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Samy Adghirni

Um brasileiro no Irã

Perfil Samy Adghirni correspondente em Teerã.

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Ahmadinejad e sua 'paixão' pela primavera

Por Samy Adghirni
28/03/13 13:27

Mahmoud Ahmadinejad não para de falar na primavera. Em qualquer discurso ou resposta, o presidente dá um jeito de fazer alguma alusão à estação. Primavera lá, primavera cá. Primavera isso, primavera aquilo.

Começou em setembro, em Nova York, quando ele encerrou seu discurso anual na Assembleia Geral da ONU dizendo: “Viva a primavera! Viva a primavera! Viva a primavera!” _”zendê bad bahár”, no idioma farsi. No mês seguinte, Ahmadinejad deu uma longa entrevista coletiva em Teerã, na qual falou sentado numa mesa coberta por jasmin e à frente de um painel mostrando flores escancaradamente abertas sobre verdejante grama para simbolizar a estação. No aniversário da revolução islâmica, em fevereiro, seu discurso foi encerrado com a mesma frase usada na ONU.

A coisa se intensificou nos últimos dias, por conta da chegada de fato da primavera, no dia 21 de março, que coincide com o Nowruz, o Ano Novo persa, festejado no Irã e alguns outros países da região. Pouco antes da virada, o presidente saía de uma reunião de gabinete sobre economia quando um repórter lhe perguntou se havia alguma novidade para a população. A resposta: “Pode haver notícia melhor e mais bonita do que ver a primavera chegando? O tempo do sofrimento se vai e, se Deus quiser, o próximo ano será bom e proveitoso para todos os iranianos”.

O tradicional pronunciamento do presidente à nação por conta do ano novo foi gravado ao ar livre, num cenário campestre cheio de árvores, como que para martelar de todas as maneiras possíveis a beleza da nova estação. À voz de Ahmadinejad se somava o alegre canto de passarinhos na volta. A maior parte do discurso de quase uma hora foi dedicada à primavera. O presidente disse que o Irã e o mundo atravessaram um longo e sofrido inverno, mas agora regozijam-se com a chegada da temporada mais florida. Sorridente e calmo, também falou que a primavera é uma benção imparável, uma onda irreversível de alegria que espalhará paz e prosperidade pelo mundo inteiro. Como todos já esperavam, o discurso terminou com “zendê bad bahár”, repetido umas quantas vezes, como se o presidente estivesse declamando um poema.

Mas, afinal, o que está por trás dessa tara pela primavera?

Trata-se, evidentemente, de uma mensagem política. Mais do que isso, “zendê bad bahár” é um arrojado posicionamento estratégico e eleitoreiro, pois a expressão passou a ser nada menos que o slogan informal de campanha do clã presidencial na tensa campanha para a eleição de 14 de junho.

Por conta da lei que impede três mandatos consecutivos, Ahmadinejad não pode concorrer. Mas ele está jogando pesado para emplacar seu chefe de gabinete e amigo íntimo, Esfandiar Rahim Mashaee, cuja filha é casada com um dos filhos do presidente. O problema é que Mashaee é detestado pela elite do establishment militar e religioso aliada ao líder supremo, aiatolá Ali Khamenei.

A turma que controla o topo do Estado, muito mais poderosa que a Presidência, enxerga Mashaee e o próprio Ahmadinejad como personagens excêntricos demais e insubmissos à ideologia da república islâmica. A acusação faz algum sentido. Os dois contestaram várias vezes decisões do líder supremo e defendem uma agenda muito mais ligada às raízes nacionalistas da Pérsia antiga do que ao islã, surgido entre povos árabes rivais dos persas.

Apesar da péssima imagem no Ocidente, Ahmadinejad é hoje o único alto funcionário do governo iraniano a querer afrouxar as leis morais, principalmente em relação às mulheres. O presidente também prega conversas diretas com os EUA para pôr fim ao impasse nuclear. Já Mashaee declarou numa entrevista há alguns anos que o Irã é amigo de todos os povos do mundo, inclusive dos israelenses. Por essas e outras, o líder supremo, que apoiara a contestada reeleição de Ahmadinejad em 2009, hoje enxerga o presidente como ameaça potencial às fundações do regime.

Diante disso, a cúpula do regime gostaria que o órgão eleitoral encarregado de avaliar as credenciais ideológicas dos presidenciáveis vetasse a candidatura de Mashaee. O problema é que Ahmadinejad já deixou claro que irá criar graves problemas se Mashaee for impedido de concorrer. O presidente ameaça revelar segredos para lá de comprometedores para o Estado, possivelmente envolvendo a eleição de 2009.

Para evitar um escândalo em plena campanha, o líder supremo insinuou em seu discurso de ano novo que talvez Mashaee seja autorizado a concorrer (os candidatos aprovados pelo órgão eleitoral serão conhecidos no ínicio de maio).

O clã do presidente proveu tantos subsídios e programas sociais que alguns bons milhões de votos podem ser dados como certos. Especula-se que Mashaee queira alcançar não somente os mais pobres mas também a classe média urbana e pouco religiosa. Já pensou se ele concorre e ganha, contrariando seus inimigos poderosos? É assunto para ser debatido mais perto da eleição.

A temática da primavera, portanto, é uma manobra subversiva, uma espécie de abre-alas politico-filosófico que remete à chegada de uma era de renovação, o que alguns enxergam como uma contestação velada do sistema em vigor. Muita gente também traça um paralelo com as primaveras árabes, que vêm derrubando a velha ordem para levar ao poder novas maneiras de governar. A eleição acontecerá na reta final da primavera.

O clã do presidente se apropriou a primavera de tal maneira que a TV estatal, ligada ao escritório do líder supremo, está proibida de usar a palavra, que também sumiu da maior parte das agências de notícias oficiais. O prefeito de Teerã, conhecido pelas ambições presidenciais, baniu da cidade todos os outdoors de boas vindas à nova estação. O deputado linha dura Mohammad Hassan Asafari disse que “Viva a primavera!” não passa de uma expressão de “desviados”, termo usado para se referir a quem contesta o governo islâmico.

Ahmadinejad dá de ombros e promete ir até o fim com seu projeto primavera. Custe o que custar.

About Samy Adghirni

Samy Adghirni, 34, é correspondente da Folha no Irã. Está no jornal desde o fim de 2007. Cobriu as revoltas árabes no Egito, na Tunísia, na Líbia e na Síria e fez reportagens no Iraque, Iêmen, Síria, Cisjordânia, faixa de Gaza, Turquia, Marrocos, República Dominicana, Equador, Argentina, EUA, Suécia, Bélgica e Finlândia, entre outros países. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Stendhal de Grenoble (França) em 2001 e trabalhou em Paris para as rádios BFM e Radio France Internationale. Em Brasília, foi setorista de Itamaraty e colunista musical pelo "Correio Braziliense" e colaborador da agência France Presse.
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Comentários

  1. Marcos comentou em 03/04/13 at 18:40

    Samy, muito bom ler seu blog, a gente fica sabendo da cultura e como vive aquele povo antiquissimo. Sempre leio comentários que o custo de vida lá é baratíssimo – domingo último um emigrante disse que com 100 dolares se vive lá. Se houver oportunidade mencione algo a respeito no seus blogs. Leio todos.

  2. Vinifrss comentou em 31/03/13 at 13:28

    Visito o site da Folha só pra ler o blog do Samy Adghirni.

    Um solitário farol de inteligência e integridade em meio ao oceano de escuridão, ódio e tristeza que é a grande mídia vassala de Washington.

    Valeu demais ler esse post sobre o Ahmadinejad.

    Gostaria muitíssimo de poder visitar esse titã da civilização universal que é o Irã, em particular a cidade de Esfahan.

    Vinicius
    Empresário na província de Liaoning, China

  3. Jailson Felix comentou em 29/03/13 at 18:07

    Se ele se candidatar tem chances, mas acho difícil ele passar pelo crivo do Regime Islâmico.

    O Zoroastrismo caiu na Pérsia mais em função das ambições de seu poderoso Rei, que declarou Guerra ao Império Bizantino, perdeu e destroçou toda a economia, indústria e agricultura. Os persas ficaram fracos demais e muito desmoralizados para impedir a invasão de povos árabes, e junto com eles o Islã. Junto com a Pérsia caiu a áfrica do norte, cristã e bizantina, já que Bizâncio ficou arrasada também com a guerra, apesar de ter ganhado. É uma pena. O irã poderia ser um porto liberal em plena idade média. Um contra-ponto entre o Islã e o cristianismo.

  4. Tárcio Leotério comentou em 28/03/13 at 23:56

    Interessantíssimo sua análise!!! Nossa nunca parei para pensar que Ahmadinejad se converteria num nacionalista persa ! Que sacada genial !

  5. Paula Avigne comentou em 28/03/13 at 23:15

    Interessante ver como a midia deturpa e muitas vezes apenas reproduz o que as grandes agencias de noticias querem. Parabens por mostrar outros aspectos do Irã indo muito alem de toda a ideologia que joga o Irã contra o mundo.Digo isso porque sempre venderam uma imagem do Ahmadinejad e cada post seu vemos a desconstrução dessa imagem criada muitas vezes inclusive o chamando de ditador quando quem detem realmente o poder são os religiosos, sobretudo o lider supremo.Excelente trabalho

  6. André comentou em 28/03/13 at 17:33

    Ao que me parece Ahmadinejad está claramente se utilizando de mensagem subliminar fazendo alusão a “primavera” arabe, apesar dos iranianos chamarem este movimento de despertar islamico. Talvez ele queira deixar claro que a primavera no Irã virá carregada de mudanças e que a população deve estar ciente disso.

    • mylton comentou em 02/04/13 at 8:07

      devemos também indagar que a mensagem da “primavera” colocada por Ahmadinejad necessita de organização social e política para ser iniciada, nos outros países que aconteceram a primavera havia um forte apoio religioso às mudanças, com o Irã este movimento sugerido é justamente contra o poder religioso, pelo que pude entender do artigo, pergunto ao Samy: existe apoio social e político para sustentar a posição do grupo do Ahmadinejad frente as eleições???

      • Samy Adghirni comentou em 02/04/13 at 19:14

        Mylton, Ahmadinejad e seu aliados têm o apoio garantido de muita gente entre os mais pobres, que se beneficiaram dos subsídios e remessas de cash mensais na conta bancária.

        • mylton comentou em 02/04/13 at 20:58

          subsidios mensais!!! Remessas de cash para as contas bancarias dos mais pobres!!!! Acho que o Ahmadinejad andou tendo aulas aqui no Brasil, se foi bom aluno vai ter sucesso.

  7. Gustavo Araujo comentou em 28/03/13 at 14:52

    Interessante. Devemos torcer pelo Ahmadinejad. Quem diria? Excelente artigo.

    • Fernando/Maceió-AL comentou em 30/03/13 at 0:02

      Pois é Gustavo, você disse tudo. Nunca pensei que iria torcer por Ahmadinejad, mas, se a vitória dele ou de um apoiado seu, significa a possibilidade de destituição da teocracia iraniana, tô com Ahmadinejad e não abro!

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