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Samy Adghirni

Um brasileiro no Irã

Perfil Samy Adghirni correspondente em Teerã.

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O Dia da Mulher no Irã

Por Samy Adghirni
08/03/12 12:06

O Dia da Mulher existe no Irã, mas a data difere do 8 de março celebrado no Ocidente. Aqui a festa ocorre no quinto mês do calendário islâmico lunar, para coincidir com o aniversário de nascimento de Fatima Zahra, filha do profeta Maomé. Em 2012, a data equivalente no calendário gregoriano será entre o fim de abril e o início de maio.

Algumas iranianas rejeitam a data islâmica e comemoram no mesmo dia que nos países ocidentais, obviamente sem sair da esfera privada. Críticos e críticas dizem que a celebração oficial das autoridades de Teerã é inócua, já que o Dia da Mulher é celebrado ao mesmo tempo que o Dia das Mães. Isso prova, na visão antirregime, que os clérigos no poder só conseguem enxergar a mulher como dona de casa e reprodutora. É fato que a mulher iraniana hoje não tem os mesmos direitos que em outros lugares, mas a realidade do dia a dia é cheia de nuances.

Na época da monarquia secular do xá Mohamed Reza Pahlevi, lá pelos anos 60 e 70, o Irã era um dos países mais ocidentalizados do Oriente Médio. Mulheres não enfrentavam nenhuma restrição para se vestir e frequentavam bares onde bebida alcoólica era liberada. Poligamia, casamento adolescente e segregação na escola eram combatidos pela monarquia. O uso do véu chegou a ser proibido, o que enfureceu inclusive mulheres nas camadas mais conservadoras. Foi na época do xá que as iranianas alcançaram pela primeira vez cargos importantes no governo.

Mas a repressão política era implacável, mais acirrada do que hoje na opinião de muitos iranianos. O regime tinha naquela época a polícia política tida como a mais cruel e sanguinária do mundo: a Savak, treinada pela CIA. Apesar das inúmeras restrições impostas pelo atual governo de Teerã, hoje em dia ninguém tem medo de falar publicamente mal dos líderes políticos, o que era impensável nos tempos da Savak.

Jovens iranianas conversam em rua de Teerã (Morteza Nikoubazl - 26.fev.12/Reuters)

A Savak não poupava as mulheres que participavam da oposição clandestina ao xá. Muitas foram presas, torturadas ou/e mortas. Mesmo assim, a ala feminina teve papel chave na revolta popular que varreu o regime do xá Reza Pahlevi, em fevereiro de 1979. Quando o aiatolá Ruhollah Khomeini voltou de seu exílio nos arredores de Paris para instaurar a República Islâmica, a expectativa era de que tudo no país iria melhorar. Mas muitas mulheres sentiram uma regressão nos seus direitos.

Usar o véu passou a ser obrigatório, assim como cobrir braços, ombros e pernas. Contato físico entre homens e mulheres foi vetado em locais públicos. Não pode apertar a mão, muito menos dar beijinho ou abraçar. Ônibus, escolas e até centros de votação têm espaços para cada gênero. Vários clérigos incentivaram a mulher a não trabalhar, mas Khomeini lhes garantiu esse direito. Mulheres foram banidas de estádios e atletas iranianas só podem competir se respeitarem as regras indumentárias, mesmo em campeonatos no exterior. Há praias para homens e outras, para mulheres. Eu só poderia frequentar a moderninha academia de ginástica e musculação perto da minha casa na parte de tarde, já que o acesso aos homens é proibido de manhã. Andar de bicicleta até hoje é um privilégio exclusivamente masculino. Assim como cantar e tocar instrumentos musicais.

Mas o quadro está longe de ser preto e branco, principalmente à luz da situação em outros países da região. No Irã as mulheres dirigem, trabalham e estudam sem nenhuma restrição. Aliás, nas universidades iranianas há mais estudantes mulheres do que homens (60%-40%). Na rua, mulheres batem boca com taxistas e vendedores sem qualquer constrangimento. Uma das mais acoloradas discussões que presenciei por aqui envolvia uma senhora que xingava horrores um policial de trânsito. Não há nenhum problema em se dirigir a uma mulher desconhecida para pedir informação. Dia desses andei num taxi dirigido por uma mulher. Elas estão também no Parlamento e em vários cargos de governo _geralmente secundários, verdade seja dita.

Na Arábia Saudita, as mulheres não podem dirigir nem experimentar roupa na loja. No secular Iêmen, é recomendado que os homens se abstenham de falar com mulheres que não sejam parentes. No Afeganistão, o uso da burca continua generalizado mesmo 11 anos após a queda do bárbaro regime taleban. Burca é o lenço que cobre o corpo todo, tapando inclusive os olhos, que só enxergam por meio de uma espécie de grade de tecido. No Irã as mulheres cobrem o cabelo, não o rosto. Jamais vi uma burca sequer por aqui. O apedrejamento de mulheres acusadas de adúlterio, raríssimas vezes aplicado, foi recentemente revogado das leis iranianas.

About Samy Adghirni

Samy Adghirni, 34, é correspondente da Folha no Irã. Está no jornal desde o fim de 2007. Cobriu as revoltas árabes no Egito, na Tunísia, na Líbia e na Síria e fez reportagens no Iraque, Iêmen, Síria, Cisjordânia, faixa de Gaza, Turquia, Marrocos, República Dominicana, Equador, Argentina, EUA, Suécia, Bélgica e Finlândia, entre outros países. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Stendhal de Grenoble (França) em 2001 e trabalhou em Paris para as rádios BFM e Radio France Internationale. Em Brasília, foi setorista de Itamaraty e colunista musical pelo "Correio Braziliense" e colaborador da agência France Presse.
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Comentários

  1. Rocky Gadelha comentou em 04/08/12 at 14:23

    Morei alguns meses em Teheran em 1973 e tenho a recordação de um povo generoso e honesto. Infelizmente a lavagem cerebral operada pela guarda islâmica mudou bastante a vida dos iranianos. Entretanto, como todos os regimes ditatoriais, um dia o Iran se tornará livre e já se notam alguns sinais positivos.
    Exclente seu artigo!

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