Irã e EUA, aliados para salvar a luta livre
20/02/13 09:40Irã e EUA estão deixando de lado sua inimizade mútua (ou parte dela) em nome do amor pelo esporte.
Os dois países acabam de selar um pacto unindo forças numa campanha mundial para evitar que a luta livre, paixão e glória de iranianos e americanos, seja banida das modalidades olímpicas.
A aliança é uma resposta aos planos do Comitê Olímpico Internacional (COI), anunciados há duas semanas, de excluir a luta livre a partir de 2020, o que faria do Rio de Janeiro o último palco olímpico de um dos esportes mais antigos do mundo.
O argumento do COI é de que a modalidade tem pouco apelo popular e pouca visibilidade na mídia _uma maneira elegante de dizer que os patrocínios e o dinheiro movimentado são insuficientes. A decisão será discutida na próxima reunião do COI, na cidade russa de São Petersburgo, no fim de maio. Em setembro, um voto dos 100 e poucos membros do comitê decidirá se a luta livre se manterá na Olimpíada ou cederá lugar a uma das modalidades na fila de espera para entrar na principal competição esportiva do mundo. O páreo é duríssimo, pois os concorrentes da luta incluem atividades modernas e badaladas, como baseball, caratê e wakeboarding.
A ameaça à luta livre surgiu às vésperas do Mundial da modalidade, que se inicia hoje, quarta-feira 20 de fevereiro, justamente no Irã. O assunto tomou conta das delegações no complexo esportivo Azadi, a sudoeste de Teerã, palco da competição. Todas as grandes nações do esporte estão representadas, entre as quais Turquia, Japão, Rússia, Geórgia, Belarus e EUA (sim, cidadãos americanos podem entrar no Irã, inclusive turistas).
Movidos por pragmatismo e pelo tal espírito olímpico, que prega a superação das divergências políticas, os chefes das federações iraniana e americana marcaram de se reunir para delinear uma estratégia comum. Outras forças da luta livre formarão parte dessa frente, mas a república islâmica e a superpotência americana pretendem ser protagonistas.
“O Irã é um dos nossos aliados mais poderosos [na] luta livre”, disse o diretor das seleções americanas de luta livre, Mitch Hull, ao desembarcar em Teerã, na última terça-feira. “Estamos confiantes de poder trabalhar com a federação iraniana de luta livre, com os lutadores iranianos e com o povo iraniano para mostrar ao mundo que, independentemente do que acontece na política, temos o mesmo objetivo, a mesma crença e a mesma paixão [pelo esporte]”, disse.
O presidente da federação iraniana, Hojatollah Khatib, disse que os dois países devem “mostrar sua união” para resistir “com determinação” aos planos do COI.
Irã e EUA já haviam demonstrado uma louvável cordialidade na Olimpíada de Londres, em agosto, quando o superastro americano Jordan Burroughs, após faturar o ouro na final contra o iraniano Sadegh Saeed Goudarzi na categoria até 74 kg, abraçou e posou para foto com o adversário. Burroughs, que está em Teerã por conta do campeonato mundial, recebe tratamento VIP por parte do público iraniano. Competidores dos dois países se conhecem por encontrar-se com freqûencia em competições internacionais e nutrem uns pelos outros um profundo respeito mútuo. Nos anos 90, o técnico da seleção iraniana juvenil de luta livre era americano.
Mas enquanto os EUA podem continuar contando com um vasto leque de campeões olímpicos em outros esportes, o Irã perderia sua principal força em caso de exclusão da luta livre. Nos jogos de Londres, iranianos arremataram metade das medalhas disputadas na luta livre, incluindo três ouros. Com isso, a república islâmica obteve uma honrosa 17ª colocação no quadro de medalhas, à frente inclusive do Brasil. Sem luta livre, as chances de medalha do Irã cairiam drasticamente.
O amor dos iranianos por luta livre é quase tão antigo quanto seu país. Há relatos de lutas entre reis persas e até mesmo entre figuras do islã xiita. Na tradição local, espera-se que os grandes lutadores sejam homens dignos, honestos e generosos. Uma áurea de quase santidade envolve os campeões. Um dos grandes heróis nacionais da era moderna é Gholamreza Takhti, que se opôs à ditadura secular do xá Reza Pahlevi e acabou morrendo em circunstâncias não esclarecidas, em 1968.
O esporte já foi usado como ferramenta política para diluir tensões entre os EUA e seus inimigos. O caso mais famoso foi a chamada diplomacia do ping pong, que abriu um canal com a China em plena Guerra Fria, pavimentando o caminho para a visita do então presidente americano Richard Nixon a Pequim, em 1972. Mas o mundo mudou. Ficou mais complexo e menos idealista. Uma mágoa quase insuperável norteia a percepção mútua entre Teerã e Washington. Ninguém espera que a camaradagem entre atletas e federações tenha qualquer impacto no plano político.
P.S.: Três dias após a publicação deste post, o Irã sagrou-se campeão mundial de luta livre, derrotando a Rússia na final, em Teerã. Os EUA terminaram em terceiro lugar. O presidente Mahmoud Ahmadinejad foi pessoalmente cumprimentar os atletas do país inimigo, com quem posou, sorridente, para fotos. Algumas imagens da acolhida americana em Teerã aqui registradas:
Muito interessante, agora o COI pensa em $$$$, os Jogos Olimpicos modernos foram idealizados com a finalidade de unir os povos, inclusive na história dos jogos modernos vários atletas perderam suas medalhas após descobrirem que foram “financiados” nos treinamentos, parece que o Espirito Olimpico não está presente na mente dos cartolas.
Tirar a luta Greco romana, que se não me engano está presente desde o inicio dos tempos, leia-se desde a antiguidade, das Olimpiadas é um absurdo.
Pelo menos encontramos o espirito Olimpico unindo os povos do Irã e do EUA.
Parabéns Samy, sou leitor assíduo do seu blog uma vez que o Irã me desperta muita curiosidade.
Não consigo entender como o COI é tão obcecado com dinheiro, parece até que as Olimpíadas é um evento obscuro que ninguém assiste, em risco de extinção. Pra início de conversa acho que eles poderiam tirar os esportes que não são esportes, como iatismo, hipismo, ginástica rítmica desportiva ou nado sincronizado.
Excelente “post”. Lembrou-me aquela época em que um grupo de iranianos invadiram a embaixada do Reino Unido em represália a novas sanções impostas ao Irã no mesmo período, fato que ocorreu em 2011, se não me engano. Um dia depois do incidente, um britânico e um iraniano estavam se enfrentando numa luta oficial de “tae kwon-do” sem qualquer problema. Outra demonstração do tal “espírito olímpico”, fato muito louvável.
Samy, sabe dizer qual a reação das autoridades dos dois países em relação a isso? Algum político chegou a comentar alguma coisa?
P.S.: A pergunta é referente ao “post”, ou seja, à união das duas federações de luta livre, e não ao meu comentário.
Thiago, as federações, em qualquer esporte e em qualquer país, sempre agem com algum grau de coordenação com autoridades e políticos, ainda mais num lugar como o Irã. Não creio que haja empecilhos políticos à aproximação entre Irã e EUA no esporte, até porque é de seu interesse comum unir forças nessa batalha para salvar a luta livre.
Já postei elogios ao seu blog e realmente vc é o “cara” do jornalismo no Brasil quando trata-se de política internacional.Sinto muita falta dessa clareza e imparcialidade naqueles q comentam o conflito sírio.Mais uma vêz,parabéns!!Saudações.
Oi, Samy. Primeiramente parabéns pelo blog, obrigado por nos trazer o Irã assim. Uma pergunta: A luta em questão não seria o Wrestiling ? No caso a melhor tradução não seria “luta greco romana”, ao invés de “luta livre”? Acho que a segunda traduz melhor os UFCs…grande abraço!
Obrigado, Angelo. Sim, estamos falando do Wrestling, que tem várias categorias, como luta greco-romana e estilo livre.
Samy vê se entende uma vez por toda q Estados Unidos e Irã ñ deixaram a sua inimizade mútua (ou parte dela) em nome do amor pelo esporte, e o povo e atletas e artistas e….. nunca tiveram a tal inimizade q vc quer q pareca q tiveram e deixaram de lado por amor ao esporte!!!
Ainda que você conclua, com propriedade, que : “Ninguém espera que a camaradagem entre atletas e federações tenha qualquer impacto no plano político”, fica evidente que a imizade entre iranianos e estadunidenses é apenas no plano político e que a população dos dois países se mantêm em comunicação civilizada, inclusive através do esporte. Os políticos dos dois países bem poderiam “levar tudo na esportiva”…
Será que a possibilidade de exclusão da luta livre não tem o “dedinho” yanke? Uma forma de desmoralizar o Irã também no esporte? Não sou do tipo que vê teoria conspitatória em tudo, mas fiquei pensando se é só mesmo por questão de falta de patrocinador, visibilidade, grana.
abraço
Fernando/Maceió-AL
Fernando, tudo é possível em termos de golpes baixos na geopolítica, mas acho improvável, pois os EUA também sairiam bastante prejudicados com a exclusão da luta livre dos jogos olímpicos.
Luta Livre é um esporte para super machos, afinal, tem a ver com a masculinidade.
O COI não deve banir esta modalidade.
Deve banir volei de praia, um joguinho bem inutil.
Esporte para super machos é o fim da picada. Super espectador topeira também que adoraria passar um oleozinho nos super machos.
Acho que luta greco-romana tem que continuar. Tem tudo a ver com a origem dos jogos. Ridículo é distribuir quase dez medalhas de ouro para levantamento de peso, enquanto a maioria dos esportes coletivos mais praticados universalmente distribuem apenas duas, no máximo quatro medalhas.