Que fim levou a Sakineh?
05/04/13 11:38Dia desses me deparei na linha do tempo do Facebook com o post de um amigo que dizia ter acordado querendo saber notícias da Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana cuja condenação à morte por apedrejamento sob acusação de ter traído e matado e marido causou comoção mundial há alguns anos. Mesmo sem ter sido solicitado, me senti compelido, na minha condição de correspondente no Irã, a compartilhar as parcas informações que se tem a respeito, já que o caso desapareceu por completo do noticiário.
Escrevi ao amigo e decidi estender a resposta, de forma mais elaborada, aos leitores deste blog.
Primeiro, uma boa notícia. Na verdade, duas. 1) Sakineh está viva. 2) A execução por apedrejamento não só foi cancelada como a lei iraniana baniu de vez essa prática de indizível barbárie, pela qual a pessoa é enterrada até o peito e leva pedradas até morrer.
A notícia não tão boa é que ela continua presa numa cadeia em Tabriz, importante cidade no noroeste do Irã. Sakineh, hoje com 45 anos, se encontra numa espécie de limbo jurídico, sem que se saiba ao certo se a sentença capital será aplicada de outra forma (enforcamento), se ela cumprirá pena de prisão ou se acabará libertada em virtude de alguma decisão política.
Um pequeno lembrete dos fatos – ou pelo menos da narrativa mais plausível, já que o caso é extremamente confuso e cheio de relatos impossíveis de verificar.
Sakineh pertence a um meio rural enraizado no extremo oeste do Irã. É uma região pobre e montanhosa, onde predomina a etnia azeri, que é completamente distinta dos persas, majoritários no país. Os azeris falam um dialeto turco e alguns sentem-se culturalmente mais próximos da Turquia ou do Azerbaijão, dois países cujas fronteiras ficam a poucas horas de carro de Tabriz, capital regional. Pratica-se nesta área um islã tido como mais conservador do que em outras cidades iranianas como Shiraz ou Kerman.
Sakineh, mãe de um rapaz e de uma moça, era dona de casa e fazia bico de babá em jardim de infância. Em 2005, seu marido foi dopado e assassinado com descarga elétrica por um primo dele e um comparsa. A polícia prendeu os dois homens e Sakineh sob suspeita de que ela tinha um caso com os matadores. Quem teria denunciado o suposto adultério é a mulher de um colega de trabalho do marido morto. O primo supostamente assassino foi condenado à morte, mas acabou perdoado pelos filhos de Sakineh e hoje está solto.
Já Sakineh confessou ter mantido “relações ilícitas com dois homens”. Há quem diga que ela se confundiu na hora de assinar a confissão de culpa por não compreender o farsi, idioma da Justiça iraniana. O processo foi todo truncado (e falho, segundo a defesa) devido às dificuldades de tradução do dialeto azeri para o farsi. Sakineh acabou condenada a um castigo físico: 99 chibatadas. A sentença teria sido aplicada na frente do filho.
Em 2006 iniciou-se o segundo processo de Sakineh, desta vez por suspeita de envolvimento na morte do marido. Ela foi inocentada das acusações de participação direta no assassinato, mas o juiz a considerou cúmplice. Após recurso, a pena foi reduzida de 10 para cinco anos de detenção. Mas eis que, de repente, algum juiz decidiu reabrir o processo por adultério, que já estava encerrado. Após uma série de reviravoltas confusas, Sakineh foi condenada à morte por apedrejamento (pena que NÃO consta no Corão). A Suprema Corte negou recurso e, em 2007, autorizou a execução.
Desde então, ONGs, governos ocidentais e advogados conduzem uma campanha para salvá-la. A polêmica chegou ao Brasil no fim do governo Lula, época em que o movimento em defesa de Sakineh pressionava o Itamaraty a aproveitar sua até então ótima relação com o Irã para interceder em favor da condenada. Lula pediu a Teerã que a libertasse e até ofereceu asilo à mulher. O governo iraniano respondeu algo na linha: “não, obrigado, deixa que eu cuido dos meus assuntos internos”.
Mas a comoção internacional parece ter surtido algum efeito. Em 2010, o governo iraniano anunciou que Sakineh “não será morta por apedrejamento”. No ano passado, altas autoridades morais e judiciárias endossaram uma decisão anterior do Parlamento para banir o apedrejamento dos textos legais iranianos. O último apedrejamento de que se tem notícia aconteceu em 2007, segundo a agência de notícias Associated Press, cuja equipe em Teerã, formada apenas por iranianos, é geralmente bem informada.
Sobram dúvidas. O que será feito de Sakineh? Ela tem, afinal, alguma culpa no assassinato do marido? Mesmo que se tenha uma posição contrária à pena de morte, é importante saber o que realmente houve. Para além da Sakineh, o que a Justiça iraniana fará com os anônimos condenados à morte por apedrejamento, mulheres e homens, que aguardam a aplicação da sentença? A execução a pedradas foi abolida só para novos casos ou também para os antigos condenados? Acho que nem a Justiça iraniana tem essas respostas.
Parabéns, Samy, pela nobreza de lembrar o drama de Sakineh.
E realmente, a versão nova do Coran não apresenta mais o apedrejamento.
Mas os hadiths ainda fornecem subsídio “teológico” suficiente para que ele continue a existir.
http://www.thereligionofpeace.com/Quran/001-adultery_punishment.htm
“No ano passado, altas autoridades morais e judiciárias endossaram uma decisão anterior do Parlamento para banir o apedrejamento dos textos legais iranianos.” Muito bom!!!
Samy, eu queria textos sobre o Sufismo, a linha mística do Islamismo.
Apedrejamento, que atitude medieval.
Evoluimos para que? Não é por aí que cerca o bicho.
Samy, mais um ótimo post. Mas, gostaria de saber se você conhece o livro abaixo. Sei que o prefácio é do Abbas Kiarostami, que o elogia por ajudar a desmistificar os estereótipos sobre o país.
Fiquei curiosa sobre a prática de psicanálise no Ira. Poderia render um bom post, na minha humilde opinião.
Faire de la psychanalyse en Iran
La psychanalyse et la République islamique peuvent-elles faire bon
ménage ? ? La psychanalyse, élaborée en Occident, peut-elle fonctionner en Iran ? Toutes ces questions, un livre très
étonnant,Doing Psychanalysis in Tehran* (“Faire de la psychanalyse à
Téhéran”, inédit en français), y répond.
Cet ouvrage est l’autobiographie d’une psychanalyste iranienne, Gohar
Homayounpour, formée aux Etats-Unis, qui est rentrée dans son pays
natal après vingt années passées à l’étranger. Elle a monté son propre
cabinet à Téhéran et y reçoit des patients de toutes les couches de la
société. Elle est la preuve que, oui, il est tout à fait possible de
faire de la psychanalyse en Iran. Ses cinq années de pratique ont
donné naissance à ce roman autobiographique qui, pour reprendre les
mots de l’auteure, est “une tentative d’écrire sous la forme d’une
séance de psychanalyse”.
En parcourant ces 176 pages, on rencontre des personnages qui
dessinent en creux un pays complexe et étonnant : une peintre
intellectuelle qui, atteinte de polyarthrite rhumatoïde, ne peut plus
peindre ; une fille religieuse et pratiquante ayant honte de vivre
chez ses parents car elle a perdu sa virginité ; un camionneur qui a
peur de la nuit et qui veut se connaître davantage… Les Iraniens,
tous les Iraniens, ont une soif inextinguible de parler, encore et
toujours.
Doing Psychoanalysis in Tehran, de Gohar Homayounpour, MIT Press,
octobre 2012, 176 pages.
Isa, o tema é, de fato, interessante. Ao menos em Teerã, psicanálise e psicoterapia são práticas comuns e aceitas.
Uma questão que não houve mais nenhuma repercussão (como de costume, na imprensa brasileira), mas que ainda habitava o pensamento daqueles que tem memória. Muito bom saber a quantas anda Sakineh. Espero que saia do “limbo jurídico” para uma decisão sensata. Parabéns, Samy.
É isso ai criminosos covardes,a vitima eletrocutada e torturada que vá pro inferno.A criminosa é inocente.Erro de tradução uma ova.
Tá passando da hora de executarem essa bandida covarde.
Nossa!!! O q isto Gerson???!!!
O q é q ela te fez para ter tanta raiva?!
Ela realmente não sabe ler farsi e assinou mesmo porq estava sozinha sem o seu advogado e com muito medo.
E ainda o Samy esqueceu de lembrar q advogado dela justamente porq deu entrevistas sobre o caso está preso e quando prenderam ele de tanta tortura está com sérios e series problemas de saúde sem q lhe dessem assistência medica.
Samy jan por favor se escreve ponha a notícia por completo.
Oh e outra coisa a abolição da sentença de apedrejamento embora ainda não entrou em vigor é um artigo da lei, porém como juízes no Irã agem por sua sabedoria e não conforme as provas físicas nada garante q apedrejamento não volte a ser executado.
Excelente artigo. Havia dúvidas sobre a situação atual de Sakineh e não é pelo fato de haver saído da mídia que o tema perdeu o interesse do público. A situação de Sakineh e de outros prisioneiros iraniamos continuam de interesse geral.
Quanto à polêmica sobre as perpétuas e pena de morte, convenhamos, nem uma e nem outra educa ninguém; entretanto onde estão as críticas em igual intensidade contra o mesmíssimo sistema aplicado em vários Estados norte americanos, inclusive contra pessoas comprovadamente inocentes?
Muito bom!
O que mais me incomoda é o fato da grande mídia ter feito tanto estardalhaço com relação a este caso uns anos atrás com o claro objetivo de demonizar o Irã. Mas agora com a demonização já feita simplesmente se calam. Ou seja, ninguém realmente estava interessado na vida desta mulher, que sim deve ser investigada e punida se for confirmada como mandante no assassinato ou inocentada.
Ressalto que o estardalhaço poderia sim ser algo bom se fosse pelos direitos humanos, mas não foi o caso. Interesse politico puro, utilizam deste belo conceito (direitos humanos) para finalidades terríveis contra um pais. Exemplo maior é que demonizam uns e se calam perante outros como o caso da Arabia Saudita.
Samy, gostaria de aproveitar para perguntar como os movimentos sociais funcionam no Irã, pq apesar de ser um regime teocrático, imagino que deva ter ativistas iranianos que residem dentro do pais dispostos a lutar por reformas radicais ou não.
Afinal a pressão internacional pode ser importante mas no final das contas o que vale mesmo é a pressão interna por mudanças.
Leon, a sociedade civil iraniana é vibrante, mas os movimentos oposicionaistas mais organizados perderam força após a implacável repressão de 2009. Isso dito, há uma inegável pluralidade de opiniões e correntes no país, que se reflete na diversidade de jornais e na agitada vida política.
Não Leon objetivo não era demonizar o Irã e não foi só no Brasil q teve a tal percussão foi no mundo inteiro alguns lugares mais e outros menos, e o objetivo era tentar acabar com o apedrejamento, eu sei o q estou dizendo é o meu trabalho e por isto sempre escrevo com pseudónimo, Bom no Irão tem muitos casos de violação dos direitos humanos e quem trabalha nisto está sob constante pressão e preocupação de ser perseguido e preso, as notícias vão como flechas e para fazer eco, algumas ficam mais tempo porém na maioria das vezes quanto o eco for mais tem dado resultado.
no trecho “Já Sakineh confessou ter mantido “relações ilícitas com dois homens”. Há quem diga que ela se confundiu na hora de assinar a confissão de culpa por não compreender o farsi, idioma da Justiça iraniana.” não me pareceu claro se tal ilicitude para ela seria quanto ao adultério ou a participação no homicídio. Essa confissão se deu no processo relativo ao adultério?. A pauta é excelente parabéns pela pesquisa.
Obrigado, Felipe. Sim, há registro de sua confissão no processo por adultério. Por outro lado, ela sempre negou qualquer participação no assassinato.
bom saber que a sakineh está viva, apesar de ainda presa. tomara que a turma dos direitos humanos continue a fazer estardalhaço quando aparecerem outros casos como este. obrigado por trazer o tema novamente à tona, samy.
Não sei porque tanta polémica, se ela realmente for culpada de cúmplice de assassinato ela tem mais é que ser punida mesmo. E se no pais a lei diz que tem que ser por apedrejamento então qual o problema. Aqui no Brasil somos tão críticos em relação ao abrandamento de pena no nosso judiciário, criminosos que cumprem apenas 1/6 da pena, juiz que desvia milhões de reais e cumpre pena domiciliar. Assassinos que por bom comportamento são libertados com metade do tempo e condenação etc.
Se ela for considerada inocente então ela tem que ser libertada , mas a justiça deve ser feita de qualquer forma. O Irã é um País soberano e não deve dar satisfação de suas leis a outrem.
Um fato raro, é que um jornalista se preste a ver o que aconteceu sobre um fato, tempos depois. Muito positivo…
Artigo muito bom. Meus cumprimentos ao repórter pelo trabalho investigativo. Essas teocracias são nocivas à civilização. E se essa pena por apedrejamento foi banida, quem sabe daqui 60 anos eles não param de enforcar gays em praças públicas? Detalhe que a Arábia Saudita, protegida pela mídia, tb tem leis absurdas e anti-humanas. A ONU se cala, pois não serve para nada. Por isso precisamos que Feliciano, que representa os Direitos Humanos em nosso Parlamento se pronuncie, pois ele certamente tem algo muito construtivo para enriquecer tão importante debate.
Feliciano? Este seria capaz de incentivar a morte por apedrejamento!
Apesar de não haver menção ao apedrejamento no Alcorão – que estipula a pena de cem chibatadas ou de prisão perpétua para adúlteros – defensores deste tipo de condenação afirmam que ela está no Hadith, uma compilação sagrada de leis, lendas e histórias sobre Maomé e, por isso, faz parte da Sharia, a lei muçulmana.(do jornal ‘O Estado de São Paulo’ – 2010)
Sim, Joel. Mas os hadiths são textos ambíguos e incompletos, escritos por pessoas sem credencial religiosa. São, na maioria dos casos, relatos de homens comuns que conviveram com o profeta Maomé. Os clérigos islâmicos são quase unânimes em afirmar que os hadiths estão longe de ter o mesmo valor jurídico e filosófico que o Corão. Além do que, cada país e cada governo religioso tem sua interpretação da sharia. O Marrocos, por exemplo, tem um código de leis baseado no islã, mas bane o castigo físico legal e hoje praticamente inviabilizou a poligamia.