O “high five” mais polêmico do mundo
12/02/13 14:53A cena causou furor na mídia e na blogosfera da Alemanha e irritou grupos anti-Irã.
Uma câmera que filmava uma conferência sobre segurança internacional em Munique na semana passada flagrou um surpreendente “high five” _espécie de “toca aqui” feito com a mão aberta levantada e visando um sonoro impacto com a mão do interlocutor_ entre um alto diplomata iraniano e a deputada no comando do influente Partido Verde alemão, ambos risonhos e cúmplices. A cena, registrada num auditório cheio de VIPs, é inusitada por várias razões.
Primeiro, porque a lei do Irã proíbe qualquer contato físico entre pessoas do sexo oposto que não sejam casadas ou parentes próximos. Se um homem iraniano qualquer não pode apertar a mão de uma mulher em público, o que dirá quem é encarregado de representar oficialmente o regime no exterior. O mais engraçado é que quem toma iniciativa é o diplomata, cuja mão fica no ar por alguns segundos. A deputada responde com tanta empolgação que ela chega a fazer uma paradinha antes de bater, com gosto, na mão do iraniano. Um “high five” daqueles.
Segundo, porque o “high five” é um cumprimento tão tipicamente americano que há nos EUA uma turma mobilizada para transformar a terceira quinta-feira do mês de abril em “Dia Nacional do High Five”. Vindo de um diplomata iraniano, um aperto de mão, algo tão universal, não surpreenderia tanto.
Terceiro, porque o diplomata e a deputada têm, em tese, tudo para ser inimigos. Ele é ninguém menos que Ali Reza Sheikh Attar, 61, embaixador do Irã em Berlim, homem de confiança de um regime que a Alemanha e demais países da União Europeia pressionam e criticam por seu programa nuclear e violações de direitos humanos. Sheikh Attar já foi vice-chanceler de 2007 a 2008 e governador do Curdistão iraniano nos anos 80, quando foi acusado de cumplicidade no massacre de oposicionistas curdos, o que ele sempre negou. Ela é Claudia Roth, 58, líder de partido e de bancada, ex-deputada no Parlamento europeu e veterana política com longa trajetória de militância em favor de mulheres, minorias e artistas.
Desde que o vídeo vazou, Claudia Roth vem sendo duramente atacada por veículos de imprensa, políticos rivais, movimentos pró-Israel e dissidentes iranianos. O jornalão populista “Bild” lhe concedeu o título de “perdedora do dia”, seção que visa punir comportamentos supostamente condenáveis. A ONG judaica Honestly Concerned criticou a deputada por ostentar proximidade com um regime que “nega o Holocausto e ameaça a existência de Israel.” Todos os críticos lembram que ela visitou o Irã em 2010.
A imprensa iraniana tem sido até agora mais clemente com Ali Reza Sheikh Attar. Alguns sites dizem que ele deveria ter recorrido ao gesto padrão usado por diplomatas iranianos para saudar mulheres: juntar as palmas das mãos na altura do peito e curvar-se ligeiramente, no estilo indiano zen. Mas tudo aqui vem com algum delay. E é possível que do fragmentado círculo de poder em Teerã surjam vozes pedindo a cabeça do diplomata.
Por meio de assessores, a deputada e o embaixador vêm se responsabilizando mutuamente pelo cumprimento, argumentando ter sido “pegos de surpresa” pela iniciativa do outro. Chegaram a negar que tenha sido um “high five”, contrariando a evidência mais cristalina.
Eu já entrevistei pessoalmente Sheik Attar, em março de 2008, quando ele fez visita oficial a Brasília na condição de número dois do Ministério das Relações Exteriores do Irã. Conversamos por cerca de 40 minutos na embaixada iraniana sobre as relações Brasil-Irã, naquela época em plena ascensão. Não faço ideia se Sheikh Attar é culpado pelas atrocidades que oposicionistas lhe atribuem, mas me pareceu simpático e articulado. Ele topou falar em inglês, algo raro entre funcionários do governo iraniano, que geralmente se abstêm de pronunciamentos públicos no idioma do inimigo.
Minha humilde opinião é que o embaixador e a líder do Partido Verde se conhecem provavelmente há tempo e nutrem um pelo outro uma simpatia que transcende seus respectivos cargos. Ninguém faz “high five” sem se sentir à vontade para isso, muito menos adultos maduros submetidos às agruras da política. Naquela hora, eram Ali Reza e Claudia que pareciam se reencontrar, despidos de seus sobrenomes e rótulos. Seres humanos que compartilham afinidade e sintonia natural, mas cuja espontaneidade flagrada pode lhes custar caro.
Samy, muito bom!
Leio seu blog há quase um ano e só agora que estou comentando. Preciso dizer que admiro muito seu magnânimo trabalho como jornalista, passando-nos preciosas informações acerca de um país tão estigmatizado e ao mesmo tempo tão lindo como o Irã. Esta é certamente a minha principal fonte de informações acerca do país persa, e admiro-a bastante, pois você consegue escrevê-la de uma forma imparcial, bem mais do que aquela que nós somos tão acostumados a ver pela grande mídia… Parabéns.
Eu sei que é bem chato você ter que ver diversas vezes esse tipo de ovação aqui, mas eu achei digno de minha parte. Pena que um dos temas mais polêmicos, que é o dos homossexuais, você tenha comentado tão pouco. Espero que você um dia faça um “post” sobre isso.
Uma pergunta: surgiu alguma novidade acerca do caso do “high five”? Alguma informação a mais foi descoberta acerca da relação do diplomata e da deputada?
Obrigado, Thiago. Tratei da questão da transgeneridade no Irã em recente longa reportagem na versão impressa da Folha, o foco era o paradoxo entre a negação de que há gays no país e a política do governo que estimula e financia operações de troca de sexo. Com uma busca no site você poderá encontrá-la. Que eu saiba, nenhum novo desdobramento na polêmica do “high five”.
Era de esperar esta reação alemã dos iranianos, o high five poderia ser entendido pelos europeus como uma forma de aproximação e diálogo com os iranianos, o que o ocidente tanto almeja para resolver questões pendentes e preocupantes, como a nuclear.
Cara, sou fã do seu blog, parabéns!
Tiveram um caso… (?)
O high five dos dois me pareceu, a mim também, um gesto menos político e mais de empatia pessoal dos dois. Samy, embora você informe que era um evento sobre segurança internacional em Munique, gostaria de perguntar se você sabe o que havia ocorrido naquele exato momento em que a alemã e o iraniano fazem o “toca aqui”. Fiquei pensando se seria alguma votação ou manifesto em que os dois tinham posicionamentos políticos idênticos, como se dissessem: “é isso aí, bate aqui”.
Você sabe algo sobre isso?
Outro pensamento que seu texto me suscitou é: “meu Deus, a que ponto chegamos! Num simples “bate aqui” pode custar a cabeça de uma pessoa!!!!”
Obrigado
Fernando/Maceió-AL
Fernando, a cena ocorreu durante a Conferência Internacional de Segurança, evento anual que reúne, na cidade alemã de Munique, a nata dos políticos, diplomatas e acadêmicos especializados em geopolítica e terrorismo. Naquele instante, segundo relato do embaixador, a sala aguardava a chegada do chanceler iraniano, que faria um importante discurso.
A repercurção negativa de um gesto tão humano de carinho e amizade nos faz crer que O ENTENDIMENTO E A PAZ está distante. Na minha opinião pessoal, não é de defender ‘cicrano’ ou ‘beltrano’, mas foram os países oposicionistas ao governo iraniano que colocam ‘chifres na cabeça de minhoca’, por nada.
Li duas vezes e não tinha visto ..rs desculpe=me
oque é um high five,seria uma espalmadas de mãos .
Alexandre, a explicação está no início do texto.