Um iraniano na Nasa
15/08/12 12:03
Internautas iranianos tomaram as redes sociais para declarar seu amor e admiração por Bobak Ferdowsi, 32, um brilhante e irreverente engenheiro da Nasa que teve papel crucial na chegada do jipe-robô Curiosity a Marte na semana passada.
Ferdowsi é um dos controladores de voo que comandaram a distância a aterrissagem mais complexa já realizada em outro planeta, após oito meses de uma viagem iniciada na base de lançamento de Cabo Canaveral, na Flórida. A sonda começará a rodar pela superfície do Planeta Vermelho nas próximas semanas em busca de sinais de vida presente e passada.
Ferdowsi ficou famoso quando seu cabelo moicano e cara de moleque atraíram as câmeras de TV que transmitiam ao vivo o nervosismo na sala de comando da Nasa no momento do pouso. A imagem destoou radicalmente do ambiente nerd e careta da lendária agência especial americana _pelo menos assim retratado pela indústria de Hollywood. Prato cheio para a mídia, que ergueu o jovem engenheiro ao título de superastro e o transformou no símbolo de uma suposta nova geração de cientistas mais cool. Barack Obama telefonou para Ferdowsi e seus colegas e, claro, fez piadinha sobre o moicano.
A imprensa iraniana também ficou interessadíssima. Embora a serviço do inimigo ianque, o rapaz, que tem o mesmo sobrenome que um grande poeta persa do século 10, foi parar em jornais ligados ao regime e virou febre na internet. Boa parte dos mais de 45 mil seguidores de Ferdowsi no Twitter são iranianos extasiados com o sucesso do patrício. Mesma euforia no Facebook e no Balatarin, rede social local. Glória ao Irã! Glória ao povo persa!
O problema é que Ferdowsi é iraniano fajuto, ou quase. Tudo bem que a lei da República Islâmica supõe que todo filho de pai iraniano é automaticamente iraniano, ou seja que Ferdowsi é cidadão do país, sim, e tem direito a passaporte. Mas ele nasceu na Califórnia em 1979, ano da Revolução Islâmica, e sua família ficou nos EUA após a chegada ao poder do aiatolá Khomeini. Não há nenhum indício de que ele fale farsi nem que seja muçulmano nem que tenha algum dia colocado os pés no Irã.
Por que, então, tanto oba oba envolvendo um cidadão sem vínculo cultural ou emocional com o Irã?
A verdade é que o país anda carente de ídolos com projeção internacional. Iranianos até brilharam nos Jogos Olímpicos de Londres, liderando com folga o ranking de medalhas no Oriente Médio. Mas especialidades nacionais como luta greco-romana e levantamento de peso têm pouco destaque no exterior. O orgulho trazido pelo futebol, quando Ali Daei e Ali Karimi faziam bonito no campeonato alemão e em torneios europeus, terminou em meados dos anos 2000. A advogada e ativista antirregime Shirin Ebadi, vencedora do Nobel da Paz em 2003, mais divide do que federa opiniões, tornando impossível qualquer reconhecimento como ícone nacional. Resta o cinema, que já rendeu um Oscar e uma coleção de prêmios prestigiosos ao filme-fenômeno “A Separação” na última virada do ano. Mas a poeira baixou, e o sucesso esgotou-se.
Terra de gente ufanista e obcecada pela grandeza do Império Persa de outrora, o Irã sofre sem um Pelé, uma Evita Perón ou até mesmo um João Paulo 2º. Não bastasse, o país é estigmatizado mundo afora por causa do seu governo, ferindo a alma de uma nação que se enxerga como grande entre as grandes. Nesse contexto, o eventual sucesso de compatriotas _reais ou projetados_ é visto como um instrumento para revigorar a união nacional e a autoestima. Por aqui não se discute: Ferdowsi é iraniano, nem que seja só um pouquinho.
Samy, o seu post sobre o “quiosque de orientação islâmica” (versão xiita, claro) já está fechado para comentários, então se me permite gostaria de usar esse espaço, de outro assunto, para lhe sugerir que faça duas perguntas àquele senhor, que justificou o uso obrigatório do véu pelas mulheres como sendo resultado de uma interpretação dos textos. Claro, se você quiser ou achar inconveniente “cutucar as cobras”, não pergunte, não quero complicar a sua vida aí.
Sugeriria que você perguntasse… por que as pessoas que seguem diferentes interpretações de uma mesma fonte religiosa não têm liberdade de cada uma seguir a sua, no mundo árabe? Por que uma interpretação, em cada país, estando no poder uma ou outra interpretação, obriga todos os demais a seguirem? Por que eles se digladiam entre si para imporem, quando na verdade seria mais coerente que a liberdade existisse? Isso não seria de cada um? Se ele tem consciência que o Islã tem várias interpretações, muitas outras pessoas teriam consciência disso e se aceitaria que cada um vivesse na sua, e também a liberdade de uma pessoa não escolher nenhuma ou uma de outra origem. Não seria racional, humano, que fosse assim?
Esta outra pergunta é mais complicada, mas quem não chora não mama.. kkk… Pergunte onde está a medida da verdade real em algo se podem existir várias interpretações? Se um ensinamento ou orientação pode ser lido de 1000 maneiras por 1000 pessoas, onde está a verdade? A que vale mais? Não poderia acontecer de nenhuma ser considerada de valor, interpretações todas erradas? Então voltando a primeira, se o valor é de quem está no poder, isso não seria injusto ou sujeita a erro?
Um comentário à parte, que religioso nenhum desse mundo de vários deuses, um mais insano do que outro, gosta de ouvir. Eles sempre se justificam pelas interpretações para imporem as sandices deles nos outros, geralmente provocando intolerância, preconceito, segregação, injustiças, que depois, “na volta”, quando há retomada de poder, “dão o troco”. Que sentido religioso real há nisso? A História mostrou que isso aconteceu e ainda acontece hoje em muitos lugares. A Sìria é o caso mais recente.
Que pecado fizemos para termos tantas versões de deuses injustas num planeta só? Um deus matou crianças egípcias para justiticar a libertação do seu “povo escolhido”, olhem só, como se um deus de verdade fosse escolher um povo predileto, seria um deus de visão pequena e temperamental se isso realmente acontecesse, e esse mesmo deus depois não matou crianças brancas para salvarem os negros nem os brancos da escravidão, um deus preconceituoso. E os seus seguidores dizem (mentem, claro) que é um deus generoso, altruísta, que ama a todos. Mas afinal, que samba doido é esse?
Incoerências desse tipo são coisas de deuses reais? Não, isso são coisas dos homens, os homens inventaram os deuses, criaram os textos, espelhando a mente de pouca consciência que tinham, e os que vieram depois, sem discernimento disso, ainda pensam em interpretar.
É surreal, mas é mais triste.
Obrigado pelo espaço.
E quem disse que eles precisam de um heroi se têm a super dupla Khamenei-Ahmadinejad, além do semi-deus híper-super-plus aiatolah Ruhollah Khomeini? Francamente! Pra que um heroizinho ocidental se já têm “tudo isso”?
1) Todo país de mente subdesenvolvida sofre de absoluta carência da necessidade de ter ídolos, nem que seja uma pessoa que só sabe chutar em um gol ou dirigir um carro de Fórmula I, como se ser um campeão em qualquer coisa pudesse espelhar, nas outras culturas, que somos os “melhores” em alguma coisa, como quem diz.. “hei, nós existimos, viu, Pelé é o melhor do mundo, NÓS também somos gente”. O Pelé que sabia jogar, ele que foi campeão, mas a turma fala “NÓS, brasileiros”. Ridícula aí essa necessidade, essa carência, que gera o culto a ídolos no esporte, celebridades, modelos, etc… É a efemeridade por situações de importância de mínimo valor, quase inexistente. Só mentes pequenas podem querer achar que somos, como nação, grande coisa por termos tido um Pelé, porque ficam só nessa ideia de culto, não estudam, não votam bem, não se responsabilizam por realmente fazeren uma nação próspera e mais justa, para isso é preciso que cada um arregace as mangas e corra atrás. “Mas isso cansa, precisa-se estudar, o Pelé já fez por nós”.
Por outro lado, 2) pessoas conscientes e de mente não subdesenvolvida ainda vivem em regimes fechados, ditatoriais, injustos nas regras de Estado, que ansiam por terem liberdade de mostrarem sua competência e seus talentos pessoais em qualquer área, ansiam por dias melhores numa vida que não tem, e podem se espelhar no exemplo de vida desse rapaz como alguém que, se não fosse um poder no Estado e cultural que reprime, teria chegado lá pelos próprios pés. Então nesse caso o rapaz não seria um ídolo para representar o fato citado no parágrafo acima, uma efemeridade sem valor, mas um símbolo de algo que sabem que podem ser como tal, querem ser, poderiam ser, mas não conseguem porque vivem no mundo arcaico ideologico/religioso que não permite. Alguns ou muitos no Irã podem ver nele o rapaz competente, que teve oportunidade, que está fazendo um grande trabalho numa instituição que abre portas para qualquer pessoa do mundo trabalhar, desde que seja competente, que mora num país livre que permite essas coisas, que nasceu lá porque teve iranianos que tomaram a coragem de buscarem a liberdade que eles, hoje, não têm. Ou seja, ele é a representação do próprio sonho de muitas pessoas de chegarem lá e caminharem na vida pelos próprios pés. Assim como na Síria alguns poderiam ver no Jobs, filho de um sírio, a mesma coisa. Jobs se tivesse nascido na Síria, o que teria acontecido a ele? Que oportunidades ele teria tido para fazer o que fez nos EUA com a Apple? Nenhuma.
Acontece na real as duas situações, em qualquer lugar do mundo, então mentes mais conscientes e mentes subdesenvolvidas, no Irã, estão vendo o rapaz nessas duas situações, mas o que realmente acontece no Irã, a maioria vai para que lado, a situação 1 ou 2?
Não sei, mas posso dizer que se a maioria considera o rapaz um símbolo da segunda situação, bem mostraria o quanto se sentem encurralados e como a consciência desses é mais desperta, almas que procuram florescer e viver, sem repressão. Se é o contrário, se a maioria o vê como um símbolo da situação 1, comprova o atraso daquelas cabeças, a mesma que tem a maioria aqui neste nosso país verde e amarelo, que aqui só se sente “realizado” com o símbolo humano de uma efemeridade sem valor. Se for esse o caso, pelo menos esse rapaz tem mais sorte, não é um craque de futebol e, longe do Irã, não tem de se obrigar a se fazer de heroi de ninguém.
Samy, esse seu post se superou, na forma fluida e suave de narrar uma percepção tão abrangente do povo persa. Comunica com muita leveza, mas não é superficial. Você anda lendo autores persas? (Risos) Eu me lembrei do Agassi, que é iraniano e tem uma biografia nas livrarias. Ainda não li, mas está na fila.
José Henrique, eu li que o pai do Andre Agassi era o lutador de boxe no Irã de origem armênia Emmanuel Agassian . Lendo esse post também lembrei de outros nomes. Da primeira astronauta iraniana Anousheh Ansari A jornalista da CNN Christiane Amanpour(filha de pai iraniano) e parece que a ex primeira do Paquistão Bennazir Bhutto era filha de mãe iraniana. Muita gente pensa que o Fred Mercury também era de origem iraniana, mas na verdade parece que ele veio de uma família parsi zoroastriana de Gujarat na Índia.