Contra a crise, iranianos aumentam gastos
14/03/13 17:10Um misto de sanções e má gestão do governo deixou a economia iraniana em situação pra lá de adversa, como já mencionei reiteradas vezes neste blog. A renda com as vendas do petróleo caiu pela metade. Para piorar, o Irã agora recebe a maior parte do valor das exportações em carregamentos de arroz, soja e muamba, em vez de dólares e euros.
O rial, moeda iraniana, perdeu metade do seu valor nos últimos seis meses. A taxa oficial de inflação é de 27%, mas ninguém duvida que o índice real é ainda mais alto. O poder de compra está em queda livre. O desemprego está próximo dos 12%, dado também contestável já que o governo insiste em considerar empregado quem trabalha algumas horas por semana.
Mas a reação de parte da população a esse cenário é um tanto curiosa. Em vez de apertar o cinto e cortar gastos, como é de praxe ao redor do mundo, muitos iranianos estão torrando dinheiro. O mercado imobiliário continua aquecido, e junto com ele o dos disputadíssimos outdoors publicitários nas principais avenidas de Teerã. Restaurantes vivem cheios, dos mais simples aos mais caros. Um carregamento com 500 Porsche tinindo de novos chegou há algumas semanas num porto ao sul do país. Muita gente ainda vai ao shopping Paytakht, no norte de Teerã, para comprar iPhones 5 e iPads. Nenhum sinal de penúria ou esfriamento em mercados e supermercados. Dia desses um dos vendedores de tapete persa no famoso bazar da capital me mostrou, todo sorriso, cheques recém assinados por clientes. Alguns valiam milhares de dólares. “Continuo vendendo muitos tapetes”, regozija-se o rapaz.
A explicação para esse fenômeno é a seguinte.
Os iranianos perceberam que nem no banco seu dinheiro está protegido contra a desvalorização. A cada ano, o valor absoluto das poupanças derrete um pouco mais. Diante desse cenário, uns optam por converter seu dinheiro em moeda “dura” (dólar, euro e libra esterlina) que fica guardado em casa, debaixo do colchão. Outros resolvem simplesmente gastar, investindo em patrimônio (apartamentos, comércios etc) à espera de dias mais estáveis ou antecipando planos de adquirir bens de consumo cujo preço está sempre aumentando. É possível que tudo isso não passe de uma bolha fadada à explosão, com a população gastando mais do que arrecada. Mas no curto prazo essa dinâmica está mantendo viva a economia do país.
A verdade por trás disso é que as sanções comerciais e financeiras impostas ao Irã por seu programa nuclear, apesar de dificultarem a vida de muita gente e de impedirem o regime de continuar faturando alto com petróleo, continuam a anos luz de atingir a meta declarada de forçar Teerã a curvar-se às exigências do Ocidente. A resiliência tem várias explicações.
Primeiro, o Irã é um país grande (17º maior território), populoso (75 milhões de habitantes) e com um grande setor industrial e agrícola para atender o vasto mercado interno. Ou seja que a economia vai muito além do petróleo e o país não depende tanto de importações.
Segundo, Teerã ganhou tanto dinheiro antes das sanções mais pesadas, adotadas em 2012, que os cofres do governo continuam abarrotados de moeda estrangeira. Avaliações conservadoras dizem que o país tem ao menos US$ 70 bilhões em cash estocado.
Terceiro, o Irã também é o país do jeitinho. Há relatos de que Teerã está pagando fortunas a consultores e auditores gringos capazes de ajudar a contornar as sanções. O petróleo iraniano sempre encontrará comprador, e as vendas sempre trarão algum dinheirinho.
Dito tudo isso, muita gente séria afirma que essa safra de sanções barra pesada é muito recente e ainda não começou a surtir efeito de verdade. Partidários desta tese dizem que, cedo ou tarde, Teerã ficará numa situação difícil, de estrangulamento, que levará o governo iraniano a um dilema existencial: dobrar-se aos inimigos para sobreviver, pesadelo de todos os regime ideológicos, ou continuar resistindo na esperança de que a corda estoure do outro lado?
Há algumas semanas almocei (num delicioso restaurante especializado em comida do mar Cáspio) com um dos melhores analistas iranianos. Ele fez uma previsão que achei pertinente. “Até agora o Irã tem resistido bem às pressões. O problema é que esse é um jogo de longo prazo, no qual o país corre o risco de seguir o caminho do Iraque de Saddam Hussein, que foi afundando aos poucos antes de ser completamente arruinado pelo isolamento e punições que antecederam a invasão de 2003”.
Verdade que o então Iraque de Saddam e seu arqui-inimigo vizinho persa têm história, perfis e governos muito diferentes. Mas essa queda de braço acerca do protagonismo iraniano continuará, na minha humilde opinião, sendo um dos temas geopolíticos mais interessantes dos próximos anos.
Feliz Naw-Rúz, Samy.
Samy por favor trata de um artigo de um tema significativo: “Naw-Rúz, Nowruz, Norooz,… eنوروز
O tema já foi tratado no ano passado. Segue link:
http://samyadghirni.blogfolha.uol.com.br/2012/03/17/ano-novo-e-sincretismo-no-ira/
Essas estatísticas são indiscutíveis?
O Irã está despencando como a Venezuela.As economias são frágeis, monopólios em decadência franca sem investimento adequado no essencial de manutenção à população e, sem controle do crescimento da mesma por muito tempo, por conta de um “ouro negro” em falência. Vamos ter sérios problemas em ambos os paises com prováveis conflitos internos em poucos anos.Podem anotar
O correspondente Adghirni nos permite saber o que realmente acontece no Iran, de maneira imparcial e realista. Quaisquer outras reportagens lidas no Brasil sobre o Iran parecem propagandas da política estadunidense.
Pois é, Samy, fica evidente na sua análise que sanções não são a melhor forma de pressionar regimes autoritários. O melhor exemplo é Cuba e Coréia do Norte que há mais de 50 anos vivem sob sanções e seguem em frente a pesar dos pesares. Fiquei pensando também se esse crescimento do consumo da população do Irã, mesmo em crise, não é também uma maneira de “seguir adiante”, cansados que estão os iranianos de tanta instabilidade. Comprar talvez seja aí, tal como aqui, uma válvula de escape da população para fugir desse cotidiano de tensões e privações.
Samy, pelo que relata, aparentemente a economia iraniana parece relativamente aquecida em Teerã. Como é essa dinâmica no interior do pais? Um tema interessante para os próximos posts.
belissíma ideia Daniel gostaria também de poder ler reportagens do interior mesmo e onde as pessoas não tem muito e vendem rin para sobreviver!!! o q Samy relata é de onde ele vive, no norte de Teerã q é e sempre foi uma região dos ricos e dos Ricos!!!
Quem disse que eu vivo numa bolha, Ameh? Faço frequentes viagens ao interior, conheço quase todos os bairros de Teerã, inclusive os mais pobres, no extremo sul, e praticamente só ando de ônibus. Informe-se antes de fazer, mais uma vez, acusações indevidas.
Pois é, Samy, fica evidente na sua análise que sanções não são a melhor forma de pressionar regimes autoritários. O melhor exemplo é Cuba e Coréia do Norte que há mais de 50 anos vivem sob sanções e seguem em frente a pesar dos pesares. Fiquei pensando também se esse crescimento do consumo da população do Irã, mesmo em crise, não é também uma maneira de “seguir adiante”, cansados que estão os iranianos de tanta instabilidade. Comprar talvez seja aí, tal como aqui, uma válvula de escape da população para fugir desse cotidiano de tensões e privações.
o lance do irã opta por receber alimentos como paga é previsto dentro duma dinâmica inaugurada pelo novo 2º mundo. a coréia do norte também pretende levar para seu país fábricas e serviços na área de alimentos, em seu processo de capitalização. este novo alinhamento não é algo deslumbrado como as brics, apesar de também haver disparidade étnica, histórica, etc.