio Samy já destacou isso.
No mais na minha noção de democracia é um absurdo um presidente ser eleito sem uma votação direta pra presidente, no entanto nos EUA é assim e quem ousa dizer quem não existe democracia lá?