O aeroporto que é a cara do Irã
07/05/12 10:49O aeroporto internacional Imã Khomeini de Teerã é um retrato abrangente do Irã atual. Quase tudo está lá: a pressão autoritária do regime, a paranoia securitária da região, a modernidade, o atraso, a relação do país com o mundo, a religiosidade, a diversidade social e cultural dos iranianos.
O aeroporto, conhecido nas convenções de aviação pelo código IKA, fica numa planície árida distante 60 km do centro de Teerã, na autoestrada que leva a Qom e ao golfo Pérsico. Raramente tive que andar tanto de carro para pegar avião. Muitos voos felizmente chegam e saem de madrugada, o que permite uma viagem sem trânsito até lá. No caminho, logo após sair da zona urbana, passa-se pelo gigantesco santuário que abriga a tumba do aiatolá Khomeini, fundador da República Islâmica. Em seguida, pedágio e pista de alta velocidade sem radar.
O prédio principal do IKA tem a forma de um elegante arco de metal e vidro, que se destaca no horizonte aos olhos de quem chega. Um carro da polícia moral, facilmente reconhecível pelas laterais verdes, está sempre estacionado no portão principal. A presença dos agentes parece querer lembrar às mulheres que o aeroporto ainda é território iraniano, e que cobrir cabelo, pescoço, perna e braços continua obrigatório mesmo na porta de saída do país. No sentido oposto, passageiros a bordo de aviões estrangeiros ouvem logo após a aterrissagem em Teerã uma mensagem dos comissários avisando que as mulheres devem cobrir o cabelo em cumprimento da legislação local.
Agentes à paisana estão sempre circulando pelo saguão. Costumam ser reconhecíveis pela aparência _barba rala, terno e camisa sem gravata. Como em muitos aeroportos no Oriente Médio, somente pessoas com passagem emitida têm acesso à área onde ficam os balcões de check in. Ou seja, a primeira barragem de segurança, com raio-x, detector de metais e controle de passaporte, acontece antes mesmo de despachar a bagagem. O Irã pode não ter grande histórico de ataques terroristas sofridos, mas a sombra dos inimigos numerosos exige cautela máxima. Com as malas despachadas, os viajantes geralmente voltam à área geral para um último abraço nos parentes e amigos.
Afetuosos e emotivos, os iranianos são muito mais próximos dos brasileiros que dos europeus. Os portões de embarque e de chegada vivem cheios de gente chorando, falando alto e se abraçando. Há pessoas de todos os tipos, de barbudões e mulheres de chador (véu integral) até senhoras elegantes e jovens bombados com cabelo espetado de gel. O curioso é que a polícia moral, tão atenta do lado de fora, parece fazer vista grossa para o incessante contato físico entre homens e mulheres, em tese proibido em público. Já vi até selinho entre namorados que se reencontram.
A tara dos iranianos por flores se nota em cada canto do saguão. Difícil ver uma família que não esteja levando um enorme buquê para o ente querido de volta ao país. As áreas de chegada parecem velórios com tanto arranjo nas mãos das pessoas. As duas pequenas floriculturas do aeroporto vivem cheias.
O saguão se estende por um corredor de cerca de 200 metros, com um terminal em cada ponta. O ambiente é sóbrio, leve e moderno, com painéis eletrônicos coloridos que trazem informações sobre os voos. No centro do corredor há uma porta com dezenas de pares de sapato do lado de fora. É a mesquita principal do aeroporto, sempre movimentada.
Já o comércio se resume a agências bancárias, lanchonetes ruins e estandes precários _de frozen yogurt a venda de TVs de plasma. Pior mesmo é o banheiro, impraticável para ocidentais que não abrem mão da privada. No IKA quase só existe o estilo turco, ou persa. Buraco no chão com duas bases laterais para apoiar os pés.
Mas o que mais chama minha atenção é a quantidade de voos e a diversidade dos destinos. O aeroporto Imã Khomeini é a prova viva de que o Irã está longe de ser tão isolado como alguns gostariam. Muitas companhias europeias têm voo direto para Teerã. A alemã Lufthansa lidera esse nicho com um voo diário vindo de Frankfurt. Avião grande, sinal de rota rentável. A holandesa KLM e a Alitalia também voam várias vezes por semana para o Irã. Até a pequena Austrian Airlines tem rota iraniana _é a linha usado pelos inspetores nucleares da ONU para voar de Viena, sede da AIEA, a Teerã. Companhias de países próximos, como Emirates, Turkish ou Qatar Airlines, oferecem uma ponte aérea com vários voos diários. Bem diferente de lugares como Iêmen, Iraque, Afeganistão, Somália ou Coreia do Norte, onde pouquíssimas companhias operam.
De Teerã é possível chegar sem escala a quase todas as principais capitais europeias e a destinos como Malásia, China, Japão, Rússia e Tailândia (paraíso dos turistas iranianos). O único voo para a América Latina, que ia a Caracas, foi suspenso em 2010 por falta de passageiros.
Também surpreende o número de ocidentais que desembarcam a cada instante em Teerã. Há grupos de turistas em excursão, jovens mochileiros, acadêmicos e executivos de multinacionais. Já vi muito motorista com plaquinha de empresas como Siemens ou Bosch à espera de viajante gringo. Sinal de que, apesar das sanções e da pressão internacional, o Irã ainda faz negócios com europeus.
A história do aeroporto por si só já é uma aula sobre Irã contemporâneo. Começou a ser construído pelo xá Reza Pahlevi para ser uma cópia do aeroporto de Dallas, nos EUA. Um consórcio americano estava com contrato na mão quando veio a Revolução Islâmica de 1979, engavetando o projeto durante anos. Teerã continuava usando o aeroporto Mehrabad, a oeste da capital. No decorrer dos anos 80, o regime fez uma parceria com engenheiros franceses para retomar a obra, mas o projetou avançou pouco, até ser entregue de vez a empresas iranianas.
O primeiro avião pousou no Imã Khomeini em 2004. Hoje o aeroporto só recebe voos internacionais, enquanto o pequeno e envelhecido Mehrabad é o epicentro da vasta malha aérea nacional.
FANTASTICO Articulo, parabens!
Com todos os problemas, os iranianos (e iranianas) no geral parecem gostar muito do que chamamos de restrições. Para quem é de fora, para que as leis locais não nos incomode, basta não irmos para lá. Ou se for para o Irã, eles simplesmente devem ser respeitados, sem nossas reclamações.
Samy
Très bon papier ! Ça désintoxique et ça fait du bien !
Continua !!!
Luiz
Merci beaucoup, Luiz.
Samy, muito legal a reportagem, dá para sentir bem o “drama”, só estranhei um pouco que ela não tivesse sido escrita antes durante sua chegada a Teerã, no início do blog. Mas creio que o Irã deve realmente mostrar um cenário surpreendente e curioso a cada dia, e no seu lugar eu também não saberia descrever as coisas em uma ordem linear. Outra postagem que eu gostaria muito de ver seria sobre os famosíssimos bazares do Irã que devem atrair turistas às pencas…
é esse aeroporto que foi construido por uma empreiteira israelense e recentemente descobriram uma estrela de david gigante em cima do telhado do aeroporto?
Me parece que não, jj.
A estrela de Davi estava no topo do prédio da IranAir no aeroporto de Mehrabad, que é atualmente o aeroporto regional de Teerã, conforme citado no post do Samy.
Sua matéria sobre o aeroporto está fantástica. Uma leitura agradável e de tanta clareza que parece um filme passando na tela, tornando desnecessárias as fotos às vezes tão solicitadas. Interessante o hábito de expressar a alegria e o carinho através das flores presenteadas a quem chega, como aqui ao paciente que se visita em hospital. Já os agentes à paisana nos fazem lembrar Cumbica em Guarulhos, com os agentes federais sempre atentos aos traficantes e ladrões de bagagem. Grande abraço!
Interessante os seus comentários, principalmente quanto ao costume de presentar com flores, aproveitando, como é a agropecuária aí no Irã? a ideia que nós temos é que somente existe poços de petróleo e deserto.
O Irã possui terra cultivável em qualidade e quantitade suficiente para abastecer a população, quais os produtos agricolas mais produzidos?
Em uma das suas primeiras reportagens voce mencionou o “boicote” com a carne brasileira, existe pecuária aí?
Mais uma vez parabens pelo seu trabalho
Mylton, o Irã está longe de ser apenas deserto e tem um setor agrícola e pecuário, sim, embora carente de modernização e prejudicado pelas sanções. O país importa muitos produtos, inclusive carne brasileira. Os problemas do final do ano passado parecem ter sido superados.
Prezado Samy, parabéns pelo seu trabalho junto ao povo iraniano. A primeira vez que li seu post, fiquei impressionado como o Irã tem um povo solicito e simpático, apesar dos carrancudos aiatólas.
Samy, suas publicações são excelentes!
Gostaria de porpor um post sobre a comunidade judaica do Irã. Sei que existe uma bela e ancestral comunidade de judeus iranianos.
Samy, mais uma vez parabens pelo post e gostaria de tirar uma dúvida sobre a questao do transito de estrangeiros no Irã: qual a flexibilidade pra estrangeiros conseguirem visto para estar no Irã? Nao só para turismo, mas para morar temporariamente e estudar (que é meu objetivo, principalmente)
Obrigada!
Conseguir visto de turista não é muito difícil. Para estudar no Irã recomendo consultar a iraniana em Brasília. Conheço muitos estudantes estrangeiros em Teerã.
Prezado Samy
Sou um curioso com tudo que se relaciona ao Irã,por isso acompanho seu blog permanentemente.
Desde da queda do Xá do Ira que desperta a curiosidade de como uma cidade chamada de “A California do oriente” se tranforma numa cidade de sombras como voce relata,sem direito nem a ser alegre.
Parabéns pelas excelentes materias.
Carlos
Prezado Samy:
Sempre acompanho o seu blog, o qual desvenda esse “mistério” que é o Irã para nós, brasileiros. Este último post sobre o aeroporto IKA me despertou a curiosidade para um tema transversal – os iranianos e as viagens internacionais. Eles podem sair livremente do país ou precisam de visto? Se precisam (como devem precisar…), a burocracia para tanto é grande? A indústria do turismo internacional é desenvolvida no Irã? Um abraço!
Boa observação, Mauricio. Sim, os iranianos podem sair do país livremente. A circulação dos cidadãos nunca preocupou o regime. A dificuldade não é o governo deixar sair, mas conseguir visto. São raros os países que dispensam visto para iranianos. E a dificuldade é cada vez maior para quem quer viajar, principalmente para Europa e América do Norte. A indústria do turismo não é muito desenvolvida. Falta infraestrutura e investimento. Além disso, o governo domina este setor da economia, dando pouco espaço para concorrência e competitividade.
Samy, como está a temperatura aí no mês de maio? Viajo a turismo para aí por esses dias. Um outro leitor, Sr. Júlio, disse que iria em abril. Mas não me lembro de outros comentários dele. Abraço
José Henrique, a temperatura em maio gira em torno dos 25 graus na maior parte do país. Em junho começa o calorão.
Samy, obrigado. Abraço
“Também surpreende o número de ocidentais que desembarcam a cada instante em Teerã. Há grupos de turistas em excursão, jovens mochileiros, acadêmicos e executivos de multinacionais.”
O turismo no Irã é muito cotado na Escandinávia, Alemanha e outros países europeus. A História da Pérsia é multimilenar e as ruínas históricas parecem ser fantásticas. Além disso, o povo, pelo que dizem os que já foram lá, é muito amistoso, gentil e educado. Exceto no trânsito de Teerã!!!
Samy, muito legal a reportagem , me fez sentir saudades de quando desembarquei em Teerã em 2007, e foi uma coisa que reparei, alias dificel não reparar, que tinha muita gente esperando passageiros no desembarque com flores e mais flores, uma coisa ate ingenua e clamurosa de receber alguem que chega de avião , coias que ficaram muito banais, pelo menos nos nossos aereoportos ocidentais.
Parabéns pela materia.
Samy muito bom o post, mais poderia ter mais fotos, eu acho…
Mais Parábens.
Gostei muito do seu blog! Já havia lido anteriormente, mas hoje resolvi postar um comentário.
É muito legal aprender um pouco sobre outra cultura! Principalmente, aprender as coisas que não estão escritas nas enciclopédias!
Parabéns pelo trabalho!