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Samy Adghirni

Um brasileiro no Irã

Perfil Samy Adghirni correspondente em Teerã.

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A poética fala cotidiana dos persas

Por Samy Adghirni
11/07/12 08:23

Um dos aspectos mais curiosos do idioma farsi é a onipresença de expressões poéticas na fala do dia a dia. Na rua, entre amigos ou no trabalho, conversas são repletas de metáforas e exageros líricos, mostrando o quanto os iranianos são formais e ao mesmo tempo avessos à linguagem direta.

Toda pessoa que receber algum tipo de serviço, atendimento de garçom, faxina em casa ou informação de recepcionista, deverá agradecer dizendo “espero que seu cansaço termine logo” (khásta nábochid, na pronúncia em farsi.). É uma espécie de pedido de desculpas pelo trabalho solicitado e ao mesmo tempo um incentivo moral. A frase também pode ser usada na hora de abordar o funcionário.

Para agradecer alguém de forma mais enfática, é costume dizer “eu sacrificarei minha vida por você” (ghorbanet beram). O tradicional “de nada” também é pra lá de dramático: “eu atendo os seus desejos” (khahêsh mikonám). Como se a gentileza persa fosse medida pelo grau de entrega ao outro.

Quando um iraniano quer afirmar que alguém fez falta num evento, a frase usada é “seu lugar estava muito vazio” (jayet kheyli khali bud).

A saudação na hora de dar os parabéns pelo nascimento de um bebê ou pela volta de uma pessoa querida é “fez-se luz nos teus olhos” (cheshmét roshán). Referência óbvia ao brilho no olhar de quem está feliz.

Os olhos também constam na expressão usada pelo anfitrião que abre a porta da sua casa para receber convidados: “você pode caminhar sobre os meus olhos” (qadamét ro cheschm). Significa algo como: “você é tão importante para mim que eu sou apenas poeira nos teus pés e você pode pisar sobre aquilo que eu tenho de mais valioso”.

Minha expressão preferida é usada em ônibus, trens e aviões. Antes de me instalar num assento, devo, segundo manda o protocolo, me dirigir ao passageiro que estiver na fileira atrás da minha e pedir desculpas por lhe dar as costas. O passageiro responderá então: “uma flor [como você] não tem frente nem verso” (Gol posht o ru nadaré).

Há quem diga que tudo isso não passa de lero lero disfarçado de gentileza para enrolar terceiros ou tirar proveito deles. Para os céticos, muitos iranianos são uns espertinhos adeptos de um cinismo socialmente aceito. A ideia é que as pessoas abusam da hipocrisia retórica por saber que, no fundo, não podem confiar umas nas outras. O Irã, segundo esta visão, é um país onde ninguém respeita fila, todo mundo só pensa em se dar bem e vendedores e taxistas não perdem uma oportunidade de passar a perna nos desavisados.

Outra visão, menos ranzinza, diz que os iranianos são um povo com cultura e modos sofisticados e complexos. A interação por meio da fala poética e do taaruf, a etiqueta social já mencionada num texto postado neste blog em fevereiro, é uma bem sucedida forma de minimizar os inevitáveis atritos e tensões nas relações interpessoais. No Irã, belas palavras e bons modos são vistos como uma maneira de deixar a vida um pouco menos dura.

About Samy Adghirni

Samy Adghirni, 34, é correspondente da Folha no Irã. Está no jornal desde o fim de 2007. Cobriu as revoltas árabes no Egito, na Tunísia, na Líbia e na Síria e fez reportagens no Iraque, Iêmen, Síria, Cisjordânia, faixa de Gaza, Turquia, Marrocos, República Dominicana, Equador, Argentina, EUA, Suécia, Bélgica e Finlândia, entre outros países. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Stendhal de Grenoble (França) em 2001 e trabalhou em Paris para as rádios BFM e Radio France Internationale. Em Brasília, foi setorista de Itamaraty e colunista musical pelo "Correio Braziliense" e colaborador da agência France Presse.
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Comentários

  1. Alessandra comentou em 08/08/12 at 15:23

    Faltou dizer que a tradução era das “Mil e uma noites”, perdão pelo esquecimento.Editora Saraiva, de 1960.

  2. Alessandra comentou em 08/08/12 at 15:22

    Bom, estou lendo a tradução, do árabe para o português, por um árabe; creio que seja a versão mais próxima do original. São 8 grossos volumes, somando umas três mil páginas. Já tinha lido a tradução do Galland, em francês, muito mais curta e com mais censura, adaptada aos costumes dos nobres franceses do Antigo regime. Realmente, essas expressões, tipo “Luz dos meus olhos” ou “meu fígado”, equivalente a “meu coração”, são comuns e, com todo respeito, acabam se tornando cansativas. A versão está permeada de poemas, que acabo pulando e o sofrimento dos amantes é indescritível…ganham até das novelas mexicanas. Mas para um povo vivendo no meio de tantas penúrias e desigualdades sociais, realmente, a educação, a finesse dos franceses, serve para amenizar tantas agruras! Adorei seu texto!

  3. mayara comentou em 05/08/12 at 22:22

    as vezes a delicadeza está na língua e as vezes nas pessoas. o melhor é o encontro de ambas.
    Lindo texto!

  4. Homero Mattos Jr comentou em 04/08/12 at 11:12

    Todo o refinamento cultural do mundo muçulmano é devido à Cultura Persa.
    No auge da expansão do Islã (séc. VIII a XII) quase todos os funcionários burocráticos nas administrações dos Califas, bem como seus ministros, eram – pelo grande conhecimento e educação que possuíam- persas. Uma Cultura magnífica. Viva até hoje.

  5. Fernanda Pourkhesaly comentou em 02/08/12 at 18:44

    Olá, ótimo post! Gosto muito da cultura persa e gostaria de conhecer o país, mas infelizmente não posso pois sou Bahá´í. É uma pena um lugar tão rico culturalmente ser ao mesmo tempo dominado pelo fanatismo.

  6. Carmen Regina comentou em 02/08/12 at 18:12

    AMO! é maravilhoso tudo isso, de uma riqueza ímpar.

  7. Benny Assayag comentou em 20/07/12 at 21:06

    Se um iraniano ou qualquer estranho à nossa cultura nacional estagiasse por aqui por um tempo também veria algumas de nossas peculiaridades linguísticas e de comportamento como algo poético, amistoso, bom e único quando a verdade seria algo um pouquinho diverso do que parece ser. Por exemplo quando dizemos “te ligo depois!”. “Passe lá em casa!” estamos realmente pretendendo telefonar mais tarde ou que nosso intrlocutor passe mesmo em nossa casa ou estamos apenas pretendendo nos livrar de uma pessoa incômoda?

  8. lucio mesquita comentou em 17/07/12 at 18:04

    òtimo artigo samy. Um grande abraço.

  9. Paulo Zampieri comentou em 17/07/12 at 10:45

    Samy, muito interessantes suas considerações. É uma oportunidade de expansão de nossa compreensão sobre esse multiverso de culturas, impregnadas da sua subjetividade… abs do amigo PZ

  10. Alvaro Reiner comentou em 17/07/12 at 9:41

    Como sempre, otimo post.

    Adorei a expressao ao entrar no onibus ou trem, com certeza deve ser engracadissimo ser comparado a uma flor 🙂

    Ja esteve numa praia ai? Tem muitos banhos publicos ou piscinas? O que os iranianos de Teera fazem nas suas ferias ou tempo livre?

    Abraco

  11. José Henrique comentou em 15/07/12 at 10:58

    Lembrei da frase de Ahmadinejad, hoje em fim de mandato: “O regime zionista desaparecerá nas páginas da História”. No Ocidente traduziram como “Israel será riscado do mapa”. Samy, essas variáveis linguísticas abrem margem para muitas manipulações ou mesmo incompreensões recíprocas. Teria sido este mais um caso? Li em algum livro de ciência política que também o apartheid se apagou, ou seja, se tornou opaco nas páginas da História, porque simplesmente evaporou, apesar de ninguém ter morrido, não ter havido guerra etc. Se o tema não for conveniente para esse post fica como sugestão para outro.

  12. Bea Oliveira comentou em 13/07/12 at 23:28

    Caro Samy Adghirni,
    Leio os textos do blog já tem um tempinho, mas nunca tive coragem de comentar. Seus textos são encantadores! A cada leitura me sinto um pouco mais próxima dessa “outra realidade” tão fascinante! Gostaria de dexiar registrado a minha admiração por tão belo talento que chega até nos leitores através de suas palavras cheias de sentimento e inspiração.

  13. José Henrique dos Santos comentou em 11/07/12 at 14:22

    “Outra visão, menos ranzinza, diz que os iranianos são um povo com cultura e modos sofisticados e complexos. ” Samy, foi a impressão que captei quando fui ao Irã. Foram muito gentis e atenciosos, o que confirmou basicamente as informações dos manuais de viagem que li. Pretendo voltar ao Irã levando amigos, que ficaram muito curiosos. Dessa vez gostaria de conhecer Ban, Mashad e Tabriz.

    *

    Para quem quiser conhecer melhor o povo persa tem um vídeo no youtube chamado “Não contem lá em casa – Irã”, onde alguns jovens conhecem o país e vão transmitindo suas impressões. Muito legal. Recomendo.

  14. Janaina Elias (Blog Chá-de-Lima da Pérsia) comentou em 11/07/12 at 12:48

    Salam Samy, confesso que ao conversar com iranianos pela internet sempre me encantei com estas expressões. E me surpreendi certa vez ao ouvir um rapaz dizer que para se referir a uma garota eles usam a expressão ‘jigareto bokhoram” literalmente (comerei o seu fígado) e jigar (fígado) é tão usado como del (coração) para expressar carinho! não é curioso? Acredito que o taaruf realmente faz parte de uma cultura e educação, e sempre lembro do fime “Onde fica a casa do meu amigo?” de Abbas Kiarostami, que mostra o que um colega realmente é capaz de fazer de coração por outro…

    • Samy Adghirni comentou em 11/07/12 at 12:58

      De fato, Janaina, há inúmeras expressões, só mencionei algumas poucas.

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