Da neve ao calorão: as quatro estações no Irã
27/12/12 11:31Lá se vai mais de um ano desde que me instalei em Teerã. Nesse período, umas das coisas que mais me cativaram é o clima, mais precisamente a maneira como ele evolui e se transforma ao longo dos meses. A capital iraniana é um desses lugares onde há quatro estações claramente marcadas e definidas, cada uma moldando paisagens e vidas. Inverno com neve, primavera florida, verão sufocante, outono cor de ferrugem, igualzinho ao que a gente aprende na escola. Nunca estive num lugar com tantos contrastes meteorológicos.
Fazia um frio pavoroso na madrugada em que desembarquei em Teerã com mala e cuia. Os poucos metros entre a porta do terminal e a fila do táxi pareciam uma distância sem fim. Entrei no carro tremendo o queixo. Como eu não tinha roupa apropriada para tal clima, uma das primeiras coisas que fiz foi comprar um casacão forrado daqueles que mal existem em lojas no Brasil.
No inverno as montanhas que se erguem ao norte de Teerã ficam cobertas de neve, formando uma colossal e majestosa parede branca logo ali, a poucos quilômetros da minha casa. As pistas de esqui nos arredores da capital são fantásticas, garantem amigos gringos especialistas no assunto. Quem tem dinheiro aluga chalés e passa finais de semana inteiros curtindo lareira e aconchego. Também há neve em abundância cobrindo os parques e canteiros de Teerã. É curioso constatar que essa neve arrefece à medida em que se desce rumo ao sul da capital, onde a temperatura é alguns graus mais elevada. No inverno as árvores perdem toda folhagem, reforçando a melancolia nessa cidade sisuda e quadrada. Há dias em que o sol aparece e as nuvens somem, desvendando uma luz invernal de indescritível pureza. Dura pouco, pois começa a escurecer logo depois das 16h. Nem pensar em desligar a calefação.
No fim de março os dias já são bem mais longos e menos frios, prenunciando a estação seguinte, a mais bonita na minha opinião. Basta um par de semanas para Teerã mudar de cara por completo. O verde ressurge, os parques lotam. Há tantas flores brotando em tantos lugares que a cidade fica até colorida. O casacão torna-se dispensável, mas convém guardar um pulôver ao alcance. A primavera coincide com as férias do Nowruz, o Ano Novo persa. Todo mundo troca presentes, muita gente viaja e os engarrafamentos monstruosos dão uma trégua. O problema é que a chegada do sol abre a alta temporada da repressão contra mulheres vestidas de maneira imprópria aos olhos do regime. Vans da polícia moral tomam conta das praças e esquinas para lembrar a todas as moças e senhoras que os dias de crescente calor não justificam descuidar do hijab (véu sobre o cabelo) e do mantô (peça de roupa que deve descer até a coxa para esconder as formas) obrigatórios.
Em junho a disparada do termômetro já pesa sobre as cabeças. O calor é seco, desses em que é mais difícil ficar empapado de suor. Haja chuveiro e bebida gelada. Nunca gostei de ar condicionado, mas sem ele eu não conseguiria trabalhar. Durmo com a janela da sala aberta, desde que a grade antimosquito esteja devidamente instalada. A poluição atinge seu pico nesta época do ano, tornando o ar sufocante em Teerã. A neve derreteu nas montanhas, mas lá no alto a temperatura continua bem mais amena. A melhor maneira de se refrescar ao ar livre é aventurar-se nas trilhas que sobem até 4.000 metros. O verão tam chuvas ocasionais, fortes e efêmeras como no Brasil.
Quando as chuvas se tornam mais frequentes, significa que o outono se aproxima. Em setembro já fica evidente o encurtamento dos dias. O verde das árvores e parques escurece até deixar a cidade toda ruiva. Daí em diante as folhas começam a cair, cobrindo calçadas e canteiros durante semanas. Minha assistente acha que esse período, não a primavera, é o mais bonito do ano. No dia 14 de outubro voltei a fechar a janela da sala. Pouco depois passei a usar um casaquinho, e passadas algumas semanas, ressuscitei o casacão.
Samy, feliz 2013. Seu trabalho é fabuloso e preciso.
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Aos leitores, fui ao Irã no ano passado e foi uma viagem fabulosa. O povo é muito educado e atencioso, até eufórico quando sabem que a gente é estrangeiro. Podemos desfazer muitos, muitos mitos que a mídia cria. O visto é menos complicado do que a gente imagina e os preços lá são bons. Na verdade, o que atrasa o visto é que no Brasil os dias de folga são sábado e domingo, e lá quinta e sexta-feira. Assim, sobram 3 dias úteis para a burocracia simultânea. Não há risco de assalto mesmo tarde da noite e todo mundo faz piquenique nas várias praças. Foi um sonho que realizei e pretendo voltar para completar meu mapa da História Persa. Nesta primeira vez, estive em Yazd, cidade histórica no deserto com mais de 3.000 anos. Fui também a Shiraz, Pasárgada, Persépolis, Esfahan, Natanz, Teerã e ao Mar Cáspio (Bandar-e-Anzali). Na próxima, quero ir às ruínas de Ban, Meshad, Golfo Pérsico, Tabriz e esticar para o Azerbaijão, Uzbequistão. Talvez Turcomenistão, mas esse tem menos História. Como disse num post antigo, andei todo o país com meu crucifixo à mostra, e não houve um só momento em que tenha me sentido discriminado. Pelo contrário. Era uma experiência também encomendada por um amigo, que tinha curiosidade. Por fim, algumas iranianas são mesmo lindas.
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Feliz Ano Novo!
Samy, algum tempo acompanho teu blog e o blog do Gustavo Chacra. Tenho um interesse inexplicável pelo Oriente Médio e pelas religiões monoteístas (judaísmo, zoroastrismo, cristianismo e islamismo), apesar de eu mesmo ser ateu. Talvez seja pelo fato de achá-las extraordinárias e encatadoras, por um lado, e opressoras, pelo outro.
Você não possui alguma página no Facebook para a gente curtir? Seria também alguma forma de divulgar ainda mais o teu blog e aumentarmos a frequência de leitores aqui no blog, que é um dos melhores do Brasil, sem dúvida.
De qualquer forma, fica a dica e desejo-te um feliz 2013 cheio de realizações. Um grande abraço!
Samy, aqui do Brasil te desejo um excelente 2013!!!
ótimo texto, parece até que já conheço o Irão!
Espero sinceramente que 2013 seja um ano construtivo para a paz mundial e que problemas politicos sejam resolvidos por dialogo entre nações.
Caro Samy, voce ecreve: -começa a temporada de represão contra as mulheres vestidas de maneira imprópria aos olhos do regime. Pergunto: que tipo de repressão? Estas ações repressivas são amparadas legalmente? Existe alguma exceção? Não existem praias ou piscinas no Irã? Estes locais são proibidos às mulheres iranianas? E não o sendo a frequência seria com este “uniforme de gênero” que você descreve? Mesmo em locais privados, prevalece a exigência? Aclare estas minhas dúvidas, por favor.
Abraços, Alfredo.
Alfredo, a repressão tem amparo legal, claro. A mulher vestida de forma inapropriada pode ser levada à delegacia para simples advertência ou processo em caso de reincidência. Isso dito, dificilmente os processos resultam em punições sérias. Em muitos casos, uma multa ou uma sessão no tribunal resolvem a pendência. Há muitas praias e piscinas no Irã, todas segregadas, mulheres de um lado, homens do outro. O mesmo vale para o transporte público e as academias de ginástica/musculação. Em locais privados (residências) a segregação e o uso do véu não são obrigatórios. Mas o comércio, as repartições públicas, os restaurantes e as universidades não são sujeitos à separação por gênero.
bom dia, a voce e continua dentro de seu trabalho e profissionalismo, colocando as suas analizes e seu conceito de ser humano, eu sei o que é bom muitas coisas ai no Irã, ja estive ai mais de duas vezes, parabens e continue este trabalho , precisamos de suas informações e analizes com critério abraços e boa ano de 2013, jose aluisio
Bela descrição das estações do ano e sua influência no regime político iraniano: o calor e a vigilância sobre o corpo das mulheres; o frio intenso e a sisudez das pessoas, a primavera e a alegria da troca de presentes. Sei que você deve ser muito ocupado, mas me pergunto por que vc demora tanto a postar no blog. Não precisa ser textos tão poéticos (e tao bem escritos) como esse, basta que seja uma impressão qualquer de um brasileiro na Pérsia. Outra questão: é complicado obter visto de turista para visitar o Irã? As pessoas comuns entendem inglês? Turistas são bem vindo? Quais as “roubadas” um turista brasileiro deve evitar?
Grande abraço e feliz 2013. Aliás, os Iranianianos seguem o calendário gregoriano?
Fernando/Alagoas/Maceió
Fernando, minha ocupação principal é ser correspondente para a versão impressa da Folha de S.Paulo, escrevo bo blog sempre que dá. É bastante simples obter visto de turismo e, sim, muita gente fala inglês, mais do que no Brasil em todo caso. Já escrevi sobre turismo no Irã, fiz um caderno inteiro, procure nos arquivos do jornal. Há dicas de vários tipos. Resumidamente, nenhum problema em partricular em relação ao Irã, é muito seguro e as pessoas são das mais acolhedoras que conheço, também escrevi a respeito, desta vez no blog. Os iranianos seguem o calendário persa.
Senti vontade de conhecer… aceitaria até usar hijab e mantô!
Muito bom o texto, adoraria conhecer o Irã.
Belo e literário texto, Samy!
Sigo seu blog a tempos… Esta detalhada descrição de Teerã me faz encantar-me, e querer debruçar-me mais ainda em curiosidades pelo Irã.
Teu blogue é um dos mais bacanas que eu conheço. Sempre bom passar por aqui para ver esse outro olhar, o do cotidiano das pessoas comuns.