Fazendo academia em Teerã
22/08/12 09:15De manhã, só mulheres. À tarde, acesso exclusivo aos homens.
Foi a primeira grande diferença que notei em relação ao Brasil quando me inscrevi numa academia de fitness perto de casa, movido pela necessidade de voltar a cuidar do corpo e aliviar a mente ocupada pelo trabalho e outras preocupações nestas terras tão distantes.
O ambiente é semelhante ao de qualquer academia brasileira: máquinas de musculação (razoavelmente modernas), esteiras enfileiradas, TVs de tela plana transmitindo imagens de futebol e esportes radicais, música ocidental barata em volume ensurdecedor e lanchonete com sucos naturais.
Mas prevalecem as diferenças, principalmente no âmbito… digamos comportamental.
Logo no meu primeiro dia vi um bombadão tirar a camiseta e baixar o calção para se exibir aos colegas. De cueca, em pé no meio da sala, ele fazia caras e bocas ao contrair os músculos diante da plateia que o cercava. Alguns amigos marombeiros estendiam a mão para tocar seus braços e coxas. Em seguida, o pequeno grupo alinhou-se na frente de um espelho para uma observação coletiva dos abdominais.
Os bombadões, aliás, formam um grupo unido e cúmplice. Cumprimentam-se com três beijinhos no rosto e passam o tempo todo juntos, ajudando uns aos outros na hora de levantar barras mais pesadas. Falam e riem alto. Muitas vezes ocupam todas as cadeiras da lanchonete, espalhando seus iPhones e outros celulares caros sobre as mesas. Depois descobri que vários daqueles sujeitos são competidores de bodybuilding.
O curioso é que os instrutores quase só dão atenção aos mais fortes. Gordinhos, magrelos ou adultos com mais de 30 anos em busca de um upgrade são quase sempre ignorados. Montar minha série de exercícios foi um parto, pois nenhum professor queria gastar tempo comigo. Quando a série ficou pronta, respondiam minhas dúvidas sem muita paciência, apontando vagamente para algum canto da sala se eu havia me esquecido do nome de algum aparelho.
Enquanto uns malham ou correm na esteira sem camisa, outros fazem exercícios de calça jeans e/ou chinelo, o que seria vetado em qualquer academia séria no Brasil.
Outro risco à segurança é a ausência de avaliação física.Não há nem sequer uma sala específica para isso. Para se inscrever, basta levantar a camisa por alguns segundos diante do professor _e no meio de todo mundo. Tudo bem que deve haver academias mais profissionais na cidade, mas a minha está longe de ser chinfrim. Pago caríssimo para os padrões locais (R$ 130 por mês), e alguns clientes chegam de Porsche ou Mercedes.
Outra diferença é que, nas academias brasileiras, o revezamento em alguma máquina costuma ser fruto de um comum acordo entre as partes. -“Pode revezar?” -“Pode, claro” ou -“Peraí que só falta uma série”. Aqui no Irã, ou pelo menos na minha academia, não se pede permissão para tomar conta de algum aparelho quando o usuário estiver recuperando o fôlego num intervalo entre séries. Foi estranho ver pela primeira vez alguém se atravessando na minha frente e se instalar tranquilamente no banco que eu estava usando. Um bela dia até resmunguei com um cara, que deu de ombros e respondeu algo pouco amigável que eu não entendi.
Também estranhei o fato de ninguém guardar os pesos no lugar depois de usá-los. Terminam a série e vão-se embora, deixando um monte de pesos montados nas barras ou espalhados pelo chão. Quem coloca o material de volta no seu devido lugar é um jovem funcionário afegão, imigrante que fugiu do regime Taleban dez anos atrás e nunca mais pôs os pés no país natal.
Apesar das estranhezas, está valendo a pena. O ambiente após algumas semanas ficou mais familiar, e hoje já engatei vários daqueles clássicos papos de marombeiro, rasos e tranquilos. A academia, onde sou o único estrangeiro, virou uma extensão do meu trabalho de observador da vida iraniana. Ali eu tenho uma representação in natura privilegiada da burguesia ocidentalizada do norte de Teerã.
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Mal posso acreditar que na imprensa brasileira se possa publicar um artigo como esta, que NÃO é abertamente anti-Irã !!!
Será que mudaram a Diretoria da F0lha ???
Ou será que os verdadeiros donos dela ainda não viram esta “heresia” editorial?
Será que o Samy permanece, ou breve será “expurgado” ???
Ei, Samy, articulistas honestos são logo demitidos !!!
Parabéns Samir,
Tuas crônicas sào um raio de luz nas trevas noticiosas. Contribuem também para desdemonizar o Irã e os iranianos, onde pessoas comuns amam, odeiam, estudam, fazem amor e freuentam academias. Informa, divertem e ilustram, sem pontificar, como tantos outros colegas seus fazem nos jornais.
Quero ver ainda uma coletânea de tuas crônicas onsolidadas num livro.
Samy, gosto muito desse estilo de post com crônicas do cotidiano, revelando as artérias do Irã…
Já ouviu falar das academias tradicionais chamadas Zurkhaneh? Lá eles treinam um esporte chamado Pahlavan com um tipo de música ritmada por tambor e canto poético ou mistico. É um tipo de lugar exclusivamente masculino também.
Samy, acho seu blog fascinante, parabéns. E parabéns à Folha pela iniciativa. Você já escreveu algo sobre a relação dos iranianos com seu passado imperial pré-islâmico? Mais uma vez, parabéns.
As suas crônicas do cotidiano em Teerã são ótimas!
“Música ocidental barata em volume ensurdecedor”. Esse é um dos problemas das academias no Brasil. O barulho é causa de hipertensão arterial e um sem número de problemas de saúde. Eu pensava que no Irã isso não existia. Acho que o empresário que lançar uma franquia com academias silenciosas iria ficar rico.
Eles que se orgulham de “não terem gays” têm uns hábitos pra lá de efeminados.